17.8.18

Pessoas obsoletas - o que fazer?

Leonardo da Vinci (1452-1519) distingue a capacidade de ver da possibilidade de representação do real (fazendo-a depender do lugar ocupado pelo observador). Ana Vaz Milheiro (Público, 14 de março de 1998, a propósito da obra "Perspectiva, Perspectiva Acelerada e Contraperspectiva", de João Pedro Xavier)

Agora que o programa de Português (ensino secundário) insiste tanto na representação do real levada a cabo pelos autores, como, por exemplo, José Saramago ou Cesário Verde, valeria a pena repensar a distinção de Leonardo da Vinci. Caso contrário, o aluno, incapaz de imaginar o lugar ocupado pelo observador, acabará por se limitar a reproduzir meia dúzia de ideias feitas sem conseguir questioná-las…
É neste ponto que o diálogo interdisciplinar poderia ter significado, pois habitualmente o professor de Português não percebe nada de "perspectiva"... Por exemplo, será que somos capazes de determinar o lugar do observador n'Os Lusíadas, quando o Poeta faz a sua apreciação crítica?

Esta vacuidade em que habitamos leva-me a compreender o receio de Meg Temark (Live 3.0) quando afirma que «há pressão económica para tornar as pessoas obsoletas» Pessoas obsoletas

Não há apenas pressão económica, há, principalmente, um sistema educativo que nos torna obsoletos… Assim se compreende que o mundo esteja cada vez mais à mercê daqueles que medram na sombra dos Trumps...

16.8.18

As portas do futuro

Valentín y Molina, los protagonistas de la novela, transcurren prisioneros y comienzan, al mejor estilo de un diálogo socrático, a interpelarse desde sus subjetividades. Puig elige crear una situación ideal en la que un militante revolucionario y un homosexual puedan iniciar un intercambio personal, como si lo hicieran bajo la consigna de las feministas de los 70: “lo personal es político”. En este sentido Molina se narra a partir de diferentes películas de clase B, posicionándose desde un lugar más personal, más experimental y subjetivo. Su contrapartida es Valentín, quien desautomatiza el procedimiento subjetivo del lenguaje de Molina intentando darle una explicación racional destructora de mitos sociales. Un homosexual que representa la sentimentalidad, la delicadeza, el deseo y el cuidado materno y, por otro lado, un militante marxista que representa la objetividad, la racionalidad y la disciplina. Si bien uno podría pensar que la figura del homosexual representaría la feminidad y la de Valentín la masculinidad, en el devenir de la novela las representaciones van mutando y se complementan entre sí.Manuel Puig

Acabo de ler El beso de la mujer araña, do argentino Manuel Puig, 1976, novela censurada pela ditadura militar. Uma obra perturbadora, pois coloca em causa muitas das certezas do leitor e, sobretudo, esta leitura deixa-me com a sensação de que cheguei demasiado tarde… deveria ter lido esta obra nos anos 70, quando a ideologia e a psicanálise se me apresentavam como as portas do futuro…
Infelizmente, a minha chegada tardia não é única neste mundo cada vez mais retrógrado, em que as portas do passado se vão escancarando...

14.8.18

Enigmático e suspeito


Esta seriedade é enigmática, mas tem uma explicação: procurava situar-me no percurso. 
 Já não me lembro de nada do que fui ouvindo em francês ou em castelhano (por ali, o português é lingua desconhecida!)… Apenas, recordo o que vi…
A verdade é que, para mim, o conhecimento pressupõe a caminhada pausada, muitas vezes, sobre si própria…
(…) 
O que também foi enigmático foi o modo como fui controlado no aeroporto de Barcelona - ainda cheguei a pensar que seria um perigoso cadastrado… 
No entanto, acabaram por concluir que era "português"... Fiquei sem saber o que é que lhes terá passado pela cabeça para me pincelarem as palmas e as costas das mãos...
Alguém me disse que a minha seriedade fez de mim suspeito.

12.8.18

A laranja de V. S. Naipaul

V.S. Naipaul morreu.

