1.11.15

Sorrio

«O Sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário.» José Saramago, Deste Mundo e do Outro, O sorriso, pág. 228, Caminho, 1999.

Cansado dos dias, taciturno por fatalidade, só a espaços sorrio. No tempo de sobra, recorro à ironia e até à paciência, que é, em mim, uma forma dolorosa de resignação tão antiga como a vida, embora saiba que a paciência e a ironia são máscaras da revolta calada...
(...) 
Ontem, sorri quando, pouco antes da meia-noite, recebi um email de um ex-aluno preocupado, porque tudo o que escrevo se situa nos antípodas das suas convicções.  E, de certo modo, ainda continuo a sorrir, porque parece haver quem se interrogue sobre o absurdo do meu pensamento...
Ora, na minha perspectiva, só sorri quem é capaz de estar atento a tudo o que é contrário à razão, porque esta, por estes adias, anda muito acomodada...
(...)
Amanhã, espero voltar a sorrir. De forma espontânea...

31.10.15

Da legitimidade


«A legitimidade, seja como instituto jurídico ou como um fenômeno social, não é qualidade do sujeito, porém, mais propriamente, de sua atuação.» http://jus.com.br/artigos/19278/o-conceito-de-legitimidade

No jogo democrático, os partidos de esquerda podem inviabilizar o Governo da Coligação de direita. O quadro constitucional permite tal decisão, e o Governo indigitado só pode aceitar, já que Passos não foi capaz de estender a mão ao PS, ainda antes das eleições...

A questão da legitimidade da esquerda vai colocar-se no dia em que esta formar governo e apresentar e aprovar o programa e o orçamento. 
A legitimidade será posta à prova no dia seguinte. A atuação do Governo de esquerda, para se legitimar aos olhos dos portugueses, precisa de ser consistente e cumprir rigorosamente o programa e o orçamento que tiverem sido aprovados. 

Qualquer incumprimento condenará esta nova esquerda à perda da legitimidade por longo tempo... Os portugueses já mostraram que gostam de gente cumpridora...

30.10.15

O homem que quis ser rajá

Julião Quintinha, em Novela Africana (1933), reúne várias estórias, designadamente Como se faz um colonial, mas aquela que, pela sua atualidade, desperta mais a minha atenção é O homem que quis ser rajá
Para um melhor conhecimento da vida e obra de Julião Quintinha, recomendo a consulta de: http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/2497.html 

Neste blogue é feito o elogio da estória A paixão da «balanta», mas nada é dito sobre O homem que quis ser rajá
Ao ler essa estória, não pude deixar de pensar em certas personagens que nos infernizam os dias. 
Lembrei-me, por exemplo, de Duarte Lima, embora o excêntrico protagonista - Sérgio - fugisse da violência e, sobretudo, pensei em Sócrates que faria bem em verificar se, afinal, o seu verdadeiro objetivo não é ser rajá. 
A verdade é que as extravagâncias de Sérgio levaram-no à cadeia por se ter deixado conduzir por um conceito de vida totalmente irrealista, acabando, no entanto,  como um homem de tal modo rico que podia dar-se ao luxo de produzir e realizar um filme sobre "o homem que quis ser rajá"- sobre si próprio.
(...)
O facto de ter escolhido Duarte Lima e Sócrates como exemplos de homens que sonham ser rajás, não significa que eles sejam casos singulares...

Nota: rajá - rei ou príncipe indiano. Claro que Julião Quintinha lera Pierre Loti e Eça de Queirós. Temática: Orientalismo. Entretanto, o grande Rajá do reino de Portugal deu posse ao XX Governo constitucional, chefiado por um certo Passos... 

29.10.15

A seleção é de Mário Cesariny

A seleção é de Mário Cesariny, mas o aforismo é de Teixeira de Pascoaes:

«Lá em cima, o sonho dos poetas, as atitudes sublimes d' uma Raça, a luz astral; - cá em baixo, a ação criminosa dos políticos, lama e sangue.» Teixeira de Pascoaes, Aforismos, pág. 20, Assírio & Alvim, 1998

Desculpemos a Raça, e tudo faz sentido: os políticos e respetivas famílias enriquecem tão subitamente que o melhor seria entregar o poder aos inocentes.

O problema é que «a inocência é a aurora do crimeIbidem, pág. 22.

28.10.15

A austeridade e as unidades de gestão

(Confrange que haja cada vez mais pesos e mais medidas. A burocracia só é vencida quando alguém descobre que tem alguma coisa a ganhar.)

Uma das formas de impor a austeridade é entregar a burocratas a gestão dos serviços. Ora estes burocratas são, na maior parte,  dos casos formados nas faculdades de gestão, de administração, de economia, sem esquecer os que cursaram direito, relações internacionais, partidárias e sindicais... E até há burocratas formados em teologia!

O cidadão é simpaticamente informado que dentro de 270 dias será operado e qualquer esclarecimento deverá ser solicitado à Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia (UHGIC)...
Em regra, acontece que o cidadão, graças à austeridade, já só consegue o diagnóstico em estado avançado da doença. Por momentos, sente-se, apesar de tudo, feliz: vai ser operado... 
Só que um mês mais tarde, recebe a cartinha a informá-lo que, caso ainda esteja vivo, será operado num prazo de 270 dias... 

Muito eu gostaria de saber quantas Unidades de Gestão foram plantadas neste inefável país!

27.10.15

Dois Papas

Ouvi dizer que na próxima 6ª feira, ao meio-dia, o Presidente vai dar posse a um novo governo cuja sentença de morte já foi proferida. Entretanto, o Presidente partiu para Itália, porque há que honrar os compromissos com os outros, que não com os Portugueses...

Só num país falido é que tal desperdício é possível! 

Consta, também, que são criados dois novos ministérios e que há indivíduos que aceitam tomar posse só para fazer currículo... Há, no entanto, quem afirme que o fazem por "amor pátrio"... Eu nem sabia que tal tipo de amor ainda existia!

Por outro lado, parece que o Governo, que há de suceder a este que não sabe se o próximo ato será de núpcias ou de trasladação, está a ser forjado em torno da ideia peregrina de que os compromissos são para respeitar.

Desde quando é que os Governos respeitam os compromissos?

Parece que estamos como na Idade Média! De um lado, o Papa de Roma; do outro, o de Avinhão! 
À época, quem saiu a ganhar foi D. Pedro I, amicíssimo da arraia-miúda... 

26.10.15

Origem obscura

Não sei se ainda é hábito consultar o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, num tempo em que a matriz da língua anda pela rua da amargura, eu, contudo, acabo de espreitar a origem de "caruma": origem obscura.
Conformado com a obscuridade da génese, entendo melhor o destino da caruma: arder em lume mais ou menos brando, até se extinguir definitivamente.
Por um tempo, quando as pinhas se abrigavam sob as agulhas, a caruma ainda se imaginou pinheiro capaz de suster as areias, inibindo o oceano de avançar,  mas esse sol foi de pouca dura e o suficiente para a derrubar...
(...)
Estou aqui a ordenar livros, abro-os, limpo-lhes o pó, registo-os, chego mesmo a interromper a tarefa para deles ler alguns parágrafos, verbetes, porém sinto-os vazios, ignorados, derrubados... 
Não posso deixar de pensar se eles, em certos dias, não se terão imaginado pinheiros ao sol, capazes de suster o avanço da estupidez... E tenho pena deles, pois temo que não tenham futuro, a não ser o da caruma...