17.10.16

O gesto absurdo

É quase noite! Ou melhor, a luz solar vai diminuindo... de súbito, quando decidira verificar se a luz artificial se anunciava, a persiana baixou, indiferente ao desejo, absurdo.
Segundos antes, pensara que aos leitores só interessam as primeiras palavras, e não querendo ceder à gulodice, caio na dúvida se o sentido ainda existe, absurdo.
Nesse intervalo, relembro o gesto, absurdo, em plena rotunda do relógio - abro a porta, verifico se o cinto ficara preso, ou talvez a aba do casaco, azul às riscas, vinte anos, vestido pela primeira vez na defesa de uma leitura imagológica, absurda como o tempo se encarregou de provar... afinal, a senhora, a mando do marido, queria saber para que lado ficava o aeroporto.
Do outro lado da rotunda, ainda avistei uma interminável fila de taxistas da semana anterior, absurda - só eu é que a via; o casal não queria saber da luta, só queria as chegadas ou, melhor ainda, as partidas...
Se a alvorada fosse minha, teria partido em vez de ficar a pensar no gesto absurdo, pois o que a senhora queria de mim era que eu baixasse o vidro naquele semáforo que, entretanto, passara a verde, indiferente ao casaco absurdo que um dia fora comprado para celebrar uma iniciação absurda...
Se o leitor chegasse ao absurdo do dia que anoitece, cerraria as pálpebras e, no absurdo, ficaria até que o semáforo se esfumasse.  

16.10.16

Costureira, me confesso

Se cada ano fosse apenas um dia, estaria, hoje, a iniciar o sexagésimo segundo dia - um trilho cuja duração não parece ter sido definida à partida, isto contrariando o Diderot, para quem tudo estado está escrito "lá-haut, dans le grand rouleau"... Claro que este dia incluiria a noite, a grande mistificadora...
Às voltas com um PC que, a cada passo, interrompe a elaboração de um qualquer teste, porque lhe apetece ou porque entende que eu, hoje, deveria entrar em modo de pausa... concentro-me numa afirmação, para mim, inesperada de Claude Lévi-Strauss e relembro o Sartre e, em particular, o Vergílio Ferreira:

«Quanto à corrente de pensamento que iria expandir-se com o existencialismo, parecia-me que representava o contrário de uma reflexão válida em virtude da complacência que demonstrava relativamente às ilusões da subjetividade. Essa promoção das preocupações pessoais à dignidade de problemas filosóficos implica um risco de desembocar numa espécie de metafísica para costureiras...»
                             Claude Lévi-Strauss, Os Tristes Trópicos.

A verdade é que, não sendo capaz de formular um problema filosófico em que eu não participe, me vejo, ao sexagésimo segundo dia, incapaz de vislumbrar o fim do trilho, caindo, assim, numa abordagem própria de uma exemplar costureira que só dá a obra por terminada quando o fio se quebra...

15.10.16

Até amanhã!

Depois da estranheza do prémio nobel de literatura atribuído a Bob Dylan, da morte de José Lello, da apresentação do orçamento recheado de "toma e tira" para que o poder não lhes fuja... exposição de orquídeas na Estufa Fria (só até amanhã!), e assim como quem não quer saber do que se está a  passar em Alepo, uma hora e quarenta e seis minutos na Sala Manoel de Oliveira - 17ª Festa do Cinema Francês - também só até amanhã!
"Les Malheurs de Sophie" (ou Les Désastres de Sophie?), uma comédia dramática, por vezes hilariante, mas um pouco violenta para crianças de seis ou sete anos. Bien sûr, a culpa é da madrasta! Eu acabei por sair cansado...
Até amanhã!

