16.6.14

Sem nunca terem entrado em campo

A história da decadência é antiquíssima e a receita para a superar sempre a mesma. Assenta na criação de ilusões – o sebastianismo. O rosto vai variando: índia, sebastião, joão, brasil,  josé,  saldanha, bandeira,  costa, sidónio, antónio, império, angola, mário, eusébio, fátima, língua, rui, figo, ronaldo… Sempre a esperança no retorno do messias!

A esperança e a desilusão!

Na rua, nas paragens de autocarros, só mulheres! Esperam conformadas, indiferentes aos ecrãs. Nas televisões, enxames de comentadores! Só homens! Acusam e deliberam, humilhados sem terem entrado em campo…

Sem nunca terem entrado em campo…

15.6.14

A época é de pasmaceira e coincide com os exames

O sol cega, o calor mata a leitura - a época é de pasmaceira e coincide com os exames...
Consciente da inutilidade das letras, registo, em mofina hora, excertos de Vieira, Garrett, Pessoa, Ruy Belo. Por razões nem sempre distintas, todos estes excertos deveriam merecer a (nossa) atenção: o ofício do escritor, a intencionalidade, a expressividade dos recursos estilísticos, a tipologia textual, a visão do mundo (a identidade e a alteridade; a temática de cada um, em termos de convergência e divergência)...   

A - «Perguntado um grande filósofo qual era a melhor terra do mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe. Se isto vos pregou também Santo António, e foi este um dos benefícios de que vos exortou a dar graças ao Criador, bem vos pudera alegar consigo que, quanto mais buscava a Deus, tanto mais fugia dos homens. Para fugir dos homens deixou a casa de seus pais e se recolheu ou acolheu a uma religião onde professasse perpétua clausura. E porque nem aqui o deixavam os que ele tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal. Para fugir dos homens, mudou de hábito, mudou o nome, e até a si mesmo mudou, ocultando sua grande sabedoria debaixo da opinião de idiota, com que não fosse conhecido nem buscado, antes deixado de todos, como lhe sucedeu com seus próprios irmãos no capítulo geral de Assis. Dali se retirou a fazer vida solitária em um ermo, do qual nunca saíra, se Deus como por força o não manifestara; e por fim acabou a vida em outro deserto, tanto mais unido com Deus quanto mais apartado dos homens.»

B - «MANUEL - Para mim aqui está esta mortalha (tocando no hábito) morri hoje... vou amortalhar-me logo; e adeus tudo o que era mundo para mim! Mas minha filha não era do mundo... não era Jorge; tu bem sabes que não era: foi um anjo que veio do céu para me acompanhar na peregrinação da terra, e que me apontava sempre, a cada passo da vida, para a eterna pousada donde viera e onde me conduzia...»

C - «Senhor, a noite veio e a alma é vil. / Tanta foi a tormenta e a vontade! / Restam-nos hoje, no silêncio hostil, / O mar universal e a saudade.»

D - «Se às vezes digo que as flores sorriem / E se eu disser que os rios cantam, / Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores / E cantos no correr dos rios... / É porque assim faço mais sentir aos homens falsos / A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.» 

E - «Deixai que em suas mãos cresça o poema / como o som do avião no céu sem nuvens / ou no surdo verão as manhãs de domingo / Não lhe digais que é mão-de-obra a mais / que o tempo não está para poesia  //(...)// Chorai profissionais da caridade / pelo pobre poeta aposentado / que já nem sabe onde ir buscar os versos / Abandonado pela poesia / oh como são compridos para ele os dias / nem mesmo sabe onde pôr as mãos /»

14.6.14

A vida invisível


Depois do filme, fui à Feira do Livro, onde tive oportunidade de trocar algumas palavras com Lídia Jorge…
Uma leve emoção  expressa num aperto de mão, repetido…
Lídia Jorge foi minha professora de Português, em Tomar, no longínquo ano de 1972/73.

No filme de Vítor Gonçalves, tudo ganha vida desde que a câmara repare, isto é, pare e volte a parar. A câmara, por vezes, parece imobilizar-se por falta de luz. A penumbra assombra os interiores como se estes fossem apenas a projeção das personagens masculinas – António e Hugo. A primeira está lá para que, na morte, anuncie qual será o futuro de Hugo, cujos últimos seis anos foram de completa submissão ao passado.
Hugo é, assim, uma personagem sem presente nem futuro; só passado. Até o Terreiro do Paço promete ter melhores dias! Se estas duas personagens foram delineadas para simbolizar o estado da nação, o objetivo é alcançado, mas com tal lentidão que desespera qualquer espectador…
Hoje, na sala dois do Monumental, às 15h15, não estavam mais do que dez espectadores. Entre eles, uma velha senhora que ia comentando a inação, lembrando que Vítor Gonçalves pertenceria à “escola” de Manuel de Oliveira, que os parisienses é que iriam delirar com o filme, que Hugo era “psicótico”, e que Adriana estaria melhor em Amsterdão…
À saída, encontrei um colega, professor de Filosofia, que já tinha visto o filme e que, de chofre, me disse que não recomendava A Vida Invisível a ninguém… Eu, ao contrário do companheiro da velha senhora, não adormeci, tendo apreciado alguns planos crepusculares, mas penso que o argumento foi muito maltratado e arrastado…
Finalmente, gostaria que, na ficha técnica, não tivessem chamado Fabiana à minha filha Susana. Ainda se fosse Sofia!
/MCG

13.