«Estão ali a chamá-lo para ir assistir a um parto, na Serra».
Levanto-me estremunhado, visto-me à pressa, e espreito por uma fresta da janela.
Amanhecia.
E dum céu cinzento e calmo, peneirava-se uma chuva miudinha, de molha parvos.
Abro a porta da rua.
Um recoveiro com um macho albardado seguro pela arreata, elucida-me:
— «É para ir tirar uma criança à Ti Maria Farrapeira, lá na Serra...».
Há quanto tempo está em trabalho de parto? Inquiri.
«Trabalho... Trabalho... Há quinze dias que não faz nada. Desde que lhe deram as dores».Assim se inicia o livro "SERRA! Caminhos de um médico" de Vasco de Campos, ed. Moura Pinto
Sobre este médico (e escritor) nada sabia até chegar à Ponte das Três Entradas. (Como não gosto de pontas soltas, aqui deixo algum trabalho de férias.)Ao olhar para uma placa, na entrada do camping, percebi que o homem se revia no pequeno Alva, que por ali fluía. Entretanto, ao deslocar-me a Avô, verifiquei que o Centro Cultural, também, tinha como patrono Vasco de Campos. Por outro lado descobri que o município de Oliveira do Hospital não só lhe atribuiu e requalificou uma praça na sede do concelho, como lá lhe colocou, em 2006, o busto.
(… Entretanto, vou pensando no exemplo da Escola Secundária de Oliveira do Hospital a cuja BIBLIOTECA ESCOLAR foi dado o nome de Dr. VASCO De CAMPOS… e naquelas escolas por onde passaram e se formaram tantos ilustres escritores, embora alguns tenham dificuldade em aceitá-lo... E não entendo a amplitude do anonimato…)
E não me sai da cabeça aquele taxista que me explicou que, noutros tempos, quando o médico Vasco de Campos residia em Avô ou, mais tarde, na Ponte das Três Entradas, ele era uma figura insubstituível naqueles vales e montes, sobretudo nos invernos rigorosos, cavalgando o macho para acudir a um parto, a uma pneumonia, a uma tuberculose, indiferente à riqueza ou à pobreza do paciente. E que muitas vezes para além de nada cobrar ainda mandava pagar a conta na farmácia. No entanto, o tom utilizado pelo taxista ao referir “noutros tempos” lançou-me numa obscura reflexão sobre a relação do médico com a comunidade local… Apesar de se adivinhar na voz do taxista a gratidão de quem também beneficiara do zelo do médico, via-se que algo o preocupava, como se o imobilismo local também fosse da responsabilidade do ilustre médico, poeta e pioneiro agrónomo e turístico.
(Num outro registo, ia ouvindo, na rádio que, em Agosto, em Pedrógão Grande, só havia um médico de serviço.)
PS: A minha obscura reflexão desanuviou-se um pouco quando li o seguinte: A Sociedade de Defesa e Propaganda de Avô (SDPA) está a comemorar as bodas de ouro. Fundada oficialmente no primeiro dia de Maio de 1957 pelo médico e escritor Vasco de Campos. Parece, no entanto, que a Sociedade de Defesa e Propaganda de Avô evoluiu pois “neste meio século de existência a SDPA tem-se vindo a revelar como a principal alavanca do desenvolvimento da vila de Avô, sobretudo nos domínios da cultura e da acção social. Impulsionadora do Centro Cultural Vasco de Campos, em 19 de Junho de 1993, a SDPA – uma instituição de utilidade pública - tem-se concentrado ultimamente na área da acção social. Em 2004 inaugurou um lar de idosos na antiga e histórica vila, hoje frequentado por cerca de 40 utentes. Presidida pelo presidente da Junta de Freguesia local, Aristides Gonçalves, a SDPA possui ainda um ATL, frequentado por 26 crianças, e é a entidade gestora da ilha fluvial do Picoto – um dos mais belos espaços de veraneio do concelho de Oliveira do Hospital. A instituição, que é hoje o maior empregador local, prepara-se agora para construir o primeiro Lar de Acamados do concelho. Trata-se de um investimento de cerca de um milhão de euros – com capacidade para 22 utentes – que a SDPA espera inaugurar num espaço de dois anos. O novo edifício, com uma área de cerca de 800 metros quadrados, será um prolongamento do actual lar, passando a serem comuns os serviços aos utentes. Presente na cerimónia dos 50 anos da instituição avoense, o presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, Mário Alves, comprometeu-se a apoiar o novo desígnio da SDPA, pois conforme considerou a SDPA "tem estado na primeira linha da cultura e acção social no concelho".
A descoberta desta SDP lança-me outro desafio: quantas SDP terão sido criadas durante o Estado Novo? E Onde? E o que é feito dessas “sociedades”?