14.9.13

Dona Dolores, aos 91 anos

Dona Dolores fez hoje 91 anos! O coração e a cabeça continuam a coadjuvar-se no combate à porosidade óssea...
Esta longevidade não a inibe de se mover num espaço fechado como se ele fosse uma miniatura do mundo: no seu território, nada escapa ao seu olhar felino e, sobretudo, a um amontoamento de memórias que lhe trazem de volta o passado sob a forma de presente...
Ouvindo-a, rapidamente sentimos que, a qualquer momento, da multiplicidade de molduras pode libertar-se um espetro que retoma o lugar original... para ali ficar, sem se queixar, à espera de louvor ou de censura...
E esse louvor ou censura são condicionados pela resposta a uma simples questão: - aos 91 anos, ainda estou jovem, não estou?
 

13.9.13

Por ventos e marés!

A globalização é, hoje, o maior inimigo do estado-nação. No caso português, desde que as várias fronteiras se extinguiram que a soberania se foi esfumando. Ora, a perda de soberania carateriza-se pela morte da identidade - um traço distintivo da pós-modernidade.
A expansão portuguesa tinha dado um poderoso contributo para a afirmação da modernidade. Percebe-se agora que o nosso ciclo se fechou com o fim da expansão, atirando-nos para a situação de estado-minoritário que nem a adesão à união europeia conseguiu disfarçar. Entrámos assim na pós-modernidade, ficando à mercê de modelos globais cujo  objetivo primeiro é desmantelar o que resta do estado-nação.
Infelizmente, há cada vez mais gente conivente com este "ajustamento estrutural" que, no que respeita à educação, começa na formatação de professores e alunos e acaba na descaraterização da escola pública, tornando-a alforge de descamisados.
O dia de hoje foi penoso porque, em vários momentos, percebi que a formatação vai, alegremente, cavando a sepultura da nação portuguesa. Por ventos e marés, singramos na esperança de que os bem-aventurados chegarão a bom porto...

12.9.13

Rosalino ou será Rosalindo?

A esta hora já não me apetece dizer mal de ninguém. Estou a pensar em mergulhar nas páginas do Aquilino, com uma ideia atravessada: a Agustina Bessa-Luís terá roubado alguns ambientes e, sobretudo, personagens femininas ao Aquilino. Mas se calhar estou enganado! Tudo não passará de uma coincidência! Num país pobre, rural e atrasado, é fácil que escritores diferentes se tenham entusiasmado com o mesmo protótipo...
Por outro lado, escrever neste setembro não faz qualquer sentido. De um lado, as ondas de calor; do outro, a propaganda - uma onda que submerge a paisagem, embebendo as pessoas num embuste inclassificável..
Há, no entanto, no meio tudo isto, um homem fascinante. De seu nome, Rosalino! De calva luzidia, angélico e sacerdotal, entra-nos pela casa dentro e não necessita de qualquer arma para impor cortes, a torto e direito, e aos milhões. E fá-lo de forma risonha, sem levantar qualquer tumulto!
Gosto do Rosalino! Tem sempre uma explicação, ao contrário da professora (ou da sósia?) que, para completar o vencimento, se expunha impudicamente na internet, ou daquele outro professor que, para esconder o desemprego, vai assaltando umas agências bancárias ou dos...
Estes não têm perdão! Apanhados, são censurados e condenados... Quanto ao Rosalino ( ou será Rosalindo!), nada a dizer! Pelo contrário...  

11.9.13

O ator político e as pensões de sobrevivência

Poiares Maduro explicou: - «Há muitas pessoas que julgam que as pensões de sobrevivência se referem a pensões para proteger as pessoas em maior fragilidade, que são pensões para garantir a sobrevivência. Não é isso a que se referem as pensões de sobrevivência. A pensão de sobrevivência é a pensão de alguém que sobreviveu ao cônjuge. Há pessoas que podem estar a ganhar 25 mil euros e que recebem uma pensão de sobrevivência e, no entanto, neste país, faz-se um debate assente num dado totalmente falso"...» (sic)

A Linguística costumava ensinar que a relação entre o significado e o significante resulta de uma convenção duradoura, e que o sentido da palavra só existe enquanto a comunidade respeitar essa convenção...
 
Não sei quem é que, hoje, ocupa o lugar da Linguística, mas parece-me que, para Poiares Maduro, esse papel cabe ao «ator político». O homem político perdeu o caráter e colocou a máscara. Não uma, mas a que for mais conveniente...
No discurso de Poiares Maduro, as convenções de sentido e os contratos dos cidadãos podem simplesmente ser rasgados. No centro da vida política, apenas ele, o iluminado, disserta sobre o significado da palavra «sobrevivência». Se o Governo, de que PM é porta-voz, tivesse razão,  melhor seria que propusesse uma revisão da terminologia ou, em alternativa, alterasse a Lei para que, apenas, beneficiassem da pensão de sobrevivência aqueles que, por razões de defesa da dignidade humana, dela necessitassem.
Não! O Governo prefere a chicana política e o corte indiscriminado!
Tudo não passa de uma questão de «aderência», como vem repetindo o nosso linguista e ilustre primeiro-ministro.

