28.2.21

Uma gota de sangue!

 


Do que observo e da informação que vou colhendo, parece que o confinamento já teve melhores dias. Nas ruas e nos jardins, a circulação é contínua, em modo familiar - a pé ou de bicicleta, com ou sem perro. Não vivêssemos no seculo XXI, e pensaria que tudo o que está a acontecer seria ação de Mefistófeles…

Uma gota de sangue, em troca de um remoçamento, de uma conversa de circunstância, de um chega para cá, com ou sem selfie.

Uma gota de sangue, e o cansaço desaparece no paredão, mesmo que não muito longe se acumulem os caixões…

25.2.21

Apontamento de fevereiro

 

Insatisfeito com as notícias que vou recebendo, regresso ao FAUSTO.
Foi em 2013 que me iniciei na leitura de Goethe, embora em tempos já tivesse lido As Mágoas do Jovem Werther.
Esta abordagem surge-me como primeira, apesar deste blogue, se consultado, assegurar o contrário. Se nem eu próprio me lembro do que fui escrevendo!
De qualquer modo, já não me interessa decifrar o significado global da obra… apenas começo a dar atenção a certas reflexões que as personagens vão expondo. Por exemplo:

O Senhor: - Nada mais tens a dizer-nos? Nunca virás senão para te queixar? E, na tua opinião, nada há de bom sobre a terra?

Mefistófeles: Nada, Senhor: tudo corre perfeitamente mal, como sempre; os homens fazem-me pena nos seus dias de miséria, a tal ponto que sinto remorsos de atormentar a pobre espécie humana.

23.2.21

O círculo maldito

 




A Associação de estudantes da Escola Secundária de Camões organizou um debate sobre a escravatura e o racismo no Zoom. A certa altura o ecrã foi invadido por suásticas, ameaças racistas, saudações nazis e imagens violentas.




Pouco interessa a ponte e quem a atravessa. 

O olhar fixa-se num círculo bem delimitado, alheio ao curso do dia...

Talvez a noite desperte para um círculo maior, embora indistinto.

A nódoa, sim, devia perturbar o olhar. 

22.2.21

Espírito de serralha

 


«Qualquer espírito de homem é um lugar de experiência virtual.» Claude Lévi-Strauss, O Totemismo hoje

Talvez seja por isso que, por vezes, começo a pensar na minha natureza vegetal, já que da animal não consigo determinar a fronteira entre as diversas categorias a que pressinto, também, pertencer.

É certo que alguns vegetais marcaram os dias da minha infância e nem sempre de maneira positiva, mas se tivesse de me enraizar optaria pela serralha, bravia e leitosa…

Esta ideia de ter tido um passado leguminoso é um pouco obscura, porém é melhor que o prometido pó, já desfeita a cinza…

Será que os deuses teriam piedade da minha pequenez se esculpisse uma serralha no meu corpo?

20.2.21

À porta

 Bem sei que é difícil aceitar que o futuro possa repetir o passado. No entanto, se pensarmos no que está a acontecer, certos comportamentos são a reprodução de ações anteriores cuidadosamente dissimuladas.

O prémio (ou castigo) de vida não está guardado para ser usufruído na outra margem. É aqui, nesta margem, que o PRESENTE premeia (ou castiga) o passado.

Tristemente, nesta margem, insistimos em bater à porta do palácio, mas lá já não mora a ventura.

19.2.21

Não incomodar...

 

Descia, a cismar… Lá estava, silencioso, o pavão.

A minha preocupação imediata foi não o incomodar. A simples ideia de que a minha presença o levasse a afastar-se enerva-me. Mas não, desta vez, ele continuou na sua rotina e eu segui na minha…

Creio que a vida seria mais autêntica, se incomodássemos menos...

De qualquer modo, por hoje,  não quero incomodar mais.

17.2.21

Desço...

 

De manhã.

No silêncio, só os pavões dialogam entre si. Sobre o quê? Nunca soube. 

(Ouço-os com alguma frequência, estridentes.)

Na árvore, em silêncio, periquitos de colar esperam que o Sol lhes devolva a zoada.

Eu desço, junto ao muro, sem plano, apenas atento ao movimento de um ou outro carro...

Desço só, a pensar na próxima curva, na incerteza que ela esconde, porque tudo o resto é algaraviada.