9.4.07

Casos de polícia...

O ministro Mariano Gago justificou, hoje, o seu despacho provisório de encerramenento compulsivo da UnI, baseando-se na actual degradação pedagógica da instituição e pelo facto responsabiliza os proprietários.
E quem são os proprietários? Ninguém sabe!
Extraordinário! O Estado permite o funcionamento de múltiplas instituições de ensino sem conhecer os proprietários e, sobretudo, sem conhecer o respectivo financiamento. O ministro reconhece que estamos perante casos de polícia, cujo desfecho é imprevisível...
Por outro lado, Mariano Gago quer fazer crer que essas instituições - opacas, enredadas em compadrios de longa data ( Estado Novo) - prestaram até há pouco tempo um serviço exemplar. E a atestá-lo apresenta os relatórios das várias equipas de avaliação que apenas descobriram pequenas falhas facilmente superáveis. Esses relatórios jamais registaram qualquer tipo de degradação pedagógica. E porquê?
Porque nessas instituições nunca houve investigação consistente e, sobretudo, a transmissão de conhecimento(?) nunca obedeceu a qualquer princípio pedagógico. O ensino superior (privado e público) detesta a pedagogia, evita a educação. A maior parte dos docentes nunca teve qualquer preparação pedagógica. E quanto a educação, basta ouvi-los falar, basta ler as suas dissertações, as suas teses...
Ao tentar separar o trigo do joio, Mariano Gago enredou-se numa demonstração inconsistente, pois sabe muito bem que, há alguns meses atrás, humilhou o professor Adriano Moreira, porque a avaliação do ensino superior seria inóqua.
Lá no fundo, o Senhor Ministro mostrou, hoje, que a sua grande preocupação é defender o currículo do aluno José Socrates em quem devemos admirar a aplicação, a fome de conhecimento necessários à construção da OBRA.
Um currículo anterior à degradação pedagógica que atingiu a UnI.
Toda esta encenação é mais um caso de polícia. Mas que polícia? Mas que justiça?

8.4.07

A inveja mata a vaidade...

Hoje, domingo de Páscoa, gastei boa parte do dia a elaborar uma matriz para uma prova de equivalência à frequência e/ou de equivalência a exame nacional, e a ler a legislação sobre os exames 2006-2007. Em momentos vários, lembrei a notícia de que o Reitor Arouca terá assinado a certidão de conclusão de curso (o diploma /a carta de curso?) do engenheiro Sócrates a um Domingo.
Perante a chicana criada em torno deste facto (político?), decidi tornar pública a minha prevaricação, pois, neste domingo, lesei o compromisso assumido na pia baptismal há mais de 50 anos. Se tivesse agido em conformidade, teria deixado para melhor momento essa incómoda matriz. É que já não sei a quem servir: se a Deus se a César...
Afinal, tal como eu, o Reitor Arouca, ao despachar ao Domingo, vivia o mesmo dilema: não sabia a quem servir se a Deus se ao futuro querido líder... A não ser que o Reitor Arouca nunca tenha assumido nenhum compromisso na pia baptismal!
Por outro lado, confesso que trabalhar neste domingo (de ressurreição) me deu algum prazer, porque, mesmo que não queira, me sinto solidário com o enxame de assessores do Primeiro Ministro e do Ministro da Ciência e do Ensino Superior que gastaram este santo fim de semana a escarafunchar argumentos capazes de ressuscitar o querido líder.
Viva a Universidade Independente! Abaixo a Ordem dos Engenheiros!
Se não fosse a inveja, o querido líder era hoje Primeiro Engenheiro, ou mesmo Primeiro e Único Arquitecto!
PS: Por onde anda a Ministra da Educação? Será que a ressurreição do querido líder vai devolver-lhe a voz ?

6.4.07

Ao Sul...



