19.7.18

A Poesia passa bem sem a História

É lugar-comum defender que a Poesia passa bem sem a História, o que nos livra de incómoda erudição e, sobretudo, nos limpa a alma. 
Vem isto a propósito da prova de exame de Português (12º ano, 2ª fase) que, mais um vez se serve de Ricardo Reis, o heterónimo de Pessoa (que o de Saramago ficou na gaveta), "autor" da ode "Prefiro rosas, meu amor, à pátria" (1.6.1916)…, o que me obriga a recordar o desconforto pessoano perante o desfecho trágico (mais de 8000 mortos) da batalha naval da Jutlândia (31.5.1916) / post de 15.6-2015

A ataraxia na poesia de Ricardo Reis é uma questão mal fundamentada

Definição:
«Constituindo (a ataraxia ) um estado anímico, exprime um ideal de sabedoria, um fim ou telos a atingir pelo filósofo (...) É concebida como uma ultrapassagem racional da demasiada humana vulnerabilidade e sujeição à fortuna e aos acidentes, sejam estes de origem interna, as paixões, sejam provenientes do exterior, como as doenças, a pobreza, as desgraças, o mal físico, ou o desaparecimento de entes queridos.» Rui Bertrand Romão, in Dicionário de Filosofia Moral e Política.

O conceito de ataraxia é fundamental para a compreensão da filosofia de vida de Fernando Pessoa / Ricardo Reis:

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Ricardo Reis, 1/6/1916
(...)
Apesar do que é habitual afirmar-se sobre a indiferença de Ricardo Reis em relação aos acontecimentos exteriores, creio que este heterónimo é mais a expressão do desconforto de Pessoa perante o sacrifício da vida humana (8642 homens) em guerras que nada acrescentam à vida do que uma posição de alheamento da realidade envolvente.
Este poema foi escrito precisamente quando terminou a Batalha da Jutlândia:

Segundo os historiadores, trata-se da mais importante batalha naval da I Guerra Mundial. Ocorreu no dia 31 de maio de 1916, nas águas da península da Jutlândia (Dinamarca), e opôs a frota britânica comandada por Sir John Jellicoe e a frota de Alto Mar alemã do almirante Reinhard Scheer. Tal como outros combates desta guerra, a batalha teve pelo menos duas fases e viria a terminar com a fuga da frota germânica. A dureza do combate fez-se sentir nas baixas de cada lado. Nesse combate os ingleses perderam 3 cruzadores, 8 contratorpedeiros e 6097 homens contra 1 couraçado, 1 cruzador pesado, 4 cruzadores, 5 contratorpedeiros e 2545 homens por parte dos alemães. Contudo, apesar de, aparentemente, as perdas britânicas terem sido superiores às germânicas, depois deste confronto os ingleses tornaram-se senhores dos mares controlando toda a navegação. A tal ponto que, até ao final da guerra, a frota alemã de superfície teve de permanecer imobilizada nas suas bases. (Infopédia)

18.7.18

Aprendizagens essenciais. Em que século estamos nós?

As Aprendizagens Essenciais (AE) são documentos de orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, e visam promover o desenvolvimento das áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade ObrigatóriaA educação literária do ministério da educação

Sempre me ensinaram que, em matéria de ensino, é fundamental dar um passo de cada vez - do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do observável para o reflexivo, do perto para o distante, do literal para o simbólico…
Sempre me ensinaram que, em matéria de educação, o perfil do indivíduo deve ser desenhado em função do modelo de sociedade em construção…
A verdade é que devo ter aprendido tudo ao contrário. Por exemplo, pensava que Garrett e Herculano eram personalidades distintas ou que A Relíquia e Os Maias, embora do mesmo autor, teriam um papel bem diferente na formação do cidadão…
De qualquer modo, resta-me a esperança de que, eliminados Os Maias e quase todos os romances escritos no século XX, o ministério da educação elimine também a poesia - matérias que exigem tempo de leitura, de interiorização, de reflexão, pois o que nos falta é tempo… e juízo…
Em síntese, os professores de Português já não são necessários, a não ser para recitar meia dúzia de disparates propostos por volumosos manuais produzidos pelas editoras do regime… 

 LISTA DE OBRAS E TEXTOS PARA EDUCAÇÃO LITERÁRIA – 10.º ANO

POESIA TROVADORESCA 
Cantigas de amigo Cantigas de amor Cantigas de escárnio e maldizer  - (quatro)  (duas)  (duas)
AUTORES E OBRAS  
Gil Vicente Farsa de Inês Pereira (integral) OU Auto da Feira (integral) 
Luís de Camões
Rimas: redondilhas (escolher 4) e sonetos (escolher 8) 
Os Lusíadas  Canto I, ests. 1 a 18; canto IX, ests. 52, 53, 66 a 70, 89 a 95; canto X, ests. 75 a 91 (a constituição da matéria épica)  Canto I, ests. 105 e 106; canto V, ests. 92 a 100; canto VII, ests. 78 a 87; canto VIII, ests. 96 a 99; canto IX, ests. 88 a 95; canto X, ests. 145 a 156 (reflexões do Poeta)