Dele só li Uma Casa para Mr. Biswas.
Li-o lentamente, abrindo o romance ao acaso e retomando a leitura, já esquecido do que lera anteriormente.
A edição portuguesa era das Publicações Dom Quixote e, até hoje, mantenho a sensação de que a tradução portuguesa é péssima
Perante a notícia da morte de V.S.Naipaul (1932-2018), verifico que os encómios se mantêm, o que significa que a minha dificuldade em lidar com a escrita deste Nobel da Literatura não terá uma causa exógena…
(Um destes dias, vou voltar a ler Uma Casa para Mr. Biswas. Se tiver tempo - é que o escritor tinha dias em que não escrevia mais do que um parágrafo. Tal como eu - também tenho dias em que não consigo chegar ao final do parágrafo… Ler exige tempo e, por vezes, enorme paciência, o que nem sempre é negativo…)

Entretanto, transcrevo um parágrafo revelador:

- O teu problema é que realmente não acreditas. Havia um homem como tu, em tempos que já lá vão. Ele queria gozar com um homem como eu. Então, um dia, quando o homem que era como eu estava a dormir, o outro homem pôs-lhe uma laranja sobre a barriga, pensando, «aposto que este parvo, quando acordar, vai dizer que foi Deus que lhe pôs a laranja aqui». O primeiro homem acordou, viu a laranja e comeu-a. O outro apareceu e disse-lhe: «Então, foi Deus que te deu essa laranja?» «Sim», respondeu o primeiro. «Então deixa-me que te diga. Não foi Deus que te deu a laranja. Fui eu». «Talvez», disse o outro, «mas eu pedi a Deus uma laranja enquanto dormia.»

11.8.18

Talvez por isso não compreenda...

«Yo no puedo vivir el momento, porque vivo en función de una lucha…»

Deliberadamente não cito na totalidade o pensamento da personagem de Manuel Puig, Il beso de la mujer araña.
Porquê? Porque objetivamente nunca me envolvi de forma direta na luta política, nunca planeei a ação, definindo uma agenda...
De facto, sempre imaginei a minha ação de uma forma mais individual: primeiramente aprender; depois ajudar os outros a aprender a viver… 
A luta política nunca a imaginei como resultado de um impulso, de um sentimento; vi-a sempre como ação responsável, assente no conhecimento do que interessaria a uma humanidade, liberta de fronteiras territoriais, religiosas, políticas e morais…
Talvez por isso não compreenda a necessidade de insistir em ideários que apostam no carpe diem horaciano, pois me parecem demasiado egoístas e acríticos...
Talvez por isso não compreenda certos ímpetos revolucionários que continuam a criar novas fronteiras…

10.8.18

Tudo muito... mas nada


Tudo muito higienizado, tudo muito refrigerado… muito calor por todo lado… tudo muito mediterrânico…
Mas nada elimina a sensação de impotência de quem entra num avião e fica ali inativo ou a fingir que lê, joga, conversa… 
Odeio essa sensação contínua que, ainda por cima, me estoira com os ouvidos e me deixa a pairar num espaço de coisa nenhuma - nem a voz se aproveita…
É assim: não fui feito para deixar o controlo à mão de uma qualquer outra entidade, mais ou menos competente, mais ou menos divina...

La Pineda

8.8.18

Páginas amaldiçoadas de Manuel Puig


Levantei-me às seis horas da manhã. A temperatura de 28 graus convidava para um passeio matinal e para o lugar comum - fotografar o nascer do sol, mas ele mostrou-se cerimonioso. Acabei por percorrer todo o passeio marítimo numa extensão de mais de três kilómetros, a pensar na novela de Manuel Puig Maldicion Eterna a quien lea estas páginas
Por lá ninguém se levantava cedo, ninguém se queria (ou podia) lembrar do passado, fosse argentino ou norte-americano. Por lá, pouco mais havia do que diálogo sobre o passado, como forma de recuperar o tempo esquecido, por força de tortura ou de trauma infantil, respetivamente… as histórias iam-se se reconstituindo, apesar dos amuos e da má vontade dos protagonistas - um velho alienado e um homem de meia idade, seu cuidador à hora e duas ou três vezes por semana…
A construção do livro intriga-me, sobretudo porque o narrador pouco diz e as personagens caem facilmente no mutismo. O final do livro, apesar do ex-professor de História querer voltar a exercer, é desesperante… A ação decorre, em grande parte, num Lar e num Hospital de Nova Iorque…
Para quem esteja interessado em mergulhar nas páginas amaldiçoadas de Puig, recomendo o que transcrevo:

