24.11.18

Aquém da ironia

Aquém da ironia, a incontornável realidade distingue a coragem de enfrentar os obstáculos, mesmo que o desfecho possa ser trágico, de quem, apesar de reconhecer a necessidade da luta, prefere o comodismo do sorriso, da sobranceria inteletual…
Vem isto a propósito do quê? 
Da facilidade com que nos refugiamos na ironia, ostentando-a como atestado de superioridade em lugares inundados pela estupidez…
E em rodapé, não posso esquecer que acabámos por preferir Eça de Queirós a Antero de Quental - cultivamos a ironia porque ela nos permite esquecer / esconder a realidade...

23.11.18

Para além da ironia de Álvaro de Campos

«Maravilhosa gente humana que vive como cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!»
Álvaro de Campos, excerto de Ode Triunfal

O Poeta canta o triunfo da vida moderna, fruto da ciência aplicada, do êxodo dos campos, da multiplicação das cidades, da morte da pessoa e, sobretudo, da ilusão tecnológica
O Poeta celebra o mundo novo, todo ele artifício, apoteose da humanidade, mas do qual uma grande parte da espécie humana é escorraçada… uns dias, essa parte é infrahumana, outros, precária, tornando-se larva…
Por isso, é indesculpável que se veja apenas ironia na apologia da vida moderna.

«Ah,e a gente ordinária e suja que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias, 
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto é belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspeto decente nos vãos de casa.»
Álvaro de Campos, excerto de Ode Triunfal

Cem anos depois, o que é que mudou? Talvez, a apropriação momentânea pela religião, pela arte e pela política…

22.11.18

Doravante, só os estilhaços

Doravante, Caruma autonomiza-se do Facebook. Por uma questão de dependência vê-se, no entanto, obrigada a continuar associada ao Google+... 
Se houver quem se interesse por ela, certamente que a encontrará sem qualquer estímulo externo… Caruma nunca quis lançar as bases de qualquer religião, porque, por princípio, não aspira ao divino. Caruma mais não é do que uma tentativa de aproveitamento do que sobra da fragmentação do espelho primordial… surgiu como expressão de quem entende que os estilhaços também podem ganhar vida própria e não como rememoração de qualquer nostalgia matricial…
… quem diz os estilhaços também podia dizer os cacos… 

21.11.18

São réplicas

As velhas existem. Não são ficção nem meninas…
As velhas acreditam, detestam manipansos e nunca lhes explicaram que todos os ícones são manipansos e mesmo que lhes tenham explicado que só a solidão justifica a fé numa qualquer religião - única para elas -, elas preferem colocar-se nas mãos do IGNOTO … e imaginar-lhe um rosto, porque a abstração não se dá bem com os medos que lhes perturbam as horas…
Estas velhas vivem da fé, mas podem desprezar a caridade…  ou praticá-la em benefício próprio se o ato se nutrir da esperança de que o Manipanso as acolhe no seu regaço… 
Se me perguntarem se estas velhas são eternas, eu responderei que sim porque as réplicas, mesmo se meninas, não me deixam mentir…
Se me perguntarem se estas velhas são velhos, eu responderei que isso é ficção.

20.11.18

Sacudir a água do capote

Quando chove, a culpa é da chuva, quando não chove, a culpa é da seca... Quando a terra abate, ninguém assume a culpa - ainda no dia anterior tudo estava  seguro até porque ninguém avisara…
Ninguém avisara nem o autarca perguntara ou decidira ler os relatórios produzidos nas últimas décadas e que já tinham servido ao Governo Central para se descartar de responsabilidades em nome de políticas de descentralização, de modernização e de pretensa democratização…
É assim em todos os pilares do território - da rede viária e ferroviária à educação; da saúde à energia e à agua… 
A chamada delegação de competências é uma farsa demagógica, pois não assegura os necessários recursos financeiros e, em particular, não gera competências locais… somente faz crescer o compadrio e o caciquismo...

19.11.18

Para fugir da obnubilação...

Para fugir da obnubilação, acena apenas! 
Qualquer outra saída pode tornar-se incontrolável nas palavras e nos gestos. Ainda se fosse seguidor de Marinetti, poderia recorrer à bofetada e ao soco e ter futuro, mesmo quando só o Momento importa(va)…
De facto, há momentos em que a obnubilação parece querer tomar conta da situação - a consciência e o pensamento começam a perder nitidez… No entanto, ainda há uma 'voz' que impõe rédea curta, mas até quando?
Um destes dias, restará apenas um patético aceno para não borrar definitivamente a pintura…

18.11.18

Acena apenas!

Se lemos e o dizemos pouco importa. O que pensamos nada acrescenta, mesmo o que sentimos é falso e justo, pois como saber se (não) fingimos…
Talvez por isso o ideal seria ir viver para a encosta e de lá contemplar o vale e acenar a quem passa…
E nada dizer, mesmo que sintamos vontade de explicar, de começar do princípio, da matriz (do latim matrix, - cis) - anula esse ímpeto e acena apenas!
- Foge do Grego e do Latim! Abomina os clássicos! Passeia-te com os românticos e voa, voa com os nefelibatas e não sonhes com os surrealistas! Despreza os modernistas de todos os ismos! Acena apenas, mas bem longe dos pós-modernistas…
- Acena apenas lá da encosta para o vale, acena sem lágrimas nem sorrisos e, sobretudo, sem rimas...