LISTA DE OBRAS E TEXTOS PARA EDUCAÇÃO LITERÁRIA – 11.º ANO

AUTORES E OBRAS  
Padre António Vieira “Sermão de Santo António. Pregado na cidade de S. Luís do Maranhão, ano de 1654” 
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa 
Almeida Garrett ou  Alexandre Herculano ou   Camilo Castelo Branco, uma obra narrativa 
Eça de Queirós, um romance 
Antero de Quental, três poemas
Cesário Verde, três poemas

LISTA DE OBRAS E TEXTOS PARA EDUCAÇÃO LITERÁRIA – 12.º ANO 

OBRAS DE FERNANDO PESSOA
Poesia lírica Fernando Pessoa ortónimo 
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos 
Prosa - Livro do desassossego, de Bernardo Soares (fragmentos) 
Poesia épica Mensagem (seis poemas)

POEMAS DE POETAS PORTUGUESES CONTEMPORÂNEOS
(três poetas de entre os que se indicam) 
Miguel Torga, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Alexandre O’Neill, António Ramos Rosa, Herberto Helder, Ruy Belo, Manuel Alegre, Luiza Neto Jorge, Vasco Graça Moura, Nuno Júdice, Ana Luísa Amaral

ROMANCE DE JOSÉ SARAMAGO, Memorial do Convento ou O Ano da morte de Ricardo Reis 

Em que século estamos nós aqui nesta nossa terra? (eco camiliano…, o tal que é equivalente a Garrett ou a Herculano.)
 

17.7.18

Caio no ininteligível

«Je sais (…) que je ne cherche pas ce qui est universel, mais ce qui est vrai.» Albert Camus, L'espoir et l'absurde dans l'oeuvre de Franz Kafka

Como não consigo lidar com o universal, pois isso pressupõe uma conceção religiosa, para mim, inatingível, limito-me a procurar a verdade, o que se me afigura cada vez mais difícil, porque, à força de tratar da mentira, caio no ininteligível, não tanto porque sejamos todos mentirosos, mas porque, a cada momento, fechamos os olhos, deixando-nos levar ora por ondas de antipatia ora de simpatia…
Perante a morte, essas ondas súbitas de simpatia levantam-se para posteriormente rebentarem na areia que tudo apaga, a não ser que uma qualquer religião decida prolongar o angelismo que as típica…
Hoje, faleceu o dr. João Semedo (1951-2018), virtuoso como é de tradição. Depois de amanhã, a onda desfalecerá…

Deve ser mentira!

De acordo com a legislação, cada partido arriscava-se a pagar entre 4.289 e 171.560 euros, enquanto no caso dos dirigentes podia ir de 2.144 a 85.780 euros. O Tribunal Constitucional (TC) deixou passar o prazo para aplicar multas aos partidos e políticos pelas irregularidades detetadas nas contas de 2009, de acordo com a TSF. Praticamente todos os partidos ficam, assim, livres das coimas, além dos 24 responsáveis financeiros. O Tribunal Constitucional

Deve ser mentira! Neste país, o Tribunal Constitucional ia lá esquecer-se. Impossível!

16.7.18

Placa informativa obsoleta




A Carris despreza os utentes e esquece as placas informativas cheias de ferrugem...

Exemplo da falta de zelo da carris

15.7.18

A extensão

A extensão tem sido descurada, mas só ela nos permite iludir o tempo.
Sem ela, não passamos de almas penadas a lastimar o tempo decorrido…
O melhor é sairmos de nós próprios e deixarmos que os pés nos levem e os olhos se deixem cativar…

14.7.18

A questão geracional

Jacinto Lucas Pires, a propósito da publicação da peça de teatro "Universos e Frigoríficos", em entrevista a Maria Teresa Horta (DN, 27.12.1997), caracteriza a (sua) geração dos anos 90 do seguinte modo: Somos uma geração que cresceu a ver televisão, que leu menos livros e outros livros do que os nossos pais, leu mais banda desenhada, viu outros filmes. Tudo isto tem de trazer formas novas para as formas já existentes.

É possível que Jacinto Lucas Pires tenha razão quanto ao retrato que faz da sua geração. A memória diz-me que sim: os jovens viam muita televisão, liam menos, revelavam fastio ao ler os clássicos, preferindo leituras menos incomodativas, iam ao cinema, assunto totalmente ignorado nas salas de aula.
Quanto à recriação das formas já existentes, não parece que tenha havido uma verdadeira revolução, sobretudo se considerarmos o "cânone" estabelecido pelo Ministério da Educação.
Ao olhar para esta última geração, parece que, em muitos casos, estamos a assistir à travessia do deserto - nem televisão, nem cinema, nem banda desenhada… leitura só a dos títulos oferecidos pela Internet… e muitas imagens de SI, muitos gracejos apatetados, muita torpeza…

Mais uma razão para «persistir como Sísifo».