19.2.13

Num país perdido

« Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...»
                        Inscriptio, de Camilo Pessanha

Ontem como hoje, a partida é silenciosa e envergonhada, não porque a alma se tenha deixado dominar pela volúpia e pela abulia, mas porque neste país falido a luz cedeu o lugar às trevas...
As trevas cercam-nos despudoramente!
 
Também eu vi a luz num país perdido!E fiquei, ao contrário de Pessanha que preferiu perder-se no Oriente.
 
 

18.2.13

O direito

«O direito deve ser não um instrumento de força de alguns, mas a expressão do interesse comum a todos.» Joseph Ratzinger, 2004
 
I - Em Portugal, em nome do direito, os governantes recorrem às armas do terror, desrespeitando completamente o interesse comum. Dia após dia, aumenta a instabilidade, levando a gestos insanos. Infelizmente, ninguém os contabiliza!
Paradoxalmente, estes governantes dizem-se concordantes com a doutrina social da Igreja e não se inibem de exibir o currículo, onde, salvo raras exceções, se regista que a maioria foi formada pela Universidade Católica  Portuguesa.
(...)
 
II - Em nome do direito, tomei, hoje, conhecimento do seguinte esclarecimento feito por um Centro de Formação de Professores:
Relativamente ao requerimento apresentado pelo ..., informo que de acordo com o nº 5, do artº 10º artigo, do despacho normativo nº 24/2012, “ a desistência da observação de aulas por parte de um docente que apresentou o requerimento previsto no nº 2, determina a obtenção de uma classificação máxima de Bom no respectivo ciclo avaliativo."
«Mais informo que esta informação deverá ficar registada no processo individual do referido docente.»
 
Esta nota pode parecer insólita, mas serve como sanção por ter desistido de ser avaliado externamente, lembrando ao docente que, em 2015, no final do ciclo avaliativo, não poderá obter uma avaliação superior a BOM.
No entanto, não deixa de ser estranho que o mesmo docente seja obrigado a fazer parte da comissão de avaliação interna da escola a que pertence e, sobretudo, que seja obrigado a desempenhar o papel de avaliador externo para que já está designado.
Em consciência, não se entende como é que o mesmo docente poderá estar disponível para atribuir menções de excelente e de muito bom! O melhor seria excluí-lo de vez!
 
 
 

17.2.13

Frases em espiral

Quando as frases se prolongam em espiral, as vírgulas acompanham a preguiça do raciocínio; os planos misturam-se inadvertidamente, causando uma inevitável catástrofe comunicacional...
 
... Por isso não é de estranhar que os hipónimos acompanhem os hiperónimos.
Exemplo: Mário Sá-carneiro, famoso poeta e escritor português...
Apesar da regra impor que os poetas são todos escritores e de clarificar que nem todos os escritores são poetas, a preguiça de raciocínio subverte naturalmente o princípio adquirido.
 
E também deixou de ser estranho que se possa amalgamar os pronomes complemento "o" e "lhe".
Exemplo: «Quando chegou lhe levaram a um homem de nome Peter Mendo.»
Na verdade é mais cansativo dizer: Quando chegou levaram-no a um homem de nome...»  
 
E para não me tornar cansativo, acrescento apenas mais um exemplo de incorreta utilização da preposição.
Exemplo: «Quatro anos após o regresso para Inglaterra...», em vez de «a Inglaterra»
 
Bem pode o professor insistir na necessidade de rever os textos! Só que a revisão exige tempo e força de vontade!
 


16.2.13

A dúvida de Ratzinger

Depois de ler a tradução de um debate entre Habermas e Joseph Ratzinger (2004), começo a perceber o motivo da resignação de Sua Santidade: a dúvida.
Se Ratzinger tivesse passado pelo Tribunal do Santo Ofício teria sido queimado.
Lá, no fundo, o cardeal teólogo, à época, era um ferveroso racionalista que, apesar de bem saber que a Razão produziu a bomba atómica e que, ao mesmo tempo, começou a procurar fabricar um novo homem no laboratório, via as religiões como imagens do mundo, quase sempre fundamentalistas e, assim, desrespeitadoras dos direitos do homem e da natueza (jus natural).
Dir-se-ia que a Fé de Ratzinger não era (não é?) inabalável e por isso o caminho que a Razão lhe impunha era o do ecumenismo ou, ainda menos, ambíguo - o caminho da interculturalidade.
Deste modo, Ratzinger, como Papa, esteve à frente de uma poderosa instituição de cultura assente no princípio de uma FÉ que para si nunca fora inabalável.
Dir-se-ia que a vida deste Papa é uma vida de tormento interior e, sem dúvida, objeto de suspeição permanente.
Espero, assim, que, depois de 28 de fevereiro, Sua Santidade ainda encontre tempo para confessar o que se passaria verdadeiramentte na sua consciência durante os anos de papado.
  

15.2.13

À espera

Prisioneiros, rodamos sobre nós próprios, à espera que o maná caia do céu. Estamos há demasiado tempo à espera!
O Governo espera que a austeridade nos ensine as virtudes da precariedade. A oposição espera que o Governo se demita de vez. Os credores esperam que nos imolemos na ara do capital.
 
Ultimamente, até os meteoritos e os asteróides se tornaram objeto da nossa espera, sem esquecer que, no íntimo, também esperamos que o novo Papa venha a ser português ou, pelo menos, lusófono.
 
Claro que, também, há quem espere que o Sporting seja despromovido!
 
Desde Alcácer Quibir que esperamos!
 
Eu, por mim, também espero, não sei é por quanto tempo!
 
 

14.2.13

A origem da espécie

 
O Papa retira-se cerimoniosamente e promete remeter-se ao silêncio.
O ajudante Viegas, secretário de estado da cultura, retirara-se titubeantemente... Esperar-se-ia uma longa convalescença!
Mas não, os literatos não resistem:
 
Eis em que pára a Antiga Academia,
Depois que a mãe Sandice  o cu tanchara
Nas cristalinas águas do Mondego,
Transformado o museu num cagatório,
E mudado o anatómico escalpelo
Em pena gazetal, que asneiras verte.
José Agostinho de Macedo (1761-1831), excerto de OS BURROS