29.5.10

Inesperadamente…

  

Saíra cedo de casa a pensar se a post(agem) merece um comentário fora do universo dos blogues (‘páginas da internet com características de diário’). Um modo de iniciar o sábado um pouco frustrante, no entanto, refém  da A1, via-me condenado a rememorar o tempo em que tentava explicar aos meus alunos dos cursos de ciências da educação que o PROGRAMA de um professor do ensino básico e secundário era bem diferente do PROGRAMA no âmbito dos estudos universitários  (isto antes de Bolonha nos ter colonizado!). No ensino superior, o PROGRAMA ganhava autonomia, tinha vida própria (era um pouco como o capital, indiferente aos custos, sempre a pensar nos lucros!) – professor (quase sempre perito, disfarçado de investigador) e alunos pouco contavam, desde que servissem a Instituição (por contenção, abstenho-me de falar agora dos pilares, mas podemos, com proveito re(ler) sempre o Auto da Alma, de Vicente).

Não vá o parágrafo tornar-se ilegível, retomo a lição para, ainda na A1, rememorar o que dizia aos meus alunos: «No ensino básico e secundário, o PROGRAMA É O ALUNO.» Já na 6ª feira, ontem, regressara a esta certeza perante um aluno que de forma mais ou menos desabrida me perguntara ‘ o que era um púlpito?’. Quando tentei responder, dizendo-lhe que era ‘a tribuna utilizada pelos sacerdotes para…’, replicou que não queria saber pois a religião não lhe interessava! Fiquei perplexo com este jovem, já não era a semântica nem a religião que me preocupavam, era a ÔNTICA.

Entretanto, a viagem na A1 terminara, a questão do comentário deixara de estar em foco. O mato e a forragem tinham crescido exuberantemente; o atalho perdera-se; a oliveira centenária continuava frondosa. Inesperadamente, uma lura na raiz de um tronco! E, sobretudo, uma cobra que em vez de deitar fora a camisa me reteve a sombra!

Afinal, o que é que me impediu de meter o braço na lura e de pisar a cobra?

27.5.10

Nada é seguro…

    O tempo inexorável segue o seu caminho, embora no que respeita ao mundo florestal estejamos convencidos que o verde e as flores estarão de regresso no próximo ano. Porém, no caso em apreço, nada nos assegura que assim será. Quando o arquitecto, na ânsia de rebaixar o edifício, desce aos alicerces quem paga são as raízes. Claro está que não é ele que deseja ser o coveiro das frondosas árvores! A ordem vem de quem traçou um projecto salazarista de recuperação do parque escolar e serve clientelas de proximidade.

26.5.10

A crise financeira e o património…

  Neste tempo de crise, ainda ninguém perguntou quanto vale o património português! Não sabemos valorizar o legado que os avoengos nos deixaram. Anualmente, centenas de milhares de estrangeiros e nacionais percorrem o casco das nossas cidades, sobem aos castelos, entram nos museus gratuitamente ou por quantias irrisórias. A maior parte dos monumentos não consegue financiar a respectiva manutenção e as despesas com o pessoal. Sem recurso ao orçamento de estado ou ao mecenato, o património construído entraria em ruína. Mas esta não é a solução!

O Ministério da Cultura existe apenas para subsidiar clientelas. É um organismo inútil que agrava diariamente o estado da nação. As missões que lhe têm sido atribuídas podem perfeitamente ser asseguradas pelos municípios. A cultura só é universal se enraizada no local! Para quê um mediador centralizador quase sempre desconhecedor das especificidades culturais? Um mediador que pela sua própria natureza elitista deixa no esquecimento lugares e monumentos genuínos que bem podiam ser preservados pelas gentes que com eles co-habitam.

Em nome da Cultura, desperdiçamos milhões de euros e paradoxalmente somos cada vez mais incultos. (Ainda hoje alguém me perguntou se um soba era uma pessoa!) Afinal, para que é que precisamos de dois ministérios na área do ensino? E de que serve o ministério da economia?

