12.4.10

A caça e a retórica da masculinidade…

«Essas pessoas não sabem o que é o marialvismo. Eu sou um antimiguelista profundo. O marialvismo vem de D. Miguel. (…) Há muita gente profundamente antimarialva que gosta de touros e que gosta de caça. De resto, eu acho que tudo nasceu da caça. Tudo. A começar pela poesia. Tudo nasceu da caça.» (Revista Ler, Abril 2010, pág. 36.)

«Já fora do terreno, apercebi-me de que o tema do marialvismo surge como recurso retórico central em três outros universos discursivos e/ou performativos: no fado, recentemente construído como “forma musical nacional” mas na realidade surgido nas classes populares de Lisboa e apropriado pela aristocracia; na tourada e no mundo tauromáquico; e em discursos de mitologia política sobre a “alma nacional”, em tomo do tema do Sebastianismo e da Saudade.Em todos estes campos, um traço comum: encontram-se par a par dois extremos da hierarquia social: na tourada, a aristocracia dos cavaleiros e a plebe dos forcados; no
fado, a aristocracia boémia atraída pelo exótico e o lumpen proletariado urbano; no saudosismo-sebastianismo, as figuras mitológicas de reis divinamente inspirados lado a lado com uma Nação composta de camponeses. A figura do Marialva, a do fadista, a do rei providencial, a do cavaleiro, são protótipos de masculinidade: compõem-se, mais do que por oposição ao feminino, por oposição a uma “falta” de masculinidade na burguesia, na intelectualidade, na modernidade; e discursam sobre contradições dinâmicas da masculinidade ideal: entre a valentia e o deboche, entre a nobreza e a pulsão dos instintos.»
(Miguel Vale de Almeida, Marialvismo)

O escritor (José Cardoso Pires) define-o mais lapidarmente: o marialva é um indivíduo interessado num tipo de economia e política assentes no irracionalismo. (Miguel Vale de Almeida, Marialvismo)

Por mais que o Escritor pense que é um antimarialva convicto, talvez valha a pena reler e repensar a obra de Manuel Alegre, pois o homem que já tem uma cátedra na Universidade de Pádua  não descura a hipótese de ter outra em Belém.

10.4.10

Sem muralhas…

A muralha do Castelo de Mourão P8100045

Durante séculos, empenhámo-nos em construir muralhas. Criámos um espaço público. A “praça” (a plazza; a ágora) era o centro da vida pública. Ricos e pobres, descíamos ao “centro” e partilhávamos o que queríamos tornar público. Lá, tomávamos conhecimento do que se passava no mundo.

Do outro lado da muralha, residia o privado, individual e institucional. Indivíduos e instituições apregoavam o direito à vida privada, à intimidade, ao sigilo, à confidencialidade, ao segredo de estado.

Hoje, a muralha abriu uma fenda de tal ordem que nem os indivíduos nem as as instituições resistirão à voracidade da rua.

A Igreja começa a ver na rua aquilo que tanto trabalho deu a preservar. O Estado é pasto da arraia-miúda. A Escola, ao querer sair à rua, acabará por sacrificar os pilares que a suportavam.

8.4.10

Borras…

Infelizmente, nem tudo é plano, circular e colorido. Vergado pelo odor das borras de azeite, tento dar mais um passo em frente, sabendo que a felicidade não passa de uma faúlha. Há odores capazes de destruir a luminosidade do fio translúcido do azeite.

6.4.10

O ensino das línguas estrangeiras

Dados publicados pelo diário i, no dia 5 de Abril de 2010:
3º Ciclo Secundário
Inglês 288294 120257
Francês 228095 15171
Espanhol 37607 14450
Alemão 1712 2528
Ao compararmos os dados do 3º ciclo com os do secundário, vemos que, para além do elevado número de alunos que não continuaram os estudos, a aposta numa segunda língua estrangeira é diminuta. O estudo do alemão é residual e a queda do francês é inexplicável. Entretanto, o espanhol prepara-se para se tornar na segunda língua estrangeira.
Deste modo, de pouco serve falar da internacionalização da economia ou na aposta na qualificação dos recursos humanos. De facto, a diversificação dos mercados e dos nichos de ciência e de cultura deveriam obrigar-nos a uma política do ensino das línguas estrangeiras totalmente diferente da actual.
Sem retirar importância à aprendizagem do inglês, convém relembrar que esta é a língua da globalização. Ora um país pequeno só poderá sobreviver à hegemonia da cultura anglo-saxónica se conseguir penetrar em universos linguísticos e culturais diferenciados. O futuro da própria emigração passa pelo domínio do maior número possível de línguas estrangeiras.
Curiosamente, a forte imigração que ainda se faz sentir em Portugal deveria motivar-nos a aprender as línguas desses “estrangeiros”. Todavia, tal como fizemos no período colonial em que rejeitámos as línguas dos “nativos”, continuamos a pensar que os imigrantes é que devem aprender a língua portuguesa.
Em Portugal, quem é que define a política do ensino das línguas estrangeiras?

4.4.10

No cante, o miúdo aprende a construir a muralha…

 O Aqueduto, o verdadeiro, vê passar a sua réplica e, impávido, procura outros horizontes, talvez, saídos do cante alentejano.  O cante movimenta-se como muralha dando voz à alma colectiva.  

3.4.10

O miúdo que pregava pregos numa tábua...

Em Serpa, li, em poucas horas, a última novela de Manuel Alegre. Por aqui ainda não encontrei o “miúdo” a não ser nas páginas dos jornais. E dificilmente o encontrarei, pois o autor reconhece «eu sou eu mesmo a história e as personagens». Ora Serpa é terra que, em vez de ter riscado a Ode Marítima, prefere rasurar o EU.
Do ponto de vista do género, este livro da vida parece-me uma daquelas novelas em que as personagens mais não são que a circunstância do herói. Ou será do anti-herói? O miúdo lembra-me o pícaro do Fernão Mendes Pinto! No entanto, não creio que o autor queira ir tão longe.
De certo modo, por entre considerações felizes sobre a descoberta e aprendizagem do ritmo da vida e da palavra poética (da escrita), há um «chegar-se à frente» que incomoda. Os protagonistas da obra, sobretudo, em prosa, lembram-me aqueles putos, algo machistas, marialvas e narcisistas, sempre à espreita para responderem perante o espelho: pronto, presente
Para quem já leu grande parte da obra de Manuel Alegre, «O Miúdo Que Pregava Pregos Numa Tábua” repete a maioria das obsessões do autor, e insiste num retrato confessional do EU, herdeiro do bom selvagem, capaz de resistir à maldade social, e de reconstruir a memória, quase sempre, em seu favor.
Afinal, todo o herói acaba, um dia, por falhar ou acertar o tiro quando menos lhe convém. 
PS: De qualquer modo, recomendo a leitura desta novela a todos aqueles que ainda não perceberam o que é a literatura

2.4.10

O Museu do Relógio em Serpa…

      Serpa é uma encruzilhada de memórias (de tempos). E para quem negligencie a passagem das horas, nada melhor que entrar no Museu do Relógio de António Tavares D’Almeida. Este museu, privado, é único na Península Ibérica e abriga 1800 peças. Algumas são únicas e capazes de nos recordar como os poderosos queriam marcar a megalomania do respectivo tempo.