13.5.15

Afonso Reis Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões

A nota biográfica que se segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário Expresso.

Em 1990, Lisboa viu-o nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava posição. 
Mas recuemos um pouco - até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante cinco anos (dos 10 aos 15).
Invicto e convicto, Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e Lusófonos e depois em Estudos Portugueses. 
"Fernando Pessoa e Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e trabalha atualmente na Alêtheia.
(...)
Os rascunhos de "O Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a 2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?".
No relato pormenorizado sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo, decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: 'Bo noite, mano'". 
Oito anos depois, a afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento, trabalho e muito humanismo. http://expresso.sapo.pt/sociedade/afonso-reis-cabral-eca-arvore-genealogica-nao-explica-tudo=f894305

12.5.15

Enquadramento - caminhos

De nada serve queixar-me! Por isso, embora tardiamente, aqui fica o enquadramento...


Guernica (pormenor)


Todos fomos espanhóis de 1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo.Goya tinha dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)

A consciência política anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?  

11.5.15

Indícios de tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...


Como diriam alguns políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?

  • A lenda da fatalidade das paredes do Ramalhete.
  • Os cabelos pretos e os olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda)...
  • A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família»...
  • O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa o leito fatídico, na Toca. 
  • Maria Eduarda tenta contar a Carlos três vezes a história da sua vida... 
  • A tapeçaria «onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca.
  • O «móvel divino» do Craft com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».
  • A parecença de Carlos com a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda)...
  • A sombra negra das personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...
                                                                              (...)
Para quem não tinha paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado?, editora Fundo de Cultura, 1962.

Hoje, decidi revisitar o Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...
De qualquer modo, o ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da conceção do romance: o histórico, o simbólico e o trágico...




10.5.15

As ruas em exame

Dicionário terminológico em linha

"As ruas da cidade estão desertas.»
"As ruas de Lisboa estão engarrafadas.»

A expressão sublinhada é um complemento de nome ou um modificador restritivo de nome? A resposta, se consultarmos o Ciberdúvidas ou as Gramáticas mais recentes, não é fácil. 

Em exame nacional, acertar na resposta vale 5 pontos. De acordo com alguns linguistas, o melhor a fazer é não colocar a pergunta... (critério duvidoso mas eficaz!)

Nestes últimos dias, experimentei testar a pergunta, não fosse o IAVE ignorar o conselho dos linguistas, e o resultado não só não é esclarecedor, como descobri que há sempre alguém capaz de morrer pela sua opção, o que muito deploro...

Atrevo-me, entretanto, a deixar aqui outro exemplo:

"As ruas em exame deveriam ser fechadas ao trânsito."

Será que os Linguistas e os Gramáticos já descobriram qual é a verdadeira resposta? Bem longe das terras lusas, vive um japonês, estudioso da língua portuguesa, que acaba de me confessar que também ele gostaria de ter alguma certeza nesta matéria...

De qualquer modo, em caso de controvérsia, lá teremos que classificar ambas as respostas como certas -  IAVE / MEC 2014.    

9.5.15

Vivemos fora de nós

Gare de Alcântara

Os painéis de Almada Negreiros ocupam todo o salão que dá para o Tejo. No corropio de turistas que não sabem como ocupar o tempo, só um ou outro levanta os olhos e parece surpreendido com a cor e as figuras que deram corpo ao estado novo, mas tal ideia não lhes passa pelo pensamento, e até a Nau Catrineta deixou de voltar com as histórias que tinha por contar: 

«Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar,
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.»

Parece que estamos encalhados, e nem a arte sabemos divulgar! Diluídos, vivemos fora de nós, preferimos esconder a identidade...

No entanto, inaptos, insistimos em não ouvir o gajeiro:

«Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão por te matar.» 

Hoje, nem Almeida Garrett nem Almada Negreiros são devidamente apreciados, provavelmente pela mesma razão que «alcântara» perdeu o significado original - ponte.

8.5.15

A fronteira

«Acabará a música, todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.» José Saramago, Memorial do Convento.

O rio Caia ainda era fronteira no reinado de D. João V, delimitava a fronteira entre Portugal e Espanha na região de Olivença. Em 1815, o Congresso de Viena reconheceu a soberania portuguesa... A 7 de maio de 1817, a Espanha ratificou a Ata Final. No entanto, passados 200 anos, «de bandeiras não resta um fio»...

De facto, nem João Relvas chegou a saber quem acabara de tocar «uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e de prata, um arpejo às vezes rouco, como se a comoção apertasse a garganta da harmonia», nem a nós  interessa essa ou outra fronteira...

Para quem anda tão apressado, a fronteira mais não é do que um obstáculo. Afinal, o mundo é todo igual, dizem uns tantos.

Mas não, o mundo está cada vez mais desigual. Todos os dias se elevam novas fronteiras. Todos os dias se morre nas fronteiras... e nós continuamos a flanar. Mentira, continuamos a deambular!


7.5.15

Sinto-me um tanto desvirgulado

Os dias se não estão mais compridos tornaram-se-me mais pesados. Talvez devesse ter colocado atrás uma vírgula, mas sinto-me um tanto desvirgulado, apesar de refrear tudo o que penso, isto é, de virgular todas as pausas  a que me forço para não cair no acinte...
Cair no acinte já não cai bem na minha idade, dizer que a novidade do dia tem barbas não incomoda, pareceria que me estaria a colocar em bicos de pés...
Ainda na posse de um manual de etiqueta, deixo-me ficar sentado a ver em que param as modas que não divergem muito das de outras eras que concluíram que ser cortês sempre era melhor do que carniceiro... tudo em benefício de damas agravadas e crianças desamparadas...
Verifico agora que de tanto cair já sofro de cacofonia e que a minha obrigação seria voltar atrás, de modo a não profanar os ouvidos das almas mais sensíveis, mas vejo-me em estilhaços, por não ter percebido à primeira que as almas não têm ouvidos, não têm olhos, não têm nada...
Eu é, que desvirgulado e desalinhado, investi nos dias e só agora percebo que, ao contrário do didata, não posso eliminar a cacofonia e muito menos impedir que os anjos sejam reverentes...
Ainda se eu fosse o senhor das vírgulas!
A partir de hoje, o meu sonho é fechar os olhos numa vírgula à espera que surja a maiúscula que me interpele e me faça cair no acinte...
Imagine o leitor que, enquanto espero, decidia mudar o título para não ofender a vírgula, e começava novo ensaio, ou como se diz há uns tempos, iniciava nova tentativa:
Sentia-me um tanto desvirginado... já estou a ver os rostos carrancudos, Isso é coisa que se escreva... o melhor é mesmo afundar-me no grupo verbal!