12.5.18

A Terra dos Sorrisos

Dizem-me que Portugal foi o primeiro país ocidental a entrar em contacto com a Tailândia, à ordem de Dom Afonso de Albuquerque, em 1511, reinava Rama II em Ayutthaya. 
Não tenho razões para pôr em causa a informação, apesar de desconfiar sempre que me asseguram que Portugal foi ou é o primeiro em alguma coisa...
Curioso, lá estive ontem, no Museu do Oriente, a assistir ao espetáculo Danças Tradicionais da Tailândia pelo grupo Bunditpanasilpa Institute.
Apreciei a I e a II partes, tendo ficado com uma ideia do modo como aqueles povos se divertiam - não sei se ainda se divertem, e isso preocupa-me, porque pouco sei sobre a Tailândia... Percebi, no entanto, que por lá as cadeiras são desnecessárias!
Quanto à III parte - Celebração dos 500 anos do Tratado Luso-Siamês de Amizade, Comércio e Navegação ( Dança da Luz  e Dança de Amizade) - fiquei sem palavra... a bandeira, o folclore evocavam o tempo em que o fantasma 'limitava / todo o futuro a este dia de hoje' (Miguel Torga, Dies Irae).

11.5.18

O espetáculo do mundo

Maio 1968 - evocação no Camões
«O mundo está cheio de coisas trágicas, cómicas, heroicas, bizarras e surpreendentes e quem não for capaz de se interessar pelo espetáculo que ele oferece renuncia a um dos privilégios que a vida lhe pode dar.» Bertrand Russell, A Conquista da Felicidade

A tentação é considerar que os dias oferecem trabalhos e não privilégios. No entanto, remar contra o marasmo pode ser um privilégio surpreendente.
Aqui e ali, sob um aluvião de certezas, eleva-se uma dúvida, uma faísca de compreensão. Até a repetição pode deixar no ar um "se"... Talvez, mais tarde, um filho pule da moldura e a mãe lhe acompanhe o voo e ela deixe de se sentir defraudada...
Submissos, pensando que eram insubmissos, guardam silêncio sobre o sentido, já não sabem bem se do mundo, se de si próprios... até porque o dia se vai fazendo noite - a única noite que poderá ser verdadeiramente sua...
E é um privilégio contemplar os rostos desconfiados perante a ideia de que há vida para além do aconchego, do sossego, da rotina... quase despertos, libertos do dia... maternal.

10.5.18

Já espigado

«... as práticas ligadas à Quinta-feira da Ascensão, o dia da Espiga, em que estas se colhem como ato propiciatório do bom desenvolvimento das searas e se realizam percursos processionais, com intervenção do clero, na prática das rezadas, rogações, bênção dos campos.» Joaquim Pais de Brito, in O Voo do Arado, pág. 222.

«Em vários locais do Ribatejo colhem-se habitualmente três espigas de trigo, três malmequeres amarelos e três papoilas, mais um raminho de oliveira em flor, um esgalho de videira com o cacho em formação e um pé de alecrim ou de rosmaninho florido. As espigas querem dizer fartura de pão; os malmequeres, riqueza; as papoilas, amor e vida; a oliveira, azeite e paz; a videira, vinho e alegria; o alecrim ou rosmaninho, saúde e força.» No dia da espiga  

Já espigado, confesso que só colhi três espigas, porque as encontrei no caminho da farmácia... Fi-lo por impulso, mas não fui mais além. Apenas fiquei a pensar na sabedoria (esperteza) de uma Igreja que 40 dias antes impôs a Quaresma e 40 dias depois convida o rebanho a colher flores... ( e não me venham com o argumento estafado de que antes de Cristo viera Moisés, pois a implícita conciliação nunca existiu...), quando o que o povo precisava era de pão.
O que me preocupa verdadeiramente são as causas desta ocultação de culturas anteriores que, supostamente, viveriam longe de Deus, isto é, insistiam em viver com os seus deuses. O que me preocupa é o folclore nacionalista...
De qualquer modo, o povo que nada entende de ortodoxia, sempre soube viver de bem com Deus e com o Diabo...

9.5.18

Não há conto sem acontecimento...



Repito: 'Não há conto sem acontecimento'... Não me apetece voltar a explicar, embora haja quem não perceba porquê e pense que escreve contos, estórias... Ou seja, a melhor desculpa que me dão é que 'escrever já é em si acontecimento'... Indulgente, tolero...
Portanto, sempre que me contam um conto, só desperto quando o acontecimento irrompe... Hoje, o acontecimento surgiu sob a forma de epifania. Surpreendido, perguntei qual era o significado de tal termo. A resposta foi sincera 'não sei'... Ora ali estava um acontecimento - aparição -, apesar da arredia espiritualidade da hora...
... a não ser que a atenção se voltasse para a cavidade de um plátano que vai acolhendo um ninho sem que ninguém dê conta do acontecimento - e ainda bem! Ou para a luz matinal que, sem glória, procurava atravessar as copas frondosas das tílias...

8.5.18

apenas gente

«- mas – ia eu para dizer, mas calei-me de repente –» Herberto Helder, Letra Aberta


Há um ponto a partir do qual deixa de fazer sentido retorquir não tanto porque a gente seja mínima, mas porque é apenas gente.
Ora, se é gente é porque não ouve e o que vê é outra coisa, apenas gente.

7.5.18

Preferimos a 'vidinha'...

Para além do que vemos, que me abstenho de descrever para vos evitar a maçada, há sempre a possibilidade de criar uma história. De imaginar alguém que queira ir mais além, de situar, de preferência, essa enigmática personagem no tempo e no espaço, atribuindo-lhe um sonho, uma ambição, um interesse, uma inutilidade...
Mas como fazê-lo sem memória?
Por estes dias, venho insistindo nesse imenso reservatório de acontecimentos, de sentimentos, de sensações, de leituras não, apenas, como constituinte de identidade pessoal e coletiva mas, sobretudo, como alavanca essencial à resolução de problemas... 
Venho insistindo na articulação dessas memórias como a lava vulcânica essencial à criação de novas oportunidades, mesmo que, inicialmente, o vulcão se revele ameaçador...
A insistência é, no entanto, inútil, porque preferimos a 'vidinha', preferimos ficar à porta a fingir que a abelha é uma ameaça intransponível...

6.5.18

Ainda pensei numa corrida de obstáculos

Procurava seguir o voo das aves para os lados do Samouco, quando dei de caras com uma instalação abandonada.
Ainda pensei numa corrida de obstáculos, mas a ideia era absurda. Se se tratasse de um campo de treino militar, a disposição das estruturas daria cabo dos recrutas.
Só quando avancei na direção das salinas, compreendi que, afinal, a explicação seria simples - tratar-se-ia de uma estrutura utilizada na secagem de bacalhau - abandonada...
Por associação de ideias, veio-me à memória o esquecido Henrique Tenreiro, dirigente da Junta Central das Casas de Pescadores... o que me empurrou para uma pequena pesquisa sobre a importante personagem do Estado Novo. Aqui registo uma hiperligação que me parece conter uma análise imparcial, pois o fio da história é frequentemente tortuoso: Henrique Tenreiro