21.10.18

A cadeia de comando na Barataria

As velhas só se sentam no mesmo banco uma ou duas vezes por mês. Têm mais que fazer: substituir os filhos e tratar dos netos, ir à igreja e aos correios, sem esquecer a mercearia de bairro onde as novidades são mais que muitas…
Por exemplo, nos últimos dias, gastaram mais tempo na mercearia, porque alguém se interrogava sobre "a cadeia de comando".
Alguém defendia que não era possível que o Presidente ignorasse quem é que tinha assaltado o Quartel em Tancos, o que é que tinha sido roubado e como… Afinal, o Presidente era o Chefe Supremo, dispunha de vários Serviços de Informações. O próprio Governo não poderia deixar de o informar e até a Procuradoria encontraria forma de o esclarecer. 
A não ser que a "cadeia de comando" também tivesse sido minada e aí o Presidente deixaria de ser Chefe Supremo… ou melhor, continuaria a sê-lo, mas da Barataria… 

20.10.18

O céu das velhas

É das velhas porque lhes basta um banco. Se fosse dos velhos, seria necessário acrescentar uma mesa, de preferência, de pedra…
No céu das velhas, as sensações escasseiam e os pensamentos andam arredios, como convém a quem prefere evitar os cascos dos deuses…
Basta-lhes a palavra lenta e hesitante sobre o ladrão que devolve as armas, tão velhas como elas, e nada acrescenta sobre aquelas que, no fio dos dias, partiram para novas guerras…
As velhas já não ligam a inventários, mas custa-lhes acreditar que aquelas armas chamuscadas sejam as que foram desaparecendo dos paióis do reino… 
As velhas pensam cada vez menos, mas estão, por ora, entretidas com um velho vieira da silva que anda a brincar com as velhas e os velhos deste país… No entanto, estes velhos narcisistas têm o que merecem, pois se imaginam eternamente jovens...

19.10.18

Não sei se o diga...

Não sei se o diga, se o sugira, se o omita… Pouco importa, outros já o disseram, o sugeriram, o omitiram…
De qualquer modo, penso-o e calo-o… Temo, todavia, que já esteja disponível um registo do meus silêncios…
Um destes dias, ainda vou ter de pagar, o que não é grave, pois já pago todos os dias…

(Ontem, ainda havia ruído. Hoje é só silêncio!)

18.10.18

A sorte é uma raposada

A Sorte (boa ou má) instalou-se de tal modo na nossa mente que facilmente aceitamos que ela decida por nós.
Quase toda a Literatura a privilegia, embora sob roupagens várias - do Fado à Fortuna, sem descurar a Sina, a Moira e o Destino… - e nós embarcamos na fantasia de ocultar os verdadeiros fautores, em nome de códigos manhosos.
Vem o desabafo a propósito de quê?
Por exemplo, a propósito daquela inglesa que foi violada no Algarve e cujo violador acaba de saber que por 2.000 euros até terá valido a pena… 
Por exemplo, a propósito da encenação levada a cabo pelo Governo e seus apoiantes em torno da aposentação dos (chamados) grandes contribuintes ou em torno dos aumentos da função pública… ou em torno do descongelamento das carreiras… ou do aumento dos pensionistas…
A Sorte é uma raposada!

16.10.18

A cor da liberdade

(Sem ponto de interrogação. Não se trata de saber se a liberdade tem cor. Mas de viver em liberdade…)
  
Não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
                          
Jorge de Sena (1919-1978)     

Testemunho:
Lembrava-me de um poema já antigo dele, anterior ao seu exílio. O poema tinha a data de 9 de Dezembro de 1956, quando o poeta acabava de fazer 37 anos, vivia ainda em Lisboa como engenheiro e se preparava, a convite do British Council, a se deslocar temporaneamente à Inglaterra, para um estágio sobre betão armado.
Luciana Stegagno Picchio

15.10.18

Basta estar!

A verdade é que eles não querem saber, e não se importam de desperdiçar um tempo precioso… Até porque pensam que a glória não lhes escapará… Basta estar!
À dificuldade dizem não; preferem abrir um link e regurgitá-lo na hora aprazada. O trabalho intelectual não lhes causa dor; é apenas uma maçada…
Os textos perderam a autoria (cansa inquirir a referência); verdades ininteligíveis e enfadonhas sobre almas perdidas…
Deixemo-los estar!

14.10.18

Não basta ter sido uma criança mais ou menos afortunada...

Há dois ou três dias, perguntaram-me o que era uma varinha de condão e eu, que nunca fui muito dado ao mundo da fantasia, não consegui esconder a minha surpresa… Respondi que o melhor era o "menino" ir investigar…
Entretanto, lembrei-me que, na minha infância, me familiarizara com a varinha de vedor - o meu avô materno era um dos mágicos do lugar que conseguia com uma vara bifurcada de oliveira detetar a presença de água…
De qualquer modo, o tempo da varinha de vedor, creio, que já venceu, pois há, hoje, ferramentas de deteção mais fiáveis. O mesmo não terá acontecido com a varinha de condão ou com a varinha mágica. Basta entrar na secção de brinquedos de uma grande superfície comercial para a ver um pouco por todo o lado… 
Pensava eu que bastava ter sido uma criança mais ou menos afortunada para compreender enunciados do tipo:
«A inteligência lembra uma varinha de condão…»
«A mesma varinha, porém, por um uso intenso e persistente, acaba por esvaziar de realidade as coisas…» Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa

Em suma, antes de compreender o paradoxo pessoano, lá terei que regressar a uma infância que não foi minha, e gastar algum tempo a explicar o contributo de Jacinto Prado Coelho para a interpretação da obra de Fernando Pessoa…
Mas como o tempo de atenção é extremamente curto, provavelmente não sairei da loja de brinquedos…