16.8.13

No Egito

Milhares de feridos e mais de 600 mortos, igrejas coptas profanadas e incendiadas nos últimos dias!Porquê? Antes de mais, porque as religiões, em vez de conciliarem, continuam a dividir, despertando os demónios dos primeiros tempos...A ida a votos deu o poder à maioria muçulmana. Começava o jogo democrático! Só que, no contexto regional e global, o novo poder não estava preparado para lidar com as minorias religiosas, com o poder militar formado e equipado pelos americanos, com o estado de Israel e, sobretudo, preparado para satisfazer as reivindicações de uma enorme massa humana ávida de melhores condições de vida.E quando assim é, a solução militar surge como forma, de pela força e pelo medo, pôr na ordem a multiplicidade de desencantados, de fundamentalistas e de oportunistas.Só que a solução militar não sabe dialogar, conciliar. Apenas sabe aplicar a força de forma cega, à ordem de quem a suporta financeiramente...

Portanto, a irracionalidade egípcia não é apenas resultado da ação Irmandade Muçulmana!

(A propósito,  Portugal tem no Cairo um embaixador – o Sr. Tânger - que parece ter sobre os acontecimentos uma visão bastante parcial... Não sei se a sua abordagem coincide com a do Governo!)

14.8.13

As funções do Estado mínimo

Há luminárias que apontam como causas da crise: o número excessivo: a) de funcionários públicos; b) de idosos; c) de restaurantes; d) de boutiques, sapatarias, mercearias...
E como solução primeira: a redução drástica do número de funcionários do estado, a redução dos cuidados de saúde, a redução dos salários, das reformas e das pensões, o  encerramento de restaurantes, pastelarias,  cafés, lojas, boutiques, sapatarias, mercearias...
Em síntese: desmantelamento do Estado, empobrecimento e fragilização das pessoas, destruição das pequenas e médias empresas.
Os serviços prestados pelo Estado no âmbito da saúde, da educação, da justiça, dos transportes, no entendimento destas luminárias, devem ser entregues aos novos empresários, pois estes já serão capazes de viver sem o Estado. 
Os indicadores económicos publicados nos últimos dias mostrariam que, finalmente, estes empreendedores já estariam a revitalizar a economia. Mas como?
Com uma lei dos despedimentos selvagem, com remunerações mínimas e, sobretudo, com a eliminação da concorrência...
Neste cenário radioso, estas virtuosas luminárias querem-nos fazer acreditar que as únicas funções de um Estado mínimo são cobrar impostos à novíssima economia e redistribuir o bolo pelos desgraçados que, entretanto, foram despedidos, espoliados das reformas, não conseguiram um primeiro emprego...
 
O equilíbrio das contas não é difícil! Basta pensar no país de Salazar! Tinha sol e praias e até uma guerra no ultramar. Só não tinha portugueses! Viviam aos milhões lá fora para não morrer cá dentro...

Sem rede dissolveu-se na Caruma

Mesmo sem balanço, SEM REDE regressa em setembro, mas sob a máscara de CARUMA.
Há sempre um aluno atento que procura partilhar nem que seja as suas hesitações ou, então, que insiste para que eu esclareça os limites do "contrato de leitura" - expressão que eu abomino!
Por essas e outras razões, espero, a partir de setembro, dedicar, também, um tempo aos meus alunos, criando, assim, um público diferenciado.
Isto se o MEC não me sobrecarregar com tarefas gratuitas, no duplo sentido da palavra...
  

13.8.13

Nas costas...

Os sindicatos acusam o governo de lhes dar facadas nas costas. Pobrezinhos, sentem-se traídos! Afinal, qual era o acordo que andavam a cozinhar nas costas dos trabalhadores?
 
Há muito que os portugueses são traídos pelos seus governantes e representantes, sejam deputados ou dirigentes sindicais e outros que tais, porque, até ao momento, o que sempre lhes interessou foi partilhar o bolo.
 
O problema que eles escondem da população, com a conivência da comunicação social, é que a decisão já não mora aqui: já não está nem na mão do presidente, nem do governo, nem dos partidos, nem dos sindicatos, nem dos autarcas, nem dos juízes...
 
A decisão é nos imposta e obedece a um calendário e a um caderno de encargos irrevogáveis!
 
Os sindicatos sentem-se traídos porque começaram a perceber que são descartáveis e que por isso vão ter que voltar ao trabalho...

12.8.13

Sem o Anjo que nos afaste da queda...

O Senhor para Mefistófeles: « Todo o homem que caminha pode perder-se.» (Goethe, 1749-1832)
 
Acantonados no espírito da Reforma, habituámo-nos a ver o Senhor como a representação do supremo Bem que combateria perpetuamente o Mal. 
A cada ser competiria, assim, percorrer o caminho da Luz, fugindo permanentemente das Trevas, isto é, evitando perder-se ou evitando qualquer pacto com Mefistófeles. No entanto, na lição de Goethe, o Senhor dá plena liberdade a Mefistófeles para que este possa induzir Fausto em tentação. 
 
