1.3.10

Em tempo de mentira…

Despe-te de verdades/ das grandes primeiro que das pequenas/ das tuas antes que de quaisquer outras /abre uma cova e enterra-as / a teu lado (…) Discurso ao príncipe de Epaminondas, Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, 1956.

E se lançássemos  este grão à terra, agora que ela está tão macia!

27.2.10

Moinhos

 (Se eu bem compreendi o Professor Jorge Ramos do Ó, os primeiros moinhos são coevos da minha infância, e os segundos contemporâneos da minha adolescência – construção da Escola, em particular dos Liceus. Perante o adiamento da idade da reforma, pareço condenado a nunca sair da adolescência!)

Outrora, aos 10 anos, a criança ao entrar no mundo do trabalho tornava-se de imediato adulta. Uma criança adulta, incapaz de se adaptar à mudança tecnológica, ao ritmo exigido pela produtividade…A Escola pública do início do século XX resulta da necessidade de produzir um proletário mecânica e moralmente adaptado às novas necessidades de produção. Deste modo, foi criado um longo período de aprendizagem cujo termo significava, para quem o superasse, a entrada no mundo do trabalho, devidamente formatado e moralmente adequado.

Esta engrenagem mecânica e moral  apostou na adolescência para dar corpo às juventudes fascistas e comunistas que nos campos de batalha cometeram as maiores atrocidades em nome da superioridade da raça ou da classe. Durante muito tempo saiu-se da adolescência para o campo de batalha,  criando a ilusão que o trabalho nunca faltaria a quem a Escola acomodasse para a vida activa.

Se houver coerência neste meu raciocínio, Jorge Ramos do Ó terá razão ao afirmar que na Escola nada mudou nos últimos 100 anos. Não mudou a Escola mas mudou o Mundo. A organização, disciplina e conteúdos propostos pela Escola já não são necessários, sobretudo desde que a escolaridade se tornou obrigatória (4, 6, 9, 12 anos).

Chegámos a uma encruzilhada, em que ou alargamos a escolaridade até aos 35 anos e, consequentemente, a adolescência, ou encerramos as Escolas e o respectivo paradigma. Às portas do caos, acabaremos por medir forças mais uma vez, a não ser que o planeta ponha fim à aventura humana.

24.2.10

…a existir só agora pode ser

(…) “Podes partir. De nada mais preciso / para a minha ilusão do Paraíso.” David Mourão-Ferreira


Se o Paraíso não está nem antes nem depois, a existir só agora pode ser, o que pressupõe que as categorias de passado, presente e futuro não passem de dimensões do agora. E creio ser essa a procura do existencialismo que para se afirmar, rejeitando o passado e o futuro, inaugura o parque da memória, escalando os prazeres em sedução, conquista e história dita /escrita.

Olhando um pouco mais de perto, embora não o tenha dito, foi essa a lição do poeta Vasco Graça Moura, ao convidar-nos a dizer, ouvir, memorizar os versos do David Mourão-Ferreira. Em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo.

22.2.10

A ribeira do Funchal…

 Dia 29 de Outubro de 2004. Naquela data, pensei que havia alguma coisa de errado. Quase seca e suja, a ribeira destoava naquele jardim… como se tivesse sido esquecida. De súbito, acordou e afogou a cidade num mar de lama e de morte.

/MCG

21.2.10

Esc(re)ver…

Escrever, quando as forças da natureza reivindicam o espaço que lhes foi sonegado, ontem, na Madeira, hoje, sabe-se lá, no Continente, pode parecer um acto de alheamento. No entanto, escrever tanto pode ser sobre  leitos de rios, ribeiras e arroios que foram ocupados pela ignorância ou pela cobiça dos homens, sobre as encostas e as falésias a quem inadvertidamente matamos os socalcos ou sobre o alfaiate, que, sozinho, insiste em varrer o lodo Tejo e engolir todas as  minhocas que lhe surgem.
E também se pode escrever sobre o Poeta (D. M-F.) que anunciava ao mundo (ou seria às mulheres?): «Prazeres que prefere: os que o papel e a pele lhe proporcionam». Os prazeres tácteis, diria eu, de quem não resiste à tentação de sentir o mundo na ponta dos dedos!
Escrever é, assim, dar luz ora à pele ora ao osso, sem esquecer uma certa adiposidade que os  pode enredar. E a propósito, não posso deixar de me interrogar sobre a tradução do título de um filme de François Truffaut LA PEAU DOUCE, em português, ANGÚSTIA, estreado em Portugal a 8 de Outubro de 1965. A doce pele da jovem Nicole que incendeia e arruína Pierre Lachenay, traduzida em português, perde a força perturbadora que o corpo irradia para se transformar num sentimento decadente e irreversível – angústia. Malhas que o império tecia!

19.2.10

Uma boa notícia…

Fernando Nobre não tem qualquer hipótese de chegar à presidência! No entanto, vai obrigar os políticos a repensar as dimensões da acção política. No essencial, Fernando Nobre é herdeiro de Lurdes Pintassilgo cujo tempo político foi efémero… Será Fernando Nobre capaz retomar os valores da antiga primeira ministra?

16.2.10

O Tejo

 Nas estradas do passado, há uma que, a espaços, reaparece. O Tejo. Ultimamente, vem ocupando cada vez mais espaço. Aqui, em Alhandra, em dia chuvoso de Carnaval, o Tejo corre cinzento, cor de cimento… pronto a mudar de mãos com o consequente empobrecimento das populações ribeirinhas, já de si tão abandonadas. Os sinais de decadência estão à vista. Basta olhar as casas em ruína, a sinuosidade das vielas. Nem Deus se mostra disponível, tão íngreme é a escadaria! 
O Tejo devia ser uma via nobre e estruturante do nosso crescimento; pelo contrário, arrasta-se ora tímido ora revoltado sob o olhar indiferente dos governantes que só se lembram dele para construir mais uma via rápida, como se ele não passasse de um escolho...