14.8.15

Não é que eu sofra de qualquer fobia

Durante o Estado Novo, havia quem preferisse os gatos aos cães. Atualmente, todos estes bichinhos passaram a animais de estimação, dependendo apenas dos caprichos do Senhor Coelho - nuns dias são sobrestimados; noutros, abandonados...
Eu próprio, vítima do Senhor Coelho, vejo que na gaiola já só tenho dois mandarins, mais ou menos tontos, que passam os dias a responder a todos os estímulos sonoros - parece-me que entoam uma espécie de rap, característico de mentes suicidas, pelo menos em zonas de fronteira. Por exemplo, entre o México e os Estados Unidos, no território das maquiladoras*...
(...)
Não é que eu sofra de uma qualquer fobia, nem sequer da mais genuína, a sacrofobia, o que me trouxe a esta linha tortuosa foi uma outra questão: saber se a telepatia é ou não anterior à comunicação verbal. Convém explicar que a telepatia a que me estou a referir é desconhecida do homem ou talvez o homem se tenha esquecido dessa forma de comunicação - mental - típica dos outros animais, dos minerais e dos vegetais: a imagem seria a matéria primordial e propagar-se-ia sem necessidade de recorrer a símbolos, a signos e qualquer tipo de palavra babélica.
(...) 
Para ser mais claro, esta matéria primordial nada tem a ver com qualquer outdoor, selfie ou até reflexo aquoso, tudo manchas narcísicas da ignomínia que nos governa ou nos quer governar... 
(...)
Finalmente, a outra questão que aqui poderia trazer já não interessa a ninguém, mas fica registada: a arbitrariedade de quem classifica e reaprecia provas de exame nacional - uma aluna brilhante viu baixar a média em dois valores, sem qualquer justificação escrita. Quando se ganha ou se perde, bom seria que os fundamentos fossem consultáveis...

*Maquiladoras (also known as "twin plants") are manufacturing plants in Mexico with the parent company's administration facility in the United States. Maquiladoras allow companies to capitalize on the less expensive labor force in Mexico and also receive the benefits of doing business in the United States. Companies operating in the United States can send equipment, supplies, machinery, raw materials, and other assets to their plants in Mexico for assembly or processing without paying import duties. The finished product can then be exported back to the United States or to a third country.
http://www.sandiego.gov/economic-development/sandiego/trade/mexico/maquiladoras.shtml


13.8.15

Albarde-se o burro à vontade do dono

Albarde-se o burro à vontade do dono.

Um provérbio português, de tipo filosófico...
Uma forma simples, na perspectiva sensata de André Jolles. Paradoxalmente, o livro anda perdido nas estantes, também elas cada vez mais longe da vista. De tal modo que já pensei em vendê-las... para não incomodar...
Também não tenho dúvida: o provérbio é uma forma simples tal como o mito. O que isto significa para mim, é que estas formas guardam, em poucas palavras, uma sabedoria ancestral... ao contrário das formas complexas, como o  romance, que podem ter centenas de páginas a tentarem albardar o burro sem o conseguirem...
O que me preocupa na definição é que este provérbio possa ser do tipo filosófico, porque, na verdade, essa vertente filosófica surge-me como anátema (maldição), isto é, como expressão de resignação...

Curiosamente, na letra do provérbio, nada é dito sobre o burro, apesar de sofrer a ação de um sujeito indeterminado, que até posso ser eu(?)... E tudo é dito sobre o dono: tem vontade, poder - o poder de mandar fazer, a não ser que o dono seja o sujeito indeterminado...

No caso que me conduziu a esta reflexão, posso assegurar que não vou revelar o nome do dono, mas ele bem merecia, e que o sujeito é determinado, albardando-se a si próprio. E eu, resignado, lá vou caminhando página a página...  



12.8.15

Dúvida inesperada

«Woody Allen é do (Ku Klux) Klan? É, confirmou Khalil, repara nos filmes dele, já viste lá algum mano? Não, não vi muitos, disse Fafe. Nenhum, disse Khalil.»  Roberto Bolaño, 2666, Parte III, pág. 340.

Sempre vi Woody Allen como um judeu com um aprimorado sentido do ridículo. Capaz de nos fazer rir dos mitos burgueses ocidentais, este realizador vê a sua obra ser melhor acolhida na Europa do que nos Estados Unidos e tal facto sempre me deixou perplexo. Chega a parecer que os psicodramas, tantas vezes encenados, são uma excrescência para os americanos, à exceção dos das trepidantes metrópoles multiculturais dominadas pela grande finança...

Hoje, porém, invadido pela acusação da Irmandade de Maomé, dou comigo a desconfiar das leituras que vou fazendo, apesar de uma das personagens de 2666 - Barry Seaman - me devolver o sossego:

«Ler é como pensar, como rezar, como falar com um amigo, como expor as nossas ideias, como ouvir as ideias dos outros, como ouvir música (sim, sim), como contemplar uma paisagem, como sair para dar um passeio na praia.» op. cit., pág. 299.

