12.2.20

O tojo-arnal de Miguel Torga

Tojo-arnal
Conheço este tojo desde sempre, só não sabia é que esta variedade é arnal.
Não fosse a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães e, sobretudo, a vontade de Miguel Torga de evitar os "equívocos ibéricos", eu esfumar-me-ia na ignorância de que este tojo é arnal... porque cresce na areia...
Por isso, e não só, registo aqui o acerto poético da história concluída há 500 anos, mais dia menos dia, que, ontem, Magalhães foi homenageado com uma "Praça da Circum-Navegação" no Rio de Janeiro, não na areia, mas em frente da praia de Guanabara, na presença de figuras de Estado (?) que frisaram a importância do momento na história entre Portugal e Brasil... E quanto a Espanha?


Fernão de Magalhães

         Fernão de Magalhães da Ibéria toda,
         Alma de tojo arnal sobre uma fraga
         A namorar a terra em corpo inteiro,
         Consciência do fim no fim da boda,
         Fernão de Magalhães que andaste à roda
         De quanto Portugal sonhou primeiro:

         Ter um destino é não caber no berço
         Onde o corpo nasceu.
         É transpor as fronteiras uma a uma
         E morrer sem nenhuma,
         Às lançadas à bruma,
         A cuidar que a ilusão é que venceu.
               Miguel Torga, Poemas Ibéricos


11.2.20

Equívocos ibéricos

500 anos depois



Os equívocos continuam. A celebração da primeira viagem de circum-navegação é ou não conjunta? Em tempos de infodemia (epidemia de informação), escasseiam as notícias da viagem dos navios-escola Sagres e Juan Sebastian Elcano…
Se o objetivo da comemoração for celebrar o início da globalização, torna-se difícil compreender a duplicação da viagem…
Para Fernando Pessoa, Magalhães encerra o projeto sebastianista subscrito pelo Infante: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce / Quis que a terra fosse toda uma / Que o mar unisse, já não separasse./
Continuamos separados, mesmo que diplomaticamente finjamos o contrário. De costas!

9.2.20

Em fevereiro

Em fevereiro, morreu Malaca Casteleiro. Deixou as estações e os meses com letra minúscula… Reduziu os nomes próprios, eliminou consoantes mais ou menos mudas, alterou as regras de hifenização sem, no entanto, lhe eliminar o 'h'. Em nome da simplificação, deixou cair a etimologia, desvitalizando as famílias… 
Não fosse a diversidade do uso da língua, tudo poderia ter sido aceite. Só que a variação linguística não se conforma com a norma e muito menos se ela ignora as suas raízes…
Hoje, a língua de Malaca Casteleiro lembra-me um estaleiro. Pode ser que o empreiteiro possa concluir a obra, mas convém que não descure as fundações em nome de uma internacionalização de matriz colonial. 

7.2.20

As grades de hoje

Os sinais são de viagem…
Os sinais são de comunhão…
Os sinais são de consumo.
No entanto, as grades de hoje sinalizam o acantonamento, o isolamento…  
A nova peste está aí a testar os limites da condição humana. À medida que o vírus alastra, os demónios soltam-se, vorazes…
Entretanto, esperamos que a China se feche sobre si própria, feche à chave o vírus, se desligue de nós. 

6.2.20

O pedinte da Linha Vermelha

O pedinte não tem mais de 30 anos. Tem passe e guarda-costas. Não toma banho, segundo ele, há cinco dias… Digamos que cultiva a imundície como estratégia de persuasão!
Encontro-os diariamente na Linha Vermelha. Entram nas Olaias e saem na estação de metro de Moscavide, sempre pelo elevador… o que, de imediato, afasta os outros utentes, por vezes, de forma acalorada. 
O papel visível do acompanhante, silencioso e, aparentemente, tímido, é segurar a mochila… e correr atrás do parceiro…
O pedinte dirige-se de forma assertiva, olhar ameaçador, a cada um dos passageiros, nativos ou forasteiros pouco importa, exigindo dinheiro para a sopa. Só come sopa, porque sofre de hepatite… Este é o argumento sempre que um passageiro, ciente do esquema, lhe coloca na mão uma sanduíche… 
Estou a pensar em levar-lhe uma sopa num dos próximos dias… 

3.2.20

Desapoquento-me

Desapoquento-me escrevendo, como quem respira melhor sem que a doença haja passado. Bernardo Soares

De momento, são dois os pássaros saltitantes que procuram as sobras da gaivota ou do gaivoto, sabe-se lá…  Eu não sei, nem quero saber.
Ganhei o hábito de lhes dar pão, correspondendo à expectativa da Sammy que, logo que a luz penetra na sala, se coloca de plantão - lembra-me um soldado não forçado!
Agora, que respiro um pouco melhor, preparo-me para regressar ao tempo em que ainda havia provas orais… Quem diria que a nora fecharia o andamento?

2.2.20

Delírio de fevereiro

Fundação C. Gulbenkian
(Reuben Nakian (1897-1986). Satyricon I, 1981)

Com sol, levantado o nevoeiro, desloquei-me à Fundação Calouste Gulbenkian para ouvir os solistas da respetiva orquestra (Ensemble Alorna). Gostei do que ouvi: António Vivaldi (1678-1741 e e György Kurtág (n.1926).
Em particular, deixei-me encantar pelo fagote… de tal modo que, por momentos, cheguei a pensar que este instrumento me poderia aquietar quando a sombra cair…
Entretanto, continuo sem novas de quem me poderia libertar de velhas e cansativas rotinas...