31.7.22

Parecia algodão

 

Como materializar a ideia quando se foge dela? 
Ainda cedo, num banco de jardim, o sentimento de vazio instala-se. A pedinte conhece todos os transeuntos e dá bons conselhos a desconhecidos beberrões,  de copo de cerveja na mão, que desafiam os presunçosos portelenses... Bem regados, procuram a briga que evito com um monossílabo imperceptível...
Continuo a ler 'A Vida e o Sonho', de Maria Judite de Carvalho, numa edição bilingue, que só atrasa a leitura... 
Falta-me  a coragem do sonhador Adérito que prefere  a rotina à mudança, talvez porque lá, no fundo, não passa de um cobarde incapaz de aproveitar as oportunidades que a vida lhe oferecia ...
«Er fühlte sich alt, fürchterlich alt und müde, sehr, sehr müde. Auch sehr traurig.»
Parecia algodão, mas os sonhos parecem não querer nada com a vida. Ou serão as circunstâncias?
Como materializar a ideia quando se foge dela? 

27.7.22

Sem recuo


Por tudo e por nada, somos convidados a avaliar a nossa última experiência... O problema é que frequentemente não sabemos de que entidade se trata.
Se por algum motivo apanhamos a conversa a meio, já só ouvimos classifique de 1 a 10... e se perguntamos 'o quê', a máquina limita-se a enunciar, verbo inadequado à situação,  a repetir 'classifique de 1 a 10...
Infelizmente, a voz humana deixou de estar presente na comunicação ou surge muito tardiamente...
E é assim quando necessitamos das instituições, ou melhor, das entidades. 
A automatização desumaniza, isola.

23.7.22

Do que observo


Apesar de tudo o que se questiona, a realidade é bem mais complexa do que desejamos e, sobretudo, é dinâmica. o que, em muitos casos, traz desorientação e frustração.
Do que observo, sinto que o processo é cumulativo e irreversível para quem não consegue lidar com a mudança social e tecnológica.
Chegámos a um ponto em que a solidão é inultrapassável, porque quando se fica para trás não há palavra que nos demova. 
As promessas vão sendo substituídas e, finalmente, esquecidas...
A palavra já não engrena. Secou.

21.7.22

Os símbolos de massa

«O Inglês vê-se como comandante dum navio, com um pequeno grupo de pessoas a bordo, tendo o mar à sua volta e por debaixo de si.»
«O Holandês teve, primeiro, de ganhar ao mar a terra em que habita. (...) O dique é o princ´pio e o fim da sua vida nacional.»
«O símbolo de massa dos Alemães era o exército. Mas o exército era mais do que o exército: era a floresta em marcha.»
«O símbolo de massa dos Franceses tem uma história recente: é a sua Revolução. (...) A massa, durante séculos vítima da justiça real, aplica ela própria a justiça.»
«Os Suiços têm em comun um símbolo de massa que lhes está diante dos olhos, a toda a hora, e é mais inabalável que o de outro qualquer povo: as montanhas
« Assim como o Inglês se vê como comandante de navio, o Espanhol vê-se como matador. Mas, em vez do mar, que obedece ao comandante, o toureiro possui uma multidão admiradora.»
«A tentativa de impor à Itália um falso símbolo de massa fracassou, para felicidade dos italianos.»
«O êxodo do Egipto - a imagem dessa multidão, que marcha anos e anos, através do deserto, tornou-se o símbolo de massa dos Judeus.

A leitura seguia curiosa e desperta pela pertinência da síntese de Elias Canetti - Massa e Poder: Massa e História - só que não encontro referência a Portugal - 'a nação que terá dado novos mundos ao mundo'...
Pensando um pouco mais, a verdade é que só me vem à ideia 'a arraia miúda' que não terá perdurado, porque, afinal, a Ordem de Cristo não passou de uma matilha elitita que rapidamente foi substituída por outros matilhas incapazes de se transformarem em massa - onda que fosse de ilha em continente em movimento sem limite...
Tal como hoje! Ou será que Canetti nos ignorou deliberadamente?

19.7.22

Se repetida, a lamentação...

A lamentação de pouco serve, se repetida, transforma-se em lamúria... O que me parece estranho é atribuição da responsabilidade aos outros... Se os outros quiserem, o inimigo será destruído. A estratégia não é inocente.
O modelo inspira-se na figura de Cristo. Percorridas as estações, crucificado entre desclassificados, só a lamentação o pode ressuscitar...
Resta saber se o tempo ainda é de prosélitos... Afinal, o espelho já só reflete o contentamento do momento.
Amontoam-se milhões de reflexos felizes, de tal modo que até as tristezas seguem contentes...
  

15.7.22

Ao atravessar uma horta urbana...

 

As hortas que conheci ficavam fora da aldeia e o percurso para lá chegar nem sempre era fácil. Nessa infância distante, esses terrenos eram pasto de assombração...
Relembro a frescura das águas que ia desviando para os diversos canteiros e o som da nora lentamente arrastada pela burra de serviço...
Hoje, atravessei uma horta urbana bem trabalhada e ensoleirada... e já  não havia nora, nem jumento, nem água encanada...
Apenas um horticultor cuidava da sua plantação com desvelo...

Nas imediações, quatro meliantes dedicavam-se a outras artes, o que me fez pensar na assombração demoníaca de outrora...

13.7.22

A esbracejar...

Nos terrenos continua quase tudo por fazer ou, melhor, as autoridades continuam a não dar atenção ao tipo de florestação que desabrocha e cresce â margem de qualquer planificação... Claro que as autoridades sabem multar e condenar, só que não avançam com os recurso humanos e necessários à alteração da paisagem vegetal.
No entanto, nesta época, a matilha da lamentação cresce alimentada pela matilha do voyeurismo. É vê-los a esbracejar nos canais televisivos!