10.9.13

Rigorismo e hipocrisia

Voluntária ou involuntariamente, a Comissão Nacional de Eleições ( CNE) e as televisões estão ao serviço do Governo.
Quanto menor for a cobertura das eleições autárquicas, menor será a erosão dos partidos do Governo.
Lá no fundo, ao poder central, o que interessa é ocultar a trágica situação  vivida pelas populações, desviando, simultaneamente, a atenção para indicadores de retoma económica claramente manipulados. 
O rigorismo da CNE, inspirado no tão criticado excesso de zelo doutrinário do Tribunal Constitucional, é, afinal, um indício de que a mesma doutrina pode ser utilizada com objetivos opostos.

9.9.13

Alexandre Homem de Cristo: Do teu ombro direito vejo o mundo

Ao ler o artigo "Emendar os erros", de Alexandre Homem Cristo (i, 9 setembro 2013), não posso deixar de reparar que o título responde a um mote ou a um modo de ver: "Do teu ombro vejo o mundo".
A subordinação parece-me adequada, embora incompleta. O autor, tal como o governo, ainda está a tempo de emendar o erro, acrescentando um simples mas significativo adjetivo - Do teu ombro direito vejo o mundo
 
Estou a exagerar, como bem se perceberá, pois a ideia de que um investigador só veja o mundo do ombro direito enjoa-me.
No caso, o autor está zangado com a falta de lucidez do governo, pois continua a permitir que alguém, desajustado, envie para o Tribunal Constitucional leis que visam emendar a realidade do país.
Depois de aturado estudo, o investigador, não sei se sob a forma de tese de doutoramento, terá concluído que a responsabilidade da crise é dos privilégios de que, desde o Estado Novo,  beneficiam os funcionários públicos, nomeadamente, os professores, com o boicote à realização dos exames nacionais, pela mão dos sindicatos dos professores, prejudicando pais e sistema educativo...»
Gosto do exemplo, em particular da parte sublinhada. Costumo explicar aos meus alunos que, ao enumerarem, não devem misturar alhos com bugalhos - se apontam países visitados, não os devem misturar com cidades. No entanto, este investigador consegue meter no mesmo saco os pais e o sistema educativo. Tal como não se importaria que, em nome do seu ombro direito, o Tribunal Constitucional passasse a ignorar a Constituição!
Mas, no essencial, a mensagem é outra: um governo avisado deveria ser capaz de rasgar a Constituição ou, pelo menos, de a adaptar às necessidades reais do país.
Afinal, a direita do "investigador" Alexandre Homem Cristo  começa a estar farta do Governo de Passos Coelho, pois tem andado a perder tempo em vez de endireitar o país...   

8.9.13

A «esperteza saloia» enodoa

Sempre que um pingo de gordura cai sobre mim, vejo-o como uma nódoa pronta a desgraçar-me o dia. Em regra, essa fatalidade tem origem na minha desatenção ou na minha falta de preparação para lidar com a gulodice... Claro que há outros pingos mais desagradáveis, como os que podem cair sobre a minha cabeça ao atravessar um jardim, uma rua...
Em qualquer um destes incidentes, a náusea é pessoal e, em princípio, não incomoda mais ninguém!
 
Há, todavia, outra nódoa que contamina toda a gente, e que, pela sua porosidade, nos enodoa.
Já não é a primeira vez que me refiro ao nível de língua do primeiro-ministro, mas a sua insistência na «esperteza saloia» dos outros leva-me a pensar que ele, ao desconhecer o significado e a origem do termo «saloio», não vê que está a adotar um discurso xenófobo e, sobretudo, a revelar que de "esperto" nada tem .
Lembra-me sempre o inquisidor-mor que insistia em salvar a alma dos infelizes que caíam sobre a sua alçada, mesmo que para tal fosse necessário ordenar a execução pelo fogo.
Tal como o Inquisidor, o primeiro-ministro está convencido que foi escolhido para cumprir uma missão redentora e que os outros mais não são do que tristes saloios.
Este tipo de nódoa é trágico pela razão já apontada - enodoa. Isto é, suja, desonra a quem ela recorre. E mais grave, obriga o adversário a recorrer ao mesmo registo de língua, contaminando toda a sociedade e, em particular, os jovens que acolhem facilmente os maus exemplos.