21.3.13

Em deformação

Comprometer-me, eu!?

- Cada macaco no seu galho!
- Senhora doutora, eu não quero saber de nada!
- A minha preocupação é evitar o ruído!
- É necessário simplificar!
- Eu não quero é que haja recursos!
- Eu sou uma pessoa cautelosa! Sempre fui assim!
- Agora estou aqui, amanhã posso estar aí!
- A sério, o que é preciso é conhecer o decreto regulamentar...

Sala polivalente, em anfiteatro, aberta sobre a cidade. Os olhos perdem-se longamente no casario que vai crescendo em direção à linha do horizonte, de forma que a serra e o mar se esfumam.
Os edifícios dispõem-se em pesados volumes horizontais, para, depois, se elevarem verticalmente como se quisessem fugir para o cinzento do céu.
Telhados e terraços escondem vidas sempre distantes e, aqui e acolá, um cedro sombrio, um abeto esbracejante e um pinheiro altivo assinalam outros tempos, outras gentes mais próximas do que estas, minhas irmãs, que insistem num diálogo impossível...
De tal modo, o olhar procurou o arquiteto que desenhou esta dimensão-duração que percebi que também estava em deformação.  
 
 

20.3.13

O blogueiro também é um Fala-Só!

O título é emprestado e serve para resumir o que acontece a quem escreve neste blogue - um Fala-Só. Mas nem sempre se está só. Quero acreditar que os verdadeiros escritores, mais do que narcisos comunicantes, são seres que se habituaram a dialogar silenciosamente com as vozes do quotidiano. Só que essas vozes ora lhe estão próximas ora distantes.
Os blogueiros não são, em regra, escritores, mas encaixam bem nas motivações e nos objetivos definidos por José Rodrigues Miguéis - blogueiro avant la lettre.
   
«O homem que escreve por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender, exprimir e comunicar, objectivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se, disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer, mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!...

(…) É pois um narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive – a sós. Porque escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 31, Do homem no escritor (e vice-versa)

19.3.13

Dissonâncias ambientais e resiliência

Ao ouvir um programa radiofónico (TSF) sobre o Parque Natural do Alvão não pude deixar de me surpreender com a repetição da expressão «dissonâncias ambientais». Inicialmente, pensei que a invernia estivesse a afetar o canto das aves. Mas, não!
O entrevistado explicou que encontrar um frigorífico no leito de um rio é um exemplo de «dissonância ambiental». O mesmo se poderá dizer de todo o tipo de entulho lançado para a floresta ou para o espaço...
Compreendi a ideia e fiquei a pensar na expressão.
Na mesma entrevista, fui surpreendido por outro significante - «naturalizar». No caso, como o agente é a Natureza, é-me mais fácil aceitar a inovação linguística: esta não só é capaz de integrar «as dissonâncias ambientais» como as transforma em novas formas de vida. 
De qualquer modo, fiquei sensibilizado com as iniciativas que visam uma educação ambiental capaz de pôr cobro às «dissonâncias ambientais».  
 
Não posso, no entanto, deixar de pensar noutras «dissonâncias», como a troika, a classe política europeia e nacional. E espero que não sejamos tão resilientes como a Natureza, até porque nos falta o tempo humano.
No que me diz respeito, sou totalmente contra a «naturalização» destas dissonâncias predadoras.
 
PS. Já andava há uns dias a querer utilizar o termo resiliência. Foi desta! Lembro que é um termo que todos deveríamos banalizar, pois explica a política do governo: propriedade de um corpo (um país) de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação ( memorando)...

18.3.13

Desenhar...

