22.2.21

Espírito de serralha

 


«Qualquer espírito de homem é um lugar de experiência virtual.» Claude Lévi-Strauss, O Totemismo hoje

Talvez seja por isso que, por vezes, começo a pensar na minha natureza vegetal, já que da animal não consigo determinar a fronteira entre as diversas categorias a que pressinto, também, pertencer.

É certo que alguns vegetais marcaram os dias da minha infância e nem sempre de maneira positiva, mas se tivesse de me enraizar optaria pela serralha, bravia e leitosa…

Esta ideia de ter tido um passado leguminoso é um pouco obscura, porém é melhor que o prometido pó, já desfeita a cinza…

Será que os deuses teriam piedade da minha pequenez se esculpisse uma serralha no meu corpo?

20.2.21

À porta

 Bem sei que é difícil aceitar que o futuro possa repetir o passado. No entanto, se pensarmos no que está a acontecer, certos comportamentos são a reprodução de ações anteriores cuidadosamente dissimuladas.

O prémio (ou castigo) de vida não está guardado para ser usufruído na outra margem. É aqui, nesta margem, que o PRESENTE premeia (ou castiga) o passado.

Tristemente, nesta margem, insistimos em bater à porta do palácio, mas lá já não mora a ventura.

19.2.21

Não incomodar...

 

Descia, a cismar… Lá estava, silencioso, o pavão.

A minha preocupação imediata foi não o incomodar. A simples ideia de que a minha presença o levasse a afastar-se enerva-me. Mas não, desta vez, ele continuou na sua rotina e eu segui na minha…

Creio que a vida seria mais autêntica, se incomodássemos menos...

De qualquer modo, por hoje,  não quero incomodar mais.

17.2.21

Desço...

 

De manhã.

No silêncio, só os pavões dialogam entre si. Sobre o quê? Nunca soube. 

(Ouço-os com alguma frequência, estridentes.)

Na árvore, em silêncio, periquitos de colar esperam que o Sol lhes devolva a zoada.

Eu desço, junto ao muro, sem plano, apenas atento ao movimento de um ou outro carro...

Desço só, a pensar na próxima curva, na incerteza que ela esconde, porque tudo o resto é algaraviada.

15.2.21

Estou confiante!

Os Presidentes já foram vacinados, o Primeiro, também, sem esquecer a ministra da Saúde. E depois, há uma série de individualidades estratégicas que também foram vacinadas sem esperar pelos presidentes… Mas entende-se: são essas individualidades que aconselham e, frequentemente, decidem.

Por isso estou confiante. Sei que estou em boas mãos! É só esperar… Virtude única que nunca me faltou: a paciência. Tempos houve em que cheguei a ser conhecido como o «pai» da paciência.

Irritado? Só se o Atlântico subisse o Tejo e entrasse pela minha janela! Mas isso é previsão do filantropo Bill Gates…

14.2.21

No dia 14 de fevereiro de 286

  No dia 14 de fevereiro do ano 286, o Bispo Valentim foi morto à paulada e, posteriormente, decapitado na via Flaminia.
Porquê? Porque desrespeitou o propósito do Imperador Marco Aurélio Valério Cláudio de construir um exército poderoso, mobilizando os jovens para essa causa, o que implicava proibir os casamentos.
O bispo cristão, que desprezava o culto monoteísta do deus Sol, combateu o militarismo de Claudio II, casando os mancebos em segredo.

Como se vê, o negócio daquele tempo era outro... mas quem quer saber? 
Depois a veneração do bispo Valentim serviu as igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente… 
E hoje o Sol brilhou!

12.2.21

Contas mal explicadas

 

Em 15.000 óbitos, 10.000 dos falecidos tinham mais de 80 anos.
Este é um número, embora revelado, pouco escrutinado - no discurso público e privado surge como uma inevitabilidade. 

O maior número de óbitos concentra-se entre as pessoas com mais de 80 anos, com 10.060 (+103) mortes registadas desde o início da pandemia, seguidas das que tinham entre 70 e 79 anos (3.117 +33), entre 60 e 69 anos (1.288 +10), entre 50 e 59 anos (382 +2), 40 e 49 anos (135 =) e entre 30 e 39 anos (38 +1).

Há ainda 10 mortes (=) registadas entre os 20 e os 29 anos, duas (=) entre os 10 e os 19 anos e duas (=) entre os 0 e os 9 anos.

Observando o modo como os números se distribuem diariamente, creio que as medidas de confinamento, tomadas até aqui, afundarão a economia e continuarão a ceifar os mais frágeis, porque a ação no terreno é manifestamente insuficiente.