25.8.15

Estado de anomia

ANOMIA é um daqueles termos que pode ajudar a caracterizar múltiplas situações. Por um lado, no que me diz respeito, 'anomia' define a dificuldade em selecionar a palavra apropriada ao objeto, à ideia, ao estado... Com a idade, a anomia vai-se agravando...
Por outro lado, a 'anomia' caracteriza o estado das sociedades em acentuada decadência, cujos membros deixam de respeitar as normas vinculativas; os indivíduos e, por vezes, as corporações passam a agir por conta própria desprezando os valores tradicionais. Aparentemente, os membros mais ativos parecem procurar uma nova ordem, criando situações favoráveis ao caudilhismo...

A anomia, de acordo com alguns teóricos, tanto pode trazer resultados positivos como negativos, sobretudo, em épocas de depressão financeira, económica e axiológica...
Eu, no entanto, quando olho para um país que, nas próximas eleições legislativas, apresenta a votos 3 coligações e 14 partidos, não consigo vislumbrar nada, para além de grupos e grupúsculos que procuram um lugar ao sol, porque, afinal, não sabem produzir nada.

E a prova do estado da anomia portuguesa é que não encontro uma única proposta que mobilize o país. Basta pensar nos milhões de euros consumidos pelos fogos de verão e de outono! Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um plano concreto para limpar o mato, para limpar a floresta, para desimpedir e abrir acessos, para melhor aproveitar os solos?   Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um projeto nacional concreto para demolir ou para restaurar o património rural e urbano deixado ao abandono?    




24.8.15

Veneno ambulante

La belleza no es un capricho de un semidiós, sino el ojo implacable de un simple carpintero.
                                                                                                          Osip Mandelshtam

No outono de 1912, um grupo de seis jovens reúne-se em segredo para debater o futuro da poesia: Gumilev, Gorodetsky, Ajmátova, Mandelshtam, Narbur y Zenkevich.

Estes acmeístas russos defendiam a claridade apolínea, opondo-se ao delírio propagado pelos poetas simbolistas russos. 

Esta breve nota foi me imposta por Roberto Bolaño que, na página 843, do romance 2666 narra, de forma sumária, a vida de «um poeta acmeísta e a sua mulher reduzidos à miséria e à indignidade sem repouso», rejeitado pelos outros poetas russos, pois consideram  o acmeísmo «veneno ambulante».

Esta obra parece ter sido escrita para me confrontar com a minha ignorância!

23.8.15

A minha cruz

Não saio da rotina, a que a minha mãe chamava "a minha cruz". Múltiplas vezes, a ouvi falar da sua cruz, sem que tal eu interpretasse como "queixa". Quem é que iria queixar-se da "cruz", sobretudo em terra de cristãos velhos?
A verdade é que, ultimamente, tenho-me recordado das palavras, quase de rotina, de minha mãe. A terra continua a ser de "cristãos", cada vez em menor número, e a locução de certo modo tornou-se anacrónica... 
Já não sei se nisto tudo não há um misto de nostalgia, talvez a "cruz " da minha mãe lhe tivesse acelerado a passagem, ou, talvez, a nostalgia seja daquele tempo em que para mim não havia cruz a não ser a de Cristo. E essa era a vida que o Pai lhe dera...
A rotina prende-nos de tal modo que, quando damos por isso, já é demasiado tarde. No entanto, não é Deus nem o Fado nem o Homem que nos impõem a cruz, mas o Tempo, ou a falta dele...
(...)
Não saio da rotina nem me estou a queixar. Não estou é disposto em entrar em depressão nem a procurar o cirurgião plástico! 

21.8.15

No reino dos silvas, ainda há quem defenda que as figueiras são malditas

Figueira cercada 

As silvas matam a figueira
No país dos Silvas nem as figueiras escapam! E desta vez, nem posso atribuir a responsabilidade a outrem... sou eu que deixo que as silvas matem tudo o que lhes aparece pela frente...

Claro que se o Senhor Silva, no seu tempo de primeiro ministro, não tivesse desinvestido na agricultura, talvez eu, hoje, não me sentisse tão incomodado com o que observei ao querer apanhar uma dúzia de figos...

Porfiei e consegui apanhar uns tantos figos, sem esquecer as pobres pêras, também elas cercadas pelas malditas silvas, mas não escapei à fúria do silvado.

Em conclusão, estou disposto a vender o Vale do Oceano a quem queira erradicar as silvas e os Silvas deste país. 

Quem ler este desabafo, pode pensar que nunca se sabe se estou a falar a sério ou a brincar. Confirmo, no entanto, que já não estou em idade para brincadeiras.

20.8.15

Poupas às portas de Lisboa

Portela, LRS
Estas aves despertaram a minha atenção, porque não esperava vê-las aqui, na Portela...
Parece que vão estar por cá entre Agosto e Outubro e quando partirem far-se-ão acompanhar pelas crias que, entretanto, já estarão a crescer nalgum tronco de árvore da Quinta do Seminário. Será?
Estas aves são persistentes, pois no dia em que as descobri estiveram pelo menos duas horas a alimentar-se no mesmo lugar. Pobres das minhocas!

19.8.15

Sinal positivo, sinal negativo

Jardim do Campo Grande (Lisboa)
Limparam e repararam as brechas do lago. Sinal positivo!
Agora que ele está a encher de água límpida, há logo quem não resista a profaná-lo. Sinal negativo!
O homem é assim mesmo: não descansa enquanto não marca o território, não deixa a pegada da sujidade.
Paciência! Pode ser que, neste caso, a água de amanhã já não seja a de hoje, e, então a profanação já estará esquecida.

( Por cima do lago, a estátua mira-se num espelho mudo.)

18.8.15

Encalhado

A única palavra que me assombra verdadeiramente é o particípio passado do verbo encalhar. O estado de quem sofre a ação de ficar sem  saída... Até hoje, sempre consegui contornar, recuar ou mesmo avançar sobre o obstáculo. 
De noite, o que sobra são resquícios de objetos e de pessoas que surgem encalhados nos meus sonhos... mas não sou eu, pois o meu sonho não se transforma num pesadelo, a não ser se considerarmos a multiplicação onírica dos precários que se arrastam pela vida, como se a  precariedade fosse um estado natural...
De dia, avanço passo a passo, linha a linha, crime a crime. E estes são tantos!  Já pensei em seguir o exemplo do autor de 2666, que em cerca de 300 páginas, estando-se nas tintas para a economia da narrativa, decidiu dar conta de todos os assassínios de mulheres em Santa Teresa, no México... o leitor acaba encalhado em tanto assassinato, mas talvez tome consciência da violência que os homens exercem diariamente sobre as mulheres. 
A verdade é que hoje encalhei por volta das 11 horas e espero desde essa hora que a maré suba. Talvez, amanhã, consiga desencalhar, mas não vai ser fácil...

(O problema da palavra não existe a não ser que a utilizemos de forma errada. Nesse caso, vai ser necessário defini-la com rigor e paciência, muita...)