Armação de Pêra, 5 de Abril de 2007Fugi da Sombra para o Sol do Sul.
Nestes últimos dias, viajei para o antes do presente (AP). E estive quase simultaneamente em Lapedo (Leiria) e em Silves.
Em primeiro lugar, o escritor João Aguiar obrigou-me a regressar a 1998: tempo, para mim, de mudança – de Mem Martins (Sintra) para a Portela (de Loures / Lisboa) e ainda da Escola Secundária de Santa Maria para a Escola Secundária de Camões; tempo de uma vizinha e orgulhosa EXPO; tempo de (re)iniciação à doença e à morte; tempo, talvez por isso, de ignorância da descoberta das ossadas de uma criança que morreu há 25 000 anos, com a idade de quatro anos e meio – “o menino do Lapedo”.
Essa descoberta, reportada /“ficcionada” por João Aguiar na obra LAPEDO, Uma Criança no Vale (ASA, 2006), parece obrigar à revisão da teoria Out of Africa – o modelo da Origem Africana Recente – que gerara a perniciosa ideia de que a humanidade assentaria na acção do «exterminador implacável», cuja acção primordial teria consistido no genocídio do Homem de Neandertal, na medida em que o Homo sapiens e o Neandertal seriam espécies tão diferentes que a inter-reprodução seria biologicamente impossível.
A investigação pluridisciplinar em torno d “O menino do Lapedo” coloca-nos perante a hipótese da miscigenação entre “arcaico” e “moderno”, Neandertal e Sapiens, destruindo, desse modo, a concepção dominante do homem, em grande parte do século XX.
A obra de João Aguiar, pelo diálogo que estabelece com arqueólogos, antropólogos, físicos, mitólogos, etc., merece ser lida atentamente porque, para leigos, como eu, revela-se uma preciosa fonte de conhecimento.
Em segundo lugar, também voltei a Silves, esse lugar onde o antes do presente (AP) árabe me é mais visível.
As obras de reconstituição do legado árabe continuam no Castelo de Silves, não sei há quantos anos. Torna-se claro que ali existiu uma urbe muito bem organizada, mas, por enquanto, apenas isso…
Na parte restaurada pelo PÓLIS, surgiu, entretanto, uma fonte-jardim em homenagem a IBN Qasi, o governante muçulmano de Silves, com quem D. Afonso Henriques terá «estabelecido uma aliança, estratégica mas possivelmente também espiritual» para proteger os mouros que ficavam sob o seu domínio»…
O interessante é que li estas palavras de João Aguiar, algumas horas depois de ter (re)visitado SILVES.
Em síntese: a ideia da miscigenação está inscrita nos ossos e nas pedras da IBÉRIA! Mas também de todas as partes, ao SUL, por onde ousámos VIAJAR…

Nota de rodapé: No decurso desta viagem ao SUL, CARUMA não deixou de prestar atenção ao Presente. E pelo que tem lido e conhece dos AROUCAS deste país, recomenda ao Engenheiro Sócrates que continue obstinado e não deixe de tomar a cicuta que se impõe nestas circunstâncias. Por muito menos, outros deixaram o poder, esconderam-se num qualquer conselho de administração e o país, como é seu timbre, esqueceu-os.
O PS ainda tem no seu seio um ou outro dirigente capaz de formar um Governo, cuja única regra de governação seja a honestidade.
CARUMA espera, agora, que CAVACO se revele PRESIDENTE. Para isso foi eleito.E não precisa de fazer barulho!
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A reles vaidade mata-nos a cada dia que passa!

30.3.07

De Rafael Bordalo Pinheiro a Cesário Verde...


"Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brasões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Alliance conserva o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia, fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando." Eça de Queirós, Os Maias

A surpresa de Bordalo, retratada no Lazareto de Lisboa (1880), é a mesma de Carlos da Maia (e de Eça) e ambas pressupõem o distanciamento da pátria. O retorno fugaz ou definitivo introduz uma idealização frustrada, apesar da sublimação do sol e das varinas de Cesário.
Hoje, sob a estátua triste de Camões desfila um sem número de automóveis à procura de um alvéolo insalubre e, à superfície, os mesmos vadios adormecem à sombra do vate, mergulhados em sal-azar. As sobrecasacas fugiram do Largo, preferem os gabinetes onde tecem as malhas que nos hão-de estrangular.
Entretanto, sob o Camões, as novíssimas raízes de aço e cimento suportam vaidosas sobrecasacas dúbias...

25.3.07

No Lazareto...

O Rafael Bordalo Pinheiro atirou-me para um impasse: os papagaios voam no ar; os comendadores voam na terra.
Tudo parece de acordo com a regra natural. No entanto, a ideia de ver os comendadores a voar deixa-me inquieto.
É um pouco como aqueles governantes que exigem ter direito à opinião. Sempre pensei que a opinião era um direito dos governados. Estes pronunciam-se, de acordo com as suas expectativas (os seus pre-conceitos), sobre a decisão dos governantes. A opinião é por definição tendenciosa, subjectiva... A opinião é inimiga do governo, gera, em si própria, a anarquia.
Os governantes, tal como os comendadores, não deveriam voar. Só lhes é permitido errar ou acertar. Jamais se deveriam escudar na opinião. Devem ouvi-la para decidir. Mas não devem decidir a favor da opinião.
Aqui, na terra da opinião, sinto-me atirado para o lazareto... se é que ele ainda existe.

