13.6.07

O próximo lance...

Num tempo em que o poder privilegia a anglofonia, impondo o Inglês como língua global, começo a pensar que o silêncio em torno da Casa da Lusofonia é estratégico . Não é raro ver governantes basbaques, deliciados com as proezas anglófonas das nossas inocentes criancinhas. Quanto à lusofonia, vêmo-la ser desvalorizada a cada passo: os media desprezam-na; os políticos atropelam-na e os linguistas e didactas( se é que ainda existem!?) reduziram-na a um sistema de códigos de que basta conhecer alguns truques para que o locutor seja considerado habilitado ou, melhor, proficiente.
E para confirmar a nossa apetência pela res anglo-saxónica basta lembrar a competência de Guterres, Sampaio ou Durão que falam a língua do império como se nele tivessem nascido. Também, aqui, poderíamos defender a francofonia, mas o exemplo que nos sobra desse tempo da hegemonia libertária - Mário Soares - nunca revelou o mesmo grau de competência dos seus herdeiros. Felizmente!
Em 30 anos, o francês desapareceu das nossas escolas e se ainda se ouve nas nossas ruas é porque, ritualmente, os emigrantes regressam para nos lembrar o êxodo dos anos 50 e 60 do século XX. O francês começa a ser uma língua nostálgica como as canções de Piaff, Ferré ou Brell...
Ora a Casa da Lusofonia é um pouco como o Museu Imaginário de Malraux - já só existe no cérebro daqueles que, por força da colonização, desembarcaram/aterraram um dia no Hemisfério Sul, sonhando que seriam capazes de para lá trasladar o "Portugal dos Pequeninos". E são certamente esses prisioneiros do antigo império que, perdidas as terras e as gentes, decidiram reunir-se em academias itinerantes... ou, mais modestamente, em casas lacustres.
À estratégia deste jogo, mais aberto ou mais escondido, pouco importa se estamos vigilantes: os jogadores já pensam no próximo lance...

11.6.07

Num país de mercancia...

Hoje, 11 de Junho de 2007, num país de intriguistas, de trânsfugas, peneirentos e interesseiros, devo registar que ainda há pessoas abnegadas, que tudo fazem para resolver problemas que outros, impunemente, lhes criaram.
No dia em que termina o prazo de candidatura para professores titulares, estas pessoas mostraram que se pode ser titular sem somar pontos.
A injustiça espreita sempre que deixamos de olhar de frente as pessoas; sempre que as transformamos em número, em mercadoria.
Passámos a viver num país de mercancia, que procura a todo o custo integrar o planeta da globalização: um planeta deserto de pessoas...
Felizmente, ainda, há algumas pessoas!

9.6.07

Impunemente...

Há por aqui (ou será por aí?) muita gente que deveria ver atentamente os filmes de Ernst Lubitsch (Berlim, 1892-Hollywood, 1947), designadamente o filme The Shop Around The Corner / 1940. Na cópia portuguesa, A Loja da Esquina. Um filme sobre a verdade e a simulação. Nas palavras de João Bénard da Costa, apesar de sabermos «que Lubitsch era um fingidor, nunca o vimos fingir tão sinceramente. E por isso também chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. The Shop Around The Corner inventaria o poema de Pessoa se ele não tivesse já sido inventado. Mas é diferente em palavras ou em imagens. Porque estas fingem ainda mais e doem ainda mais.»
Como é que as imagens fingem ainda mais e doem ainda mais do que as palavras?
A não ser que, propositamente, as palavras se tornem inócuas, deixando órfãos os corpos... e dos seus donos fiquem apenas imagens de incómodo, de fuga, prontas a impor uma nova verdade..., como se antes nada tivesse acontecido.
A tabula rasa não é, afinal, mais do que uma estratégia de rejeição da História, em que simulação e verdade são as faces da mesma moeda.
E todos os dias o cilindro da tabula rasa avança, triturando direitos, identidades, vidas... Em nome do quê?
Impunemente...

7.6.07

Desafio falhado, desafio orquestrado...

Por isso escrevo em meio /Do que não está ao pé,/Livre do meu enleio/ Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!Fernando PessoaO menino guerrilheiro (?)
de
DIANE ARBUS

É mais fácil copiar, dizer mal, rir... do que procurar!


Como é que as granadas caíram nas mãos deste audacioso menino?
Para onde é que ele está a olhar? Para nós?
Ou vítima do fotógrafo, limita-se a posar para a objectiva manipuladora do real?
De que modo é que a mediação nos controla os sentidos e nos sabota a razão?
Quem é que está no meio? O menino? O fotógrafo? E nós, onde é que nos encontramos?

2.6.07

Os nós estão cada vez mais soltos...

A verdade é cada vez mais impressiva. Já não se alicerça numa crença ou numa certeza. Já não necessita de fundamentação. Na melhor das hipóteses, exige debate público. Espectáculo. Encenação. Diversão.
Outrora, não havia verdade sem autoridade. Hoje, relativiza-se a autoridade. Os pilares da igreja, da ciência, da educação são arrasados na praça pública.
Todos os dias assistimos à implosão da autoridade. Por enquanto ainda vamos tomando partido, mas por pouco tempo. Os nós estão cada vez mais soltos.
Desistimos de explicar os princípios, eliminámos os objectivos. Passámos a avaliar referenciais de competências pontuais, transversais... à beira da reciclagem.
A inteligência está a ser substituída pela competência. A competência das castas! O cerco intensifica-se a cada dia que passa, e os párias amontoam-se, de portátil debaixo do braço, em transe...

25.5.07

Prosápia ou jactância?

Hoje, sinto-me incapaz de classificar a relação semântica entre prosápia e jactância. No entanto, o país está a ser invadido pelo amor-próprio: via sms, uma editora diz-nos «esperamos que goste dos novos projectos da Texto Editores que enviamos especialmente para si. Com a nossa estima...»; cartazes, na 1ª pessoa, ferem-nos a retina em todas as esquinas da capital; políticos e comentadores deixaram de ter dúvidas sobre o que quer que seja, desde a OTA ao POCEIRÃO; há mesmo quem assegure que, no próximo ano, o Benfica vai ser campeão; a força ilocutória da 1ª pessoa de certos verbos tem vindo a crescer: eu garanto, eu suspendo, eu homologo, eu demito, eu delato, eu nego, eu afirmo, eu juro, eu advirto, eu asseguro... uma perigosa litania verbal que também poderá ser expressa de outro modo:
Eu represento a divindade, por isso o que eu digo é indiscutível...
Eu sou a própria divindade e, portanto, eu só posso dizer a verdade...
Eu sei de fonte segura...
Eu nem preciso de fonte!
Eu sou a própria fonte! E por isso eu decido
quando devo falar
quando devo ficar calado
Eu giro na palavra e no silêncio a meu belo prazer
Só eu sei quando digo
sei
não sei
e por princípio nego que alguma vez tenha sabido
Quanto ao outro, só eu sei!