21.2.15

Passemos à frente

Boiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Boiam como folhas mortas
à tona de águas paradas.
(..)
Fernando Pessoa 

Caruma já se ocupou várias vezes da COMPARAÇÃO, explicitando que ela exige dois termos. E sobretudo que o segundo termo é concreto (arrancado à vivência do autor), visando explicitar uma realidade não palpável, abstrata.

Comparações: Meus pensamentos de mágoa / boiam /como as algas // boiam como folhas mortas /... 

Inacreditavelmente, muitos alunos do 12º ano confundem a comparação com a metáfora, embora não saibam explicar a analogia mental que suporta a segunda. 
Afinal, o que será uma analogia? Será o mesmo que uma comparação? 

Por outro lado, na sequência / Meus pensamentos de mágoa, / Como, no sono dos ventos /As algas, cabelos lentos..., muitos alunos do 12º ano ignoram a VÍRGULA... concluindo que «no sono dos ventos» é o 2º termo da comparação. 
Afinal, qual é a função da vírgula?

Ler Fernando Pessoa exige particular atenção à construção sintática de matriz latina, num tempo em que o Latim foi desprezado. Segundo a orientação didática em uso nas nossas Casas de Letras, o melhor é passar à frente: o importante é procurar a "permeabilidade" entre os textos (versão eufemística da intertextualidade), desvalorizando a interpretação, reservada a hermenêutas.

20.2.15

Dá pena!

Chegam atrasados e sentam-se como se nada estivesse a acontecer. Dois dedos de conversa à direita e à esquerda... e sorriem ou, em alternativa, adormecem. 
Dá pena vê-los assim ora tão desempoeirados ora tão anestesiados. Quando interpelados, mostram-se seguros das suas convicções, chegando, por vezes, a levantar a voz...
(..)
A causa primeira reside na falta de objetivos bem definidos e calendarizados. Como explicação, confessam que ainda não descobriram a vocação. Mas, na verdade, a única vocação que lhes descubro é a da vida fácil... tão fácil que nem o "carpe diem" de Ricardo Reis lhes desperta especial atenção.

19.2.15

Ler Fernando Pessoa

O vento sopra agreste e eu sinto o frio, o que me permite pensar que, apesar do sol ser fonte de calor, circunstâncias há em que devemos, a todo o custo, evitar os passeios sombrios...pois o meu pensamento é totalmente ineficaz se os meus sentidos estiverem desativados.
Esta parece ser uma ideia simples que não autoriza qualquer dissociação do Sentir e do Pensar, ao contrário do que defendem muitos leitores de Fernando Pessoa.
Na verdade, Fernando Pessoa limitou-se a condenar todos aqueles que viviam de ideias que não tinham origem nos sentidos. Ideias mistificadoras e que traziam infelicidade, desnaturalizavam e descorporizavam cada ser humano - já que a humanidade não passa de um mito simplista, mas demolidor.
Cada heterónimo é expressão de um pensamento enraizado em sensações, mesmo que hipoteticamente excessivas ou demasiado ensimesmadas...
Ler Fernando Pessoa é, antes de mais, evitar os passeios sombrios...

18.2.15

As palavras soltam-se...

As palavras soltam-se e arrastam consigo mil e uma histórias. Na maioria dos casos, não há evento, há apenas a necessidade de ligar palavras, cores, objetos, reminiscências, memórias reinventadas. Claro que Alice acredita que se trata de recordações e, nessa matéria, ninguém a pode contrariar. 
E para quê contrariá-la? O passado é uma fonte inesgotável e, apesar de tudo, agradável se comparado com o presente.
No presente, os demónios soltam-se em línguas de fogo, prontos a imolar todo aquele que defenda uma ideia diferente, todo aquele que ouse replicar...
A réplica só traz fúria. Uma fúria antiquíssima!
Quanto às histórias de Alice, é pena que ela não as passe ao papel. Seriam divertidas e fariam bem à saúde...

17.2.15

O pelourinho de Kierkegaard

 Um pelourinho mesmo por cima dum fontanário! 
Aqui, nada se perde. Neste cenário, o exposto podia ser supliciado, deixando-o morrer à sede. Ou, em alternativa, o sangue do supliciado poderia cair diretamente na fonte, servindo de alimento aos filhos da noite.
Pena é que, com tantos vampiros à solta por esta austera Europa, o pelourinho mais não sirva do que para alvo fotográfico!
(…) Entretanto, acabei de ler O Banquete, de Kierkegaard, e se bem o compreendi, deveria tê-lo lido aos vinte anos.
Já lá vai o tempo em que fui “mancebo”. Também nunca entendi a mulher como “facécia”, e embora pudesse ter acompanhado o pensamento do Eremita, tenho dificuldade em aceitar a opção da mulher-escrava. Para alfaiate-eunuco nunca tive queda, sobretudo para aceitar a tirania da moda. Finalmente, o imperativo categórico do Sedutor pode ser aliciante, mas acaba por se tornar ridículo com a idade… e porque, para além de tudo o mais, reduz a mulher à categoria de “objeto”… 

16.2.15

Em Óbidos…



Em Óbidos, tudo pode acontecer: turismo rural junto ao Castelo e, sobretudo, a Igreja de Santiago transformada em Livraria! Pode ser que resulte, mas o culto do sagrado já teve melhores dias. Tal como eu: entrei e nada comprei!

A vila está apelativa, só que os turistas andam tesos e apressados. Ou será ilusão minha?

15.2.15

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval é como mergulhar numa romaria medieval...
À entrada do burgo, os autocarros libertam centenas de romeiros, sequiosos de ginja, e que fazem da rua Direita a sua via sacra... Sorumbáticos, avançam e só sorriem quando se cruzam com alguma marafona. Na verdade, têm o tempo contado: a vida a sério está prometida mais para Sul. E antes de chegar a Torres Vedras, é necessário dar conta das marmitas e dos garrafões, condição necessária para esquecer as mágoas e libertar as grilhetas da seriedade...
Para trás, fica outro tempo: o tempo de outrora que é possível reencontrar no Museu - um tempo renascentista e maneirista, demasiado sagrado para a quadra carnavalesca...
Talvez na Páscoa, alguns dos romeiros entrem no Museu de Óbidos! A entrada é gratuita. Pode ser que, nessa altura, ofereçam uma ginjinha...
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