14.2.18

Pedir por objetivos

Há uma semana, um automobilista imobilizou o veículo e pediu a um peão que contribuísse para a reparação do seu automóvel...
Um pedinte matinal cumpre o seu ofício, só que hoje pediu três euros, nem mais nem menos um cêntimo...
Faz hoje oito dias, também me pediram que deixasse de atribuir classificações inferiores a 8 valores, mesmo se o pedinte se tivesse ausentado...
E já me esquecia do ministro (das finanças) que pediu bilhetes para um jogo de futebol... e de toda a gentinha que passa a vida na pedincha para os outros (e para si)...
Há, também, quem o faça em nome de deus, da mãezinha, dos filhos... Por vezes, também me apetece pedir que não me aborreçam...

13.2.18

O Carnaval português em 1936

«É o carnaval português. Passa um homem de sobretudo, transporta, sem dar por isso, um cartaz fixado nas costas, um rabo-leva pendurado por um alfinete curvo, Vende-se este animal, até agora ninguém quis saber o preço, mesmo havendo quem diga, ao passar-lhe à frente, Tal é a besta que não sente a carga, o homem ri-se dos divertimentos que vai encontrando, riem-se os outros dele, enfim desconfiou, levou a mão atrás, arrancou o papel, rasgou-o furioso, todos os anos é assim, fazem-nos estas partidas e de cada vez comportamo-nos como se fosse a primeira. Ricardo Reis vai descansado, sabe que é difícil fixar um alfinete numa gabardina, mas as ameaças surgem de todos os lados, agora desceu velozmente de um primeiro andar um basculho preso por uma guita, atirou-lhe o chapéu ao chão, lá em cima riem esganiçadas as duas meninas da casa. No carnaval nada parece mal, clamam elas em coro, e a evidência do axioma é tão esmagadora e convincente que Ricardo Reis se limita a apanhar do chão o chapéu sujo de lama, segue calado o seu caminho, já reviu e reconheceu o carnaval de Lisboa, são horas de voltar ao hotel. Felizmente há as crianças.»
                     José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Porto editora, reimpressão de 2017

Desta vez, não volto a explicar a origem do Carnaval - basta pesquisar que Caruma responde enfadonhamente. Proponho apenas que leiam as páginas de Saramago - da 181 à 188.

12.2.18

Copistas

Desde o Antigo Egito,  o copista (o amanuense) foi de grande utilidade ao Senhor, ao Império, à Igreja, ao Estado e, em particular, à Justiça.
Grande parte da Memória foi preservada pelos copistas...
Infelizmente, conheço uns tantos copistas, a quem um amigo insiste em explicar o que é um plágio sem que eles interiorizem o significado de tal termo que, quando lhes é solicitada a resolução de um questionário da disciplina de Português, logo se propõem entregar o resultado do cavo labor para que o professor o classifique.
Pacientemente, o mestre inicia a leitura do referido trabalho, à espera de contribuir para a educação do jovem, só que acaba por deparar-se com duas situações, qual delas a mais abusiva: a) por exemplo, em 6 respostas, cinco foram copiadas umas pelas outras; b) e, por outro lado, não passam de cópia ou de decalque das "respostas" propostas no manual do docente...
    ... e esta é uma situação cuja responsabilidade deve ser atribuída às editoras, ou será que os atuais professores deixaram de ser capazes de elaborar perguntas e avaliar as respetivas respostas?

De qualquer modo, o que mais me choca é, afinal, a ideia corrente de que mesmo um mau copista não deve ser submetido a qualquer exame, nem deve ser negativamente avaliado e, sobretudo, não pode ser censurado.

10.2.18

Por dá cá aquela palha...

Casa de Samardã
Diz Camilo Castello Branco a Silva Pinto que «aqui terá passado dois anos de infância, os menos desgraçados» e logo alguém conclui que foi lá que ele passou os melhores anos da sua vida...
Curiosa interpretação!
Não sei porquê, e sem querer igualar Camilo no infortúnio, estou sem saber onde é que vivi os melhores anos, embora suspeite que terá sido no tempo da irresponsabilidade, apesar de, desde cedo, me terem sido pedidas satisfações por dá cá aquela palha...
E até hoje pouco mudou. Parece que continuo a ter de prestar contas até ao dia do juízo final...
Também eu entrei em múltiplas casas (sorte a minha!), mas estou incapaz de apontar uma que se diferencie, apesar de por fora poderem indiciar maior ou menor felicidade.

9.2.18

A memória

A memória devia ser uma espécie de cabelo
Que a gente cortasse quando quisesse...
  Carlos Queiroz

O problema é que à medida que o cabelo vai caindo já não o queremos cortar, embora haja quem prefira rapá-lo por inteiro - será para esquecer?
Mas o que irrita são aqueles que, apesar do crescimento contínuo do cabelo, revelam não ter qualquer memória nem que isso os incomode...
O que interessa é a meta, o resto é conversa!
E de nada serve desfiá-la...

7.2.18

Novas vítimas

Por este andar vai ser necessário criar um novo termo para os
que são bombardeados 
que são torturados
que são escravizados
que são expulsos do lugar onde nasceram
que nunca foram à escola,
que vivem no desemprego
que morrem à fome
que simplesmente são escorraçados...
e vivem no silêncio até que...

Todos os dias surgem novas vítimas
cruzados de uma nova guerra em que basta a magia da palavra

e logo desaparecem
os refugiados
os torturados
os escravizados
os alienados
os famintos

os silenciados

6.2.18

Uma prova de insanidade mental

Quando soou a campainha
Que pôs termo ao recreio,
Só um dos cem meninos
Que brincavam no pátio,
Intuiu - através 
De súbito lampejo -
Que a nossa vida é um equívoco
Insanável.
Poema 20, Carlos Queiroz

Ao ler sempre as mesmas respostas a perguntas impossíveis, ao tentar ver um ponto final no lugar da vírgula e até mesmo do ponto e vírgula, ao imaginar, à entrada, um parágrafo e a cair do parapeito sem qualquer aviso, relembro o atraso por falta de campainha e, sobretudo, interrogo-me por que motivo o José-Augusto França se me tornou tema e logo com a revista "Bandarra" (1934-36) de António Ferro, o da Filosofia do Espírito, roubada ao Valéry... ou seria ao Quinto Império do profeta Pessoa?
(Não interessa! Afinal, os blogues já são matéria defunta. Tornou-se impossível apresentá-los como exemplo do registo diarístico. Ao que me disseram, o twitter ocupa esse lugar.) 
De qualquer modo, anoto que, sob a resma de testes, tenho há dias, sem o vislumbrar (cuidado com a catáfora!) um artigo E. M. de Melo e Castro, intitulado, "Carlos Queiroz - releitura e homenagem, publicado no nº 26 do Letras & Letras, de fevereiro de 1990... Fevereiro de 1990, anote-se...
Relembro que, por tradicional bisbilhotice, me vira recentemente obrigado a falar dos desamores de Ofélia Queiroz, sem fazer qualquer alusão a Carlos Queiroz, o poeta existencialista, « tão distante da superficialidade da poesia da Presença" (...) tão distante da poesia Neo-Realista»,
        o que, de todo, me aborrece... deixar de fora Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, Ferreira de Castro,  é, para mim, uma prova de insanidade mental, já sem falar no Mário Sá-Carneiro, no Almada...
Aceito, entretanto, que seja eu o insano...