Estranhar-se-á este apontamento, mas ele tem uma razão antiga. De todas as vezes que me "cruzei" com o João da Ega n'Os Maias, ficou-me a dúvida sobre o satanismo queirosiano ilustrado pelo Mefistófeles que animava os bailes de máscaras ...
 
E nesse aspeto, o Eça europeu nunca se libertou da imagem do demónio que formatava a alma lusa... 
Eça reduzia tudo à caricatura, tal como nós, hoje, o que nos torna incapazes de caminhar sem o Anjo que nos afaste da queda... 

11.8.13

Inquietação

«A inquietação enfeita-se sempre com máscaras novas: tão depressa é  uma casa, um pátio, como uma mulher ou uma criança, ou ainda o fogo, a água, um punhal, um veneno... Trememos diante de tudo o que não nos atingirá, e choramos incessantemente pelo que não perdemos!» Goethe, Fausto.
 
Eu gostava de subscrever plenamente esta "conclusão" de Fausto, mas a ideia do "ornamento" e da "máscara" faz-me pensar num qualquer desvio histriónico comportamental. Infelizmente, a inquietação tem uma origem menos encenada.
Basta pensar naquele pai que, perante a inevitabilidade da morte, não deixará de se sentir inquieto (atormentado) quanto ao futuro do jovem filho, sobretudo quando a sociedade se revela madrasta.
Basta pensar naqueles a quem a morte não surpreende de forma súbita e que por isso têm tempo para sofrer em silêncio a precariedade da vida dos que lhes são próximos. Quando essa precaridade anda de braço dado com a ingenuidade de uns e a malvadez de outros, a inquietação não desarma e mina as almas e os corpos...
Basta pensar na mentira continuada que nos governa, essa, sim, enfeitada e sempre com novas máscaras, para que o tempo seja desse tipo de inquietação que mata lentamente...
Podemos disfarçar com o sol e a praia, a música e o teatro, o cinema e a ciência, mas na inquietação a música é apenas um tique-taque acelerado, a ciência não traz cura nem pão, a imagem não passa de ilusão, a praia deserta e o sol eclipsa... 

10.8.13

O Ano Sabático (João Tordo)

« Não é tarefa fácil construirmos a nossa própria identidade confiando apenas nas nossas intuições e pressentimentos, mas é também pouca a segurança que poderemos extrair de uma identidade autoconstruída que não seja confirmada por um poder mais forte e mais duradouro do que o seu construtor solitário.» Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, pág. 278.
 
João Tordo publicou no início deste ano o romance O Ano Sabático. Considerando que o autor nasceu em 1975, não deixa de ser uma experiência temporã. No entanto, esta escolha tem explicação académica. Formado em Filosofia, João Tordo procura responder à velha questão: Quem sou eu? Já Fernando Pessoa construíra toda uma obra a responder à mesmíssima pergunta. Temos, assim, que o romance é a resposta à eterna questão.
Uma resposta triste, pois a ideia de incompletude que persegue Hugo (na 1ª parte) e Luís Stockman (na 2ª parte) faz destas personagens "seres" descompensados, pois a cada momento se sentem "roubados", procurando, um, de forma alienada, e o outro, de forma racional, "encontrar" o quid que os limita.
Esta apropriação do "eu" pelo "outro" (do mesmo sexo, mesmo que haja ainda um "outro" do sexo feminino) é, afinal, a matéria de que o romance se alimenta, e leva à aniquilação de "ambos", o primeiro, de modo prosaico num sótão da baixa lisboeta e o segundo, de modo mais poético numa tempestade de neve nas ruas de Montreal (Québec).
A alusão ao "outro" feminino serve apenas para lançar a ideia de que neste romance, embora "as mulheres" não surjam como acontece na tradição literária e filosófica da "misoginia grega", este outro acaba por não ser essencial para a resolução da resposta à questão identitária - irmã, mãe, amantes, terapeutas, todas elas desempenham papéis periféricos...
Do meu ponto de vista, o mais interessante é que a obsessão do "eu" pelo "outro" acaba por matar a capacidade criadora de Hugo e de Luís Stockman: o 1º porque se sente roubado por uma "sombra real", o segundo, porque, para adiar o reencontro com  a "parte em falta", desiste da composição musical... até que:
«Quando a neve já era tanta que nada se via excepto o branco, tudo branco, o mundo uma composição em branco, Stockman sentiu a alegria de uma perda irreparável e soube que era demasiado tarde para voltar atrás.» (João Tordo, O Ano Sabático, pág. 205)
No essencial, estamos perante um romance bem construído, cujo fio condutor desloca a atenção do leitor para as condicionantes da criação musical, mas que bem pode ser lido como se todo ele fosse o resultado de um verdadeiro ano sabático dedicado aos escolhos que a escrita levanta ao escritor.