23.11.19

Em linhas quebradas

Do que sei, não sei, a não ser esta vertigem de associar os contrários sem qualquer efeito prático, pelo menos inteligível…
Resigno-me na ideia de que outrora sabia, mas como se o esqueci, eu que sempre defendi que só sabe quem não esquece.
À minha volta, são tantos os que não esquecem, e poderiam ser bem mais se eu os não tivesse esquecido.
Tudo parece estar bem, não fosse essa ideia de perda que, por vezes, se transforma em fulgurações instantâneas, pleonásticas e absurdas.
Desadormeço e fico à espera desse retorno que, enquanto for dia, se revela impossível, a não ser em linhas quebradas…

22.11.19

Uma regressão espúria

Outono. Uma nespereira em flor. O sol, depois da chuva, disfarça o caixote de lixo… Despedido o guarda-chuva… tudo invertido, como se a seca já tivesse sido vencida…
Sigo na direção da Praça José Queirós, pintor e arqueólogo (13.7.1856-31.07.1920), fundador do Grémio Artístico que estaria na origem da Sociedade Nacional de Belas Artes… e vou pensando na descontinuidade das memórias que facilmente caem em associações espúrias - termo apelativo, mas que pode adjetivar uma regressão, isto é uma relação estatística entre duas variáveis, sem que, no entanto, nenhuma relação causa-efeito exista.
Neste caso, a flor da nespereira, a não ser na cor, nada diz deste José Queirós e muito menos de outros universos queirosianos, mesmo se coevos. E, ao contrário do que seria de supor, a nespereira floresce no final do outono ou no inverno…

21.11.19

Na língua sem algemas

Ignorar em nome da tolerância - cínica condescendência - pode  causar náuseas… Vê-los fechados em celas de autossatisfação dá vontade de os esganar… Mas para quê?
… Continuar a explicar palavra a palavra - o étimo, a família, o sentido, o uso, a posição - dá-lhes cabo da alma, que não sabem que ainda têm, sobretudo se lhes faltar a religião anestesiante dos rebanhos...
Tresmalhados, não entendem que a língua que lhes convém é a antiga e não a dos empréstimos e dos grunhidos… e que, por ser antiga, a língua é a luz à sua disposição, porque nela vive toda. O tempo pode deprimir. Não no tempo, mas na língua é que a viagem pode conduzir ao âmago do Ser.

18.11.19

Não há aumentos...

Incapaz de definir as necessidades de recursos humanos para um funcionamento ajustado do Estado, o Governo continua a penalizar a função pública. Pouco importa quem governa, a direita insiste numa diminuição cega do número de funcionários públicos; a esquerda procede à engorda cega do mesmo Estado, sem, no entanto, satisfazer as necessidades nas áreas essenciais…
Incapaz de determinar as necessidades, o Governo aposta na descentralização, duplicando as funções, criando micro-estados conforme o estado de alma do senhor primeiro-ministro, aumentando a despesa pública… E como tal não há aumentos para ninguém!
Claro que não irá faltar o argumento do aumento do salário mínimo e da reposição de vencimentos e de pensões, porém todos sabemos que isso é  mentira.
Por exemplo, qual é a família portuguesa que, após a martelada reposição, está em condições de comprar casa com o mesmo peso no orçamento familiar que teria no ano 2000?

17.11.19

Mexericar

Praia de Carcavelos
Ora aí está uma palavra que eu não devo utilizar, pois 'não é própria de gente educada' - mexericar.
Diz o escritor Joel Neto que «se a literatura não vencer os grilhões do seu tempo não serve para nada», como se o inimigo fossem as redes sociais, espaço de mexericos... 
O escritor parece querer ignorar que uma boa parte da literatura ocidental teve origem no mexerico e que, em muitos casos, se limitou a tricotar a vida alheia.
Parece-me que as redes sociais são um dos 'lugares' onde o escritor pode beber as intrigas do seu tempo - claro que se não tiver o engenho e arte, nunca ganhará a batalha!
Por mim, não me interessa intrigar, apenas confesso que, ontem, ao anoitecer, fui, a pedido, à praia de Carcavelos e por lá tudo estava sossegado. A brisa era suave, a temperatura desceu aos 10 graus, a ondulação leve... Só não senti o cheiro do mar, e talvez a culpa fosse das minhas narinas...
Em conclusão, não tenho jeito para mexericar.

16.11.19

Bem tento ver apenas o trigo...

"- Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo, ajuntai-o no meu celeiro."
Mateus 13...

Há tarefas que me trazem de volta a parábola do trigo e do joio, mas que, pensando bem, não posso aplicar sem reservas nesta minha função, em particular, por estes dias… 
Arrancar o joio numa escola, oficialmente, inclusiva? Nem pensar! Que medre sem obstáculos, mesmo que asfixie o trigo…
Queimar o joio no final do ano letivo numa escola sem retenções? Impossível!
Do trigo que sobrar, o Senhor acabará por me perguntar por que motivo a tulha anda tão vazia…
Creio que o Senhor nunca terá imaginado - passe a blasfémia! - que o melhor seria não ter criado a erva daninha.
Por mim, bem tento ver apenas o trigo, mas o que oiço e leio dana-me os ouvidos e entorta-me os olhos.

15.11.19

Uma chave esquecida

Em composição
E se uma chave esquecida fosse capaz de provocar um pesadelo?
é bem provável! Qualquer lapso pode ter consequências indesejadas… No entanto, a interpretação do sonho parece apontar para a necessidade de não falhar os pagamentos à Segurança Social, pois esta é implacável com os faltosos, indo ao ponto de recorrer à penhora de quem se encontre nas redondezas…
Ora uma chave esquecida (e nunca mencionada) pode ser o meio para 'recuperar' uma autocaravana, anteriormente vendida, dando início a uma longa viagem por vales e montanhas, sem qualquer remorso…
O problema é que toda a viagem tem um fim, trazendo à tona a necessidade de devolver o veículo, esperando que o novo dono não tivesse dado conta do seu desaparecimento…
Ainda se o sonho tivesse sido interrompido e a memória dele apagada, mas não… a infração continua presente. Há mesma uma tentativa desesperada de convencer o proprietário, mas quem atende o telefone é uma criança que nada questiona, apenas ouve… até que uma voz pesada ordena: - Desliga o telefone!
Ciente de que o crime foi descoberto,  o ladrão procura um público (no caso, à beira de um coreto de um jardim familiar) que lhe possa aliviar a consciência ou, sobretudo, ajudá-lo a encontrar argumentos que lhe evitem os calabouços… e é, então, que, no meio da esplanada, avista o bastonário que, de imediato, lhe assegura que nunca tomou nota de um caso daquele tipo, mas que há solução para tudo… e no ato pede-lhe o número de telefone…  e 500 euros adiantados para dar início à defesa.
Felizmente que tudo não passou de sonho repetido, à exceção da cartinha registada da Segurança Social e da chave da autocaravana  já  deitada fora, que não da maldita memória…