17.3.07

O charme descarado dos oligarcas...

Ao passar, hoje, em frente do Hotel Tivoli (Lisboa) tive uma estranha sensação: os mortos das guerras de libertação serviram, apenas, para nutrir os mandarins e os querubins que, despudoradamente, vão vivendo faustosos dias.
Quando minutos mais tarde, revi O Charme Discreto da Burguesia (1972), de Luis Buñuel, lembrei-me novamente dos figurões da Avenida da Liberdade, ao ver a mala diplomática do embaixador de Miranda que transportava 15 kilos de cocaína.
Miranda, república democrática da América Latina, inventada por Buñuel, obrigou-me a pensar noutras repúblicas democráticas, onde o petróleo, os diamantes, as drogas... engordam uma casta predadora que vem fazendo tábua rasa dos princípios que nortearam as guerras de libertação.
Dessas guerras sobra, hoje, o charme descarado dos oligarcas.

15.3.07

Em Sintra, podemos aprender a ler...

Ler pode ser aliciante. E para alguns de nós, é-o certamente. Mas para outros, a resistência é cada vez maior. Procurar uma explicação para esta dificuldade não é original, muitas causas de natureza socio-cultural e, mesmo, psicológica têm sido apontadas. No entanto, o conhecimento deste tipo de causas não resolve o problema, porque este se encontra num plano bem distinto.
Há alguns dias, confrontado com a resistência à leitura de OS Maias, de Eça de Queirós, levei cerca de 80 alunos a Sintra, para que pudessem, in loco, refazer o itinerário de Carlos da Maia e de Cruges. Ora, se o itinerário, na versão de João Rodil, não é muito difícil de percorrer, a leitura do espaço e da memória de Sintra, apesar de palpáveis, é um verdadeiro bico-de-obra. E porquê?
Porque não aprendêmos a ler o espaço físico e o espaço simbólico.
Sintra é uma construção do homem e não uma criatura divina, como é habitual afirmar. Os seus jardins e os seus monumentos são expressão da vontade humana. Ora genuinamente construídos ao gosto medievo, manuelino, neoclássico ou ao gosto romântico. Se o Paço Real foi construído e alargado ao longo de vários séculos e nele podemos aprender a ler a História das perdidas (e não assinaladas) Casas dos Templários, situadas no casco do século XII à intervenção joanina ou manuelina, já o Palácio da Pena, as Quintas do Relógio e da Regaleira são obra revivalista do século XIX e mesmo do início do século XX.
Foram reis, diplomatas (por vezes, estrangeiros) artistas e capitalistas (pouco escrupulosos), seduzidos pelo microclima, pela natureza e pela situação geográfica que desenharam a parte vegetal e monumental mais opulenta de Sintra. E fizeram-no em tempo de romântismo serôdio, marcado pela exarcebação competitiva do EU, do pitoresco, do ecletismo, do sincretismo, em suma de um revivalismo que admite todos os neos-(árabe, mudéjar, gótico, manuelino, barroco, oriental...)
Quando se chega a Sintra, vê-se o todo - a serra, o castelo, os monumentos, o verde, o azul -, mas dificilmente se ouvem as águas, as aves e se respiram os perfumes... É mais fácil saborear as queijadas, os travesseiros!
É como se nos limitássemos a fazer uma leitura global, apressada, definitiva. Ao não olharmos o relevo, deixamos de ver as fontes, as cascatas, as grutas, os fios de água que gota-a-gota escorrem pelas paredes vegetais. Ao não olharmos as árvores, deixamos de lhes saber o nome, a origem, como se o Criador as tivesse plantado ali definitivamente.
É esta ignorância cómoda, que nos impede de ler, de gostar de ler, de que, paradoxalmente, os românticos são os grandes responsáveis ao decidirem abandonar o Émile à sua perspicácia ...
Sintra pode e deve ser mais do que um "episódio romântico". Em Sintra, podemos aprender a ler, rumando contra a corrente.