11.8.15

Esta manhã no restaurante O Tabuleiro...

Esta manhã, no restaurante O TABULEIRO, fui interpelado: - «Então, ontem, o senhor não escreveu nada? Não deu notícia de nada?»
Até hoje, ninguém se tinha queixado! Desculpei-me como pude: na verdade, as notícias que poderia ter registado já são antigas, apesar de se repetirem diariamente. Aproveitei para informar o meu interlocutor (o senhor Eduardo) de que ando a ler um livro que esgota a minha atenção, um livro de difícil manuseamento (pesa 1300 gramas!), um livro sobre a geografia da terra e dos comportamentos humanos - alemães, espanhóis, mexicanos, americanos (USA), chilenos... de ditadores e de acólitos e, finalmente, das suas vítimas; um livro cru e cruel, um livro que ainda não entendi como foi possível escrevê-lo em tão pouco tempo, sob o cutelo da morte iminente...

Para que se entenda que escrever pode ser um caminho tortuoso, Da PARTE DE ALMAFITANO, transcrevo:

«Bom, disse o jovem Guerra, se quer saber mesmo o que penso, eu não acredito que seja verdade. As pessoas veem o que querem ver e o que as pessoas querem ver nunca corresponde à realidade. As pessoas são cobardes até ao último alento. Digo-lhe isto confidencialmente: o ser humano, falando grosso modo, é a coisa que existe mais parecida com uma ratazana
                                                                                                             Roberto Bolaño, 2666
 

9.8.15

Arrumar

Em tempo de arrumações, acabo de encontrar uma foto que me faz lembrar como tudo é volátil...
O portátil, que me permitia continuar a trabalhar ligado ao mundo, ainda existe, mas cada vez mais bloqueado pelo lixo das atualizações quase diárias. Os óculos já foram substituídos, mas o efeito é o mesmo - sempre que escrevo ou leio, ponho-os de parte.
O resto esfumou-se ou, para não ser tão pessimista, transformou-se.
(...)
Arrumar é uma tarefa titânica em que se desarruma para posteriormente apagar, como se diz na linguagem informática. 
De facto, é o que tenho andado a fazer - a apagar. Em alternativa, já pensei em abrir uma loja de venda de tralha... Talvez, desse modo ainda sobrasse alguma coisa que pudesse ser útil aos outros...
(...)
Arrumar é também não querer incomodar sob o pretexto de que fizemos alguma coisa de útil nesta vida. Como tal, o melhor seria tudo apagar... 


7.8.15

Água, enquanto espero...

Enquanto espero pelo avião, começo por descobrir que parte da água que consumi, em Porto Santo, era dessalinizada. (Há sempre um taxista capaz de explicar a nossa ignorância!) Por outro lado, a internet assegura-me que este tipo de água faz bem à saúde até de quem sofre de alzheimer... Na perspetiva do mesmo taxista, o melhor é comprar água do Pingo Doce com origem no Continente do que deslocar-se às fontes da ilha. É mais barato!
Por outro lado, se em Porto Santo chove pouco, terei que cá voltar mais vezes, pois este fim de tarde foi bafejado por copiosa chuva.
Chuva e vento no aeroporto, de tal modo que desconfio que o Calatrava também desenhou estas instalações...
Enfim, enquanto continuo retido, vou relendo A Europa dos Cidadãos, de Maurice Duverger, obra publicada em 1994, sob o título EUROPE DES HOMMES...
Até parece que me vou tornar num homem político! Pensamento típico de um ilhéu...

6.8.15

Amanhã

Amanhã, a hora de saída do hotel termina ao meio-dia,  porém a partida do aeroporto de Porto Santo é às 23 e 55... 
Nesta terra, onde raramente chove, parece que a chuva vai surpreender os portossantenses e os forateiros, como eu... 
De acordo com a pesquisa efetuada, o aeroporto pouco oferece aos viajantes, como tal é preciso ter alguma imaginação para ocupar o tempo, sem falar da necessidade de encontrar um lugar para guardar as malas...
E claro vai ser necessário recorrer aos táxis, pois, quanto a transportes públicos, ainda não percebi se existem... Descobri, no entanto, que na ilha há um condutor mais ou menos omnipresente, taciturno, mas simpático.
O lugar oferece um clima apetecível, águas quentes, praias extensas, apesar de rochosas nalgumas zonas.  Quanto à organização, Porto Santo parece entregue aos empreendimentos turísticos e a alguns empreendedores privados que beneficiarão da proteção laranja... A proteção é extensiva! (Por agora, só ficam de fora as rolas..., consta que, em tempos, a moléstia terá acabado com os coelhos, mas deve ser engano...)
Finalmente, dado não desprezível, a imprensa do Continente só chega a Porto Santo a desoras. Por exemplo, a revista VISÃO só chegará amanhã, 6ª feira, depois das 18 horas.