23.4.17

Na idade da razão

«Déjà des morales éprouvées lui proposaient discrètement leurs services: il y avait l'épicurisme désabusé, l'indulgence souriante, la résignation, l'esprit de sérieux, le stoïcisme, tout ce qui permet de déguster minute par minute, en connaisseur, une vie ratée.»  Jean-Paul Sartre, L'âge de raison

A leitura deste romance não é fácil, pois as personagens, pequenos burgueses com pretensões inteletuais, vão pondo à prova a ideia de liberdade, confinando-a à satisfação de desafios pessoais, apesar da Guerra que se anuncia e da que vai martirizando a república espanhola...
A questão mais importante acaba por ser a da insensibilidade de Mathieu face à gravidez inesperada de Marcelle, o qual, para se libertar do fardo da responsabilidade, acaba por roubar cinco mil francos à decadente Lola, sem, no entanto, ser punido...A punição resume-se quase sempre à inveja e à censura dos "amigos", ao consumo excessivo de álcool e de droga, como se a sociedade não existisse. O crime é, afinal, uma questão existencial, pessoal.
Mathieu, professor de Filosofia, admirado pelos discípulos, atinge cedo a idade da razão, deixando-nos a sensação de que o mundo (da drôle de guerre) retratado por Sartre é postiço e imoral...

Por mim, fico-me com o epicurismo desencantado, a indulgência sorridente, a resignação, a seriedade e um certo estoicismo, pois também eu já cheguei à idade da razão.

22.4.17

A diferença

A nudez surgiu no dia em que duas criaturas foram desterradas do Paraíso. Amaldiçoadas, descobriram a diferença, a dor e o trabalho.
Mais do que a dor e o trabalho, aquilo que mais as incomodou foi a diferença e pode dizer-se que sem esse detalhe  a razão teria pouca possibilidade de se afirmar como critério de ação, no caso, como meio de ocultação. O clima também terá ajudado, mas a parra foi a primeira figura da condição humana.
Durante séculos, fomos enaltecendo as criaturas que se dedicavam a superar essa condição, isto é, aquelas cuja ação se centrava na revelação de terras, de ideias, de ferramentas, do OUTRO...
Agora, enquanto milhões de famintos e desnudos são abandonados à sua sorte, andam por aí uns tantos inteligentes envolvidos em polémicas sobre o que vestir ou despir para afirmar a diferença.  
Haja paciência!

21.4.17

A verdade da mentira

Vivemos onde raramente nos deslocamos
Ignoramos o que nos convém
Reconstruímos a memória rasurando o que nos é inútil
Promovemos o que não praticamos
Fingimos admirar a arte narcísica e decadente
                       RITUALMENTE
Volúveis e poéticos, deformamos a realidade até que ela pereça sob as asas do abutre
Canonizamos as nossas fraquezas, idolatrando-as
            em mitos, heróis, santos e outras criaturas
                           angélicas, demoníacas
Prestamos-lhe culto e roubamos o óbulo ao barqueiro
As nossas indulgências já não edificam basílicas
somem-se em paraísos de ocasião com maior ou menor
                       DEVASSIDÃO
É absurdo querer conhecer o homem, pondo de parte a máscara

20.4.17

Tá certo!

Os EUA podem armar a burguesia. O governo não pode armar o povo. ‘Tá certo”, escreveu Miguel Tiago. Armas

Não há dúvida que ando mal informado! 
Parece que os milhões de mãos que pegam em armas nos Estados Unidos são, afinal, mãos burguesas. Quanto à Venezuela, o sonho do deputado Miguel Tiago é que o Senhor Maduro arme as mãos proletárias e nos devolva um milhão de portugueses burgueses...
(Tempo houve em que as mãos proletárias angolanas (e não só!) nos devolveram cerca de um milhão de portugueses. Será nostalgia? Criancice?)
Estamos de regresso à luta de classes! Agora, imagine o deputado Miguel Tiago que o senhor Castro distribuía armas ao povo cubano ou que o ditador norte-coreano agia no mesmo sentido... Será que os burgueses que governam Cuba e a Coreia do Norte sobreviveriam?

19.4.17

Os interesses dos professores

Desde a Antiga Grécia que os professores não têm interesses. A sua existência deve-se à vontade de aprender de uns tantos que, à medida que iam ganhando poder, sentiam necessidade de compensar quem os tinha ajudado a crescer e a afirmar a sua autoridade, umas vezes despótica, outras, democrática...
Claro que os professores, cedo, escolheram o seu lado. Uns pugnaram por um ensino elitista; outros defenderam afincadamente a formação de cidadãos conscientes dos seus direitos e  dos seus deveres... não creio que, entre os direitos, sejam de considerar os interesses...

(E também há aqueles que se afirmam professores e que, de facto, nunca o foram...)
  
Os interesses dos professores eram, afinal, as suas necessidades, reconhecidas pela comunidade que, em vez de os desconsiderar como acontece atualmente, sentia que era sua obrigação estimá-los e compensá-los pelos serviços prestados.

18.4.17

Pronunciamento de Mário Nogueira

Os sindicatos não têm nenhum acordo, nem nenhuma posição politica. Nada se eleva acima dos interesses dos professores”, disse o secretário-geral da organização, Mário Nogueira, durante a intervenção que antecedeu o início do desfile.Manifestação de professores

As aulas recomeçam amanhã. A Fenprof agendou para hoje um desfile protestativo de professores. O seu secretário-geral fez um pronunciamento de isenção que me deixa ainda mais incréu do que já era...
Por este andar, ainda vou ver o Mário Nogueira a beijar o anel de Sua Santidade, o Papa, em Fátima.

17.4.17

As sementes do mal

Lido à distância, isto é, fora de contexto, Jean-Paul Sartre define a "liberdade" como absoluto:

«En classe de philosophie, il avait eu de vives sympathies par le communisme et Mathieu l'en avait détourné en lui expliquant ce que c'était la liberté. Boris avait tout de suite compris: on a le devoir de faire tout ce qu'on veut, de penser tout ce qui semble bon, de n'être responsable que devant soi-même et de remettre en question, constamment, tout ce qu'on pense et tout le monde.»
                                                             Les chemins de la liberté, L'âge de raison

Leio e releio a "filosofia de vida" de Boris e dou comigo a pensar em todos aqueles que herdam, procuram e conquistam o poder tendo como objetivo a afirmação pessoal da sua existência. Por exemplo, Tayyip Erdogan, o Falcão, é, a partir de ontem, o sultão da Turquia, podendo fazer recuar as suas origens a Mahmud de Gazni, que governou o império Gasnávida entre 997 e 1030.
Se levarmos em conta os antecedentes, o novo sultão não descansará enquanto não alargar o território turco e, sobretudo, não perderá a oportunidade de se perpetuar no poder...
Tayyip Erdogan é um exemplo dos atuais caminhos de liberdade, mas há muitos mais... O melhor é nem sequer os nomear!