La historia (casi toda) transcurre en Estados Unidos, y los personajes principales son Larry, un profesor de historia fracasado, que no confía en sí mismo lo suficiente como para dedicarse a la docencia, marxista, desempleado y divorciado, que tiene que tomar un trabajo de acompañante de gente de edad avanzada en el que conoce al señor Ramírez, el otro personaje, un anciano argentino, caprichoso, paranoico, que sufre de amnesia. Juntos irán conversando, intentando reconstruir la historia del otro, conocerla y entenderla. A Ramírez le interesa la historia de Larry porque todo le resulta novedoso y le pregunta hasta las cosas más triviales intentando, sin mucha voluntad, recordar algo de su propia vida; también a Larry le interesa la historia de Ramírez porque de a poco va descubriendo que el anciano (aunque lo niegue fervorosamente y se muestre indignado ante las insinuaciones o las afirmaciones del joven) fue en su país un militante, un importante dirigente sindical que fue apresado y torturado durante la dictadura militar y que fue por esas torturas que perdió la memoria. Es interesante ver cómo, a lo largo de la novela, y por la amnesia y los caprichos del señor Ramírez, las conversaciones pasan de ser diálogos reales, sobre la vida real de Larry (quien no parece muy contento recordando ciertas cosas, ciertos traumas) a ser historias mixtas, en las que el señor Ramírez interviene, diciendo cómo en realidad fue un episodio traumático de la vida de Larry, cómo las cosas no son en realidad como se las cuenta él sino totalmente distintas y termina contando lo que suponemos, en realidad, son anécdotas de su propia vida que conscientemente no recuerda. Estos diálogos, forzados por las interrupciones caprichosas del anciano, van volviéndose cada vez más irreales, volviéndose ficciones literarias, a medida que el anciano pregunta cosas que Larry no quiere responder y a medida que el mismo anciano evita otros temas que le traen sensaciones extrañas, indescriptibles, claramente ligadas a su pasado que no puede recordar. Esto, acaso, se vea exacerbado en uno de los últimos capítulos en los que el diálogo es también entre un anciano malhumorado y un joven idealista, pero en la Rusia zarista, en el contexto inmediatamente anterior a la Revolución rusa. Estos personajes son tan similares a los de Larry y Ramírez que también es hacia el final del capítulo que el joven se da cuenta de que el viejo, a pesar de su mal carácter, también es antizarista y apoya a los revolucionarios. O Fascínio das palavras

Más allá de esto, la pregunta de Larry es interesante: ¿Maldición eterna a quién? ¿A quien lea qué? A lo largo de toda la novela, la acción de leer toma un protagonismo especial. Desde el principio, Ramírez dice que todo lo que recuerda es lo que leyó en la enciclopedia en sus días en el hogar de ancianos de Nueva York; de hecho, dice que recuerda todo lo que lee. Dice que tiene que buscar el sentido de las palabras. Sólo conoce a través de las lecturas, y lo que piensa tiene que anotarlo en un papel, para que no se le olvide, y poder leérselo a Larry (pero siempre se olvida de agarrar el papel donde anotó sus pensamientos). También Larry lo acusa de no "saber leer las expresiones humanas". Todo el tiempo está obsesionado con las palabras, y su significado, pero también dice "Por favor, emplee palabras que signifiquen más. Conozco las palabras, pero no lo que estaba pasando dentro suyo" o, cuando Larry le cuenta sobre su infancia y su madre "Larry, por favor dígame otras palabras que usaba su madre." a lo que Larry responde "Mi madre no tenía palabras propias. Ni sabía pensar por su cuenta".