14.10.16

O 'menino de ouro' está mais pobre

José Lello, o socialista amigo
 «Em 1979 fui candidato à Assembleia, mas não quis ser deputado...» Porquê? « Ganhava-se mal. 48 contos ou isso. Eu tinha comprado casa, estava a ganhar dinheiro no privado.»
(...)
«Sempre estive nas minorias, mas nem por isso deixei de ter cargos relevantes. Mas é nessa altura, estava o Ferro na liderança, que começamos a fazer a campanha do Sócrates. E ele não queria; era do secretariado do Ferro... Estamos na altura do Durão Barroso, fazíamos uns jantares, começou-se a colocar coisas na imprensa... E ele ficava furioso, achava que era uma coisa indelicada. Mas nós não tínhamos nada a ver com isso, éramos claramente contra o Ferro.» 
(...)
«Era um grupo forte e onde estava o Serrasqueiro, o Renato Sampaio. O Costa também vinha aos nossos jantares. O Pina Moura. Foi aí que surgiu o "menino de ouro"... E, de repente, o Santana cai e o Ferro demite-se. (...) E pronto, ele apareceu, nós já tínhamos feito o levantamento das federações todas - é assim que se trata da mercearia partidária. E ele ganhou claramente as eleições
        (Transcrições da entrevista dada por José Lello ao jornal i, 19 de setembro de 2015)

Em 19.09.2015, postei, neste blogue, um pequeno comentário sobre "o socialista amigo". Acabo de saber que faleceu, o que confirma que, em questões de vida e de morte, a mercearia partidária nada pode. Paz à sua alma!
Entretanto, logo, pela manhã, ouvi na rádio que o 'menino de ouro' vai publicar novo livro, baseado na 'sua' dissertação de doutoramento sobre o CARISMA.
Na dúvida, fui consultar o Médio Dicionário Aurélio que transcrevo:

 Carisma. S.m. 1. Força divina conferida a uma pessoa mas em vista da necessidade ou utilidade da comunidade religiosa. 2. Epilepsia (v. carismático*). 3. Atribuição a outrem de qualidades especiais de liderança, derivadas de sanção divina, mágica, diabólica, ou apenas de individualidade excecional. 4. O conjunto dessas qualidades.

* Outrora, se um condenado à morte sofria um ataque epilético, recebia o perdão, por acreditar-se ter sido visitado pela graça divina. 

Em síntese, o "menino de ouro" está mais pobre, porque partiu um dos amigos que mais contribuiu para que o engenheiro acreditasse que era fruto de sanção divina, no caso, redentora... ou que tinha sido escolhido pelo Supremo Arquiteto para tal missão...

13.10.16

Não vou louvar nem deplorar

O Bob Dylan ganha o Prémio Nobel da Literatura! Pois é, não vou louvar nem deplorar. É um pouco tarde para o fazer...
Registo. Para mim, é quanto basta!
A Literatura é uma casa muita antiga que, de verdade, abarca quase tudo. E no início, as palavras preenchiam os ritmos e davam voz ao que os corpos não conseguiam expressar e, sobretudo, eram as âncoras da memória...
Sem a palavra da canção, os ritmos iniciais teriam desaparecido com os corpos. A Literatura consagra essa relação.
Quanto ao Prémio Nobel da Literatura, não sei.

12.10.16

Divulgação em linha de dados pessoais pelas escolas

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) condena numa deliberação recente o que considera ser “uma prática generalizada” de divulgar dados pessoais dos alunos nos sites das escolas, como as pautas com as classificações, imagens dos menores e os horários lectivos. E alerta para os riscos que esta publicação traz para essas crianças e jovens, nomeadamente para a sua segurança.

Com base no princípio da confiança, escarrapachamos cada vez mais informação nos sítios das escolas e, particularmente, em bases de dados que, em teoria, visam acelerar a comunicação, como, por exemplo, com 'programas' que gerem a vida académica dos alunos...
Para além de colocarem em linha a fotografia de cada aluno, a respetiva avaliação, a constituição das turmas, as faltas, o calendário de testes e as atividades extracurriculares, estas bases de dados identificam os alunos com necessidades educativas especiais, abrangidos pela Ação Social Escolar... e outros apoios educativos solicitados pelos professores...
Vivendo numa sociedade que prefere a devassa à discrição, o melhor é aplicar as recomendações da Comissão Nacional de Dados... antes que seja tarde!


11.10.16

"À la esquerda"

Não há ninguém que explique à senhora Cristas que aquela expressão que ela vai repetindo... "temos uma austeridade à la esquerda" soa bastante mal e não funciona como slogan político.
A senhora é mãe de filhos e como tal não lhes devia servir maus exemplos linguísticos. No colégio, as crianças marcharão "à la esquerda", o que é pouco habitual no ensino privado em Portugal... Discriminados, os petizes acabarão por ter dificuldades de adaptação e um fraco domínio da língua materna, hipotecando o seu futuro e o da mátria, como diria a Natália Correia.