PS: Basta sair do terreiro português para perceber quanto custa a entrada num museu, num castelo, numa catedral ou numa mesquita!

24.5.10

António Lobo Antunes - será que ele vem?

Diria que a passagem do tempo ocupa permanentemente a minha atenção: adiar o inadiável, enganar o finito, viver o momento, exorcizar o futuro, reviver o passado. A partir de uma determinada idade, a duração torna-se obsessão: a historicidade ganha substância.

No entanto, em termos comunicacionais, não posso imaginar que a juventude me acompanhe nas minhas reflexões que, para além da efemeridade do meu ser, se enraízam na História de uma Nação que desde a perda do Brasil arrasta as grilhetas da morte. Já lá vão quase 200 anos, sem falar noutras catástrofes que deixaram a Pátria moribunda.

O apego à vida, na obra de António Lobo Antunes, não é muito diferente da minha íntima vontade de atrasar o relógio biológico. E de algum modo, A.L.A. alimenta a ideia de que, ao suspender o seu tempo, está a impedir Portugal de soçobrar definitivamente. Morrer com a Pátria é o gesto derradeiro, por muitos sonhado, mas até agora nunca consumado…

Ora, os jovens sabem, mesmo que o não sonhem, que o pessimismo e o derrotismo são seus inimigos endógenos e exógenos. E por isso o passado não os encanta!

Quanto ao escritor, ele bem sabe que só suspenderá o tempo enquanto continuar a escrever… Por atalhos não conseguirá! E se insistir nessa via, despache-se, e, por momentos, regresse aos pátios que atravessou entre 1952 e 1959, porque os jovens nos últimos dias, com insistência, me perguntaram se ELE VINHA…

/MCG

23.5.10

Arte substantiva…

Golegã2 003 Golegã2 010 Golegã2 016 Golegã 027 Golegã 029 Golegã 033 Golegã 039 Golegã 040

Na GOLEGÃ, mesmo que alheados passemos, a arte fica: imperial, tentadora, iconoclasta, hípica, ambientalista.

22.5.10

(Des)encontro na Azinhaga

     Tal como Saramago com Deus, o meu encontro com a Fundação Saramago falhou. E, ao contrário de Saramago que ainda espera que o Senhor o visite, eu desloquei-me à Azinhaga, mas as portas estão fechadas, para férias, até  30 de Maio. Fiquei com pena, não por mim, mas por aquele jovem a quem perguntei onde se situava a Fundação e que me respondeu que ela estava fechada, que ele, o próprio, vinha de lá frustrado (o termo não é dele, mas corresponde).

De qualquer modo, fiquei com a ideia de que a Azinhaga no tempo das “pequenas memórias” era verde, católica, mas dividida. De um lado, os pobres, muito pobres, e do outro, os senhores, muito ricos. E talvez não tenha mudado muito! À excepção, do gigantismo atribuído ao escritor, como se este filho da terra tivesse definitivamente vingado a miséria extrema dos cativos.  Indiferente, corre o rio Almonda sonolentamente adjectivado por uma coruja.

/MCG

19.5.10

Declive?

 Estará lá o declive? Ou é da minha vista? Como quero ver direito, experimento inclinar a foto. Agora, parece-me melhor – um simples toque parece poder alterar a minha percepção. Quando envelhecemos, queremos acreditar que contribuímos para melhorar as coisas em que tocámos, mas, ao mesmo tempo, começamos a ter pejo em pensar que a nossa presença trouxe algum benefício ao nosso semelhante… A ligeireza da palavra intempestiva aborrece-me, coarcta-me os argumentos, como se apenas a pedra pudesse estancar a catadupa de rugidos que se abate sobre mim.

Independentemente do juízo que faça da realidade, que a veja em declive, esta sai sempre vencedora. Ainda caio na tentação de querer corrigir a inclinação da agulha atraída por uma força ignota, mas, de verdade, o que desejo é perder-me na raiz vida, ficando a ouvir o gorjeio, por ora, dos melros…