23.4.18

Lá terei que ser aborrecido

«Uma geração incapaz de suportar o aborrecimento será uma geração de homens medíocres, de homens que se divorciaram indevidamente do lento progresso da natureza, de homens nos quais murcham lentamente todos os impulsos vitais, como se fossem flores cortadas num vaso.» Bertrand Russell, A Conquista da Felicidade.

Lá terei que ser aborrecido, mas de que serve continuar a celebrar uma revolução que produziu uma enxurrada de compadres promíscuos e corruptos?
Até a liberdade de expressão se tornou libertina...
Lá terei que ser aborrecido, mas não me apetece desfraldar a bandeira daqueles que traíram as aspirações dos que acreditaram que era possível criar uma sociedade mais justa e sã...
Lá terei que ser aborrecido, pois a mediocridade nauseia-me.
Aborrecido me confesso.

21.4.18

O não iniciado

1494 da era cristã: «De hoje em diante serás meu aprendiz. Eu te ajudarei a transformar espinhos em rosas e juro proteger-te dos perigos que espreitam o caminho. As páginas, que são outras tantas portas, hão de abrir-se ao nosso toque

Acabei de ler O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimbler, Quetzal editores, 1997. O exemplar disponibilizado pelas Bibliotecas Municipais de Lisboa (Galveias)  apresenta falhas de impressão (pág. 57-58)... (espero que a minha incompreensão não seja justificada pela minha não iniciação...)

Um duplo crime: a matança dos cristãos-novos e o assassinato do mestre da Cabala.
A Cabala: ciência oculta judaica que procura desvendar os mistérios da criação do mundo através da interpretação da Torá, isto é, dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento, onde de forma codificada Deus terá revelado os segredos do Universo...

Se a matança dos judeus - 4000 - é foi um crime levado a cabo por fundamentalistas dominicanos que souberam mobilizar a irracionalidade de um povo ignorante e faminto desprezado pelo seu próprio rei D. Manuel I, a morte do cabalista já resulta da cobiça, da inveja e do farisaísmo judaico...

A resolução do crime alonga-se desnecessariamente numa corrida desenfreada pelas ruas de Lisboa. A morte do mestre tio Abraão, apesar de ter decorrido durante o massacre de judeus na Páscoa de 1506, à conta da seca, fome e peste que assolaram o país, serve ao sobrinho, Berequias Zarco - futuro mestre - para tudo questionar - dominicanos; cristãos-velhos; cristãos novos; estrangeiros... e finalmente para anunciar que salvação do povo judaico só seria possível se este abandonasse a Europa...
Afinal, a Inquisição estava a chegar a Portugal (1536)...

Li o romance, mas não consigo desvendar o motivo que levou o Ministério da Educação a recomendar a leitura desta obra a alunos de 15 /16 anos... nem tal passaria pela cabeça de Richard Zimler, creio...

19.4.18

Fumos...

Ontem, não choveu e a temperatura subiu... e como, noutras circunstâncias, fiquei mais cansado, respiração pesada, movimentos lentos, raciocínio confuso... Quando tal acontece, leio mais e escrevo menos...
Evito, assim, focar os olhos que se vão dispersando pelas páginas desnorteadas do Último Cabalista de Lisboa... prometeu, mas não vai dar conta daquela Lisboa manuelina, apesar da desumanidade...
Entretanto, Ela regressou por uns dias, atordoada pela assédio da tripulação da Ryanair: - "Nem rei nem lei..."

16.4.18

Fraude inteletual

Bem sei que a fraude é diariamente notícia porque o ser humano é insaciável... Poderia aqui enunciar as múltiplas expressões, mas o melhor é o leitor consultar a Arte de Furtar...
De momento, cinjo-me ao Programa de Português, 10º ano de escolaridade,  designadamente à lista de obras propostas no âmbito do Projeto de Leitura.
Pensar que um jovem de 15/16 anos está preparado para ler obras  como, por exemplo, Lazarilho de Tormes, As Cidades Invisíveis, A Divina Comédia, O Nome da Rosa, A Tábua de Flandres, A Eneida... é um disparate completo... em nome de um comparativismo primário habituado a procurar relações intertextuais ininteligíveis nestas idades...
Creio, no entanto, que casos há em que não se trata apenas de disparate. Por exemplo, é, para mim, incompreensível que O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimler, surja como leitura para alunos de 15/16 anos. 
Apesar do contributo desta obra de ficção para a compreensão de um dos períodos mais negros da História de Portugal, só alguém que nunca tenha lido este romance é que se lembraria de fazer tal recomendação para leitores tão jovens... ou só alguém que, não tendo lido, cumpre uma agenda miserável.
Bem sei que há sempre o argumento de que ao professor compete contextualizar, ajustar... mas quem desenhou o Programa deveria saber que também o professor precisa de ler, de ter tempo para gerir... e esse tempo não está contemplado.
A consequência está à vista: o aluno não lê a obra, mas apresenta-a com recurso às baboseiras que a Internet lhe vai fornecendo... e, além disso, há sempre quem lhe bata palmas...

15.4.18

O monstro e o homem

"Estas não são as ações de um homem, são os crimes de um monstro" justificou Trump, referindo-se ao "alegado ataque químico" levado a cabo pelas forças de Bashar al-Assad em Douma... 
É verdade, Bashar al-Assad há muito que deveria ter sido afastado do poder, pois não há dúvida que se trata de um criminoso, mas não de um monstro, pois os monstros são representações psíquicas forjadas pela mente humana, em geral, para dar conta do medo que a tolhe...
Não foi por falta de ocasião, de meios ou por medo que o derrube do ditador Bashar al-Assad ainda não foi levado a cabo, mas sim por conveniência já antiga.
Ainda assim, se queremos aceitar que Bashar al-Assad é um monstro, então temos que reconhecer que não é único...
Creio, no entanto, que este tipo de ações não pode ser assacado a um qualquer monstro, por maior que o imaginemos, mas, sim ao homem, o único ser que é verdadeiramente exterminador.

14.4.18

A cura é um mau negócio

“Analistas do grupo financeiro Goldman Sachs tentaram abordar um assunto sensível para as empresas de biotecnologia, sobretudo as que estão envolvidas na terapia genética, um tratamento pioneiro: as curas de doenças podem ser más para os negócios no longo prazo”. Segundo a CNBC, os referidos analistas apresentaram um relatório, no dia 10 de abril, intitulado “A Revolução do Genoma”. Nesse relatório questionam: “Curar doentes é um modelo de negócio sustentável?”A cura é um mau negócio

Com a Goldman Sachs, o negócio está garantido. As empresas de biotecnologia que se cuidem, pois elas são um perigo ao investirem na terapia genética... 
Em Portugal, há muito que o financiamento da saúde é visto como um risco para a saúde do capital. O ministro das finanças português, mesmo que não venha a ser nomeado comissário europeu tem, desde já, garantido um lugar no grupo financeiro Goldman Sachs...