Diz Álvaro Siza Vieira: «Desenhar é um vício desde menino (...) porque permite o lançamento de hipóteses de uma forma muito expedita e muito maleável (...) porque passou a fazer parte de um método de trabalho e de um hábito mental que depende muito desta relação entre as mãos e a mente.» Expresso, 16.03.2013

Nunca consegui desenhar nada que se aproveite, embora, a espaços, tenha tentado. Sempre me considerei desajeitado, mas nunca pensei seriamente na relação entre as mãos e a mente, embora as veja como um prolongamento dependente do olhar.
À medida que envelheço, vou tomando consciência de que o desajustamento desta tríade - mente, olhos, mãos - me condiciona diariamente a ação, e creio, agora, que sempre me condicionou.
E como não acredito no inatismo, sou levado a pensar que conheço a causa, embora a não confesse. Porquê? Porque não faz sentido ajustar contas com o passado. No entanto, o recalcamento é o pior inimigo da harmonia necessária à coordenação da ´tríade - mente, olhos, mãos - e do desenvolvimento de automatismos mentais capazes de acrescentar e melhorar a realidade.
O tempo corre, e o desenho não surge. Agora, a tríade é outra: mente, ouvidos, pernas...


 

Urgências

Hospital de S. José, Lisboa
 
(Dezenas de doentes esperam pacientemente, e não é por Godot!)
 
Chegada às 18 horas.
Atendimento às 23 horas.
Duração da consulta: 40 minutos. Sempre a registar os sintomas declarados pelo paciente. Fica-se sem saber se o médico tem acesso ao longo historial do paciente no sistema nacional de saúde e, sobretudo, naquele hospital.
 
Os dados dos doentes estão ou não disponíveis numa base de dados nacional? Se estivessem a triagem decorreria obrigatoriamente de outro modo e o tempo de espera e de atendimento seria bem menor...
 
Conclusão: Não necessita de mais exames de diagnóstico, para além da incidência na tensão arterial e na reflexologia.
Taxa: 20 euros e 60 cêntimos!
 
Afinal, o que é que poderá ter levado o paciente à urgência? Certamente que não terá sido a vontade de  pagar 20€ e 60,  mais 6€ e 75 de estacionamento no bem frequentado parque do Martim Moniz.
À meia noite, a praça está entregue a si própria! As arcadas do Centro Comercial completamente lotadas de sem-abrigo, com a curiosidade de alguém ali ter instalado uma tenda de campismo!
Parece-me uma boa ideia! O António Costa ainda está a tempo de ali mandar instalar um parque de campismo, até porque o hospital de campanha já lá está...
 
Em síntese, os amadores continuam a dar cartas e a desperdiçar os escassos recursos do país!
 

16.3.13

Programação do caos

«À extensão-duração ou dimensão-tempo de cada ser ou coisa corresponde um padrão, uma noção própria, subjetiva, da amplitude do seu movimento, ritmo ou duração. À chacun son temps! O universo transborda de «tempos» ou medidas de tempo as mais variadas.»José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 27
 
A pequenez do homem resulta não só  da sua incapacidade de compreender a multiplicidade de «tempos» que constituem o universo mas, sobretudo, da insistência de uma minoria em subjugar milhões de outros homens.
A liquidação do trabalho é provavelmente o meio mais eficaz para alienar o homem, para lhe reduzir o tempo de vida, isto é, a sua «extensão-duração».
O homem sem trabalho torna-se indigente, misantropo, egoísta e tendencialmente suicida. Se consciente, acabará por mergulhar na depressão, procurando sumir-se.
A pobreza intelectual da atual classe política está a ser utilizada pelos grandes predadores para levar a cabo a programação do caos.

15.3.13

O tempo humano


Canção gitana
Le dijo el Tiempo al queré:/ Esa soberbia que tiene / Yo te la quitaré! -  José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 26: O Tempo disse ao Amor:/ essa soberba que tens / eu ta hei de tirar!)
 
JRM também refere que «o tempo humano, a nossa cronometria, é a nossa própria vida em curso medida ou contada em latejos cardíacos, a transformação contínua ou progressiva da espécie e do seu mundo.»
 
Os resultados da 7ª avaliação são claros quanto ao desprezo do tempo humano, dos latejos cardíacos de milhões de portugueses, como se o tempo absoluto os quisesse devorar, dando expressão ao mito de cronos, ou, melhor, espelhando a ação dos  nossos irredutíveis credores.
No entanto, ao contrário da lição gitana, os latejos cardíacos, mais cedo  ou mais tarde, hão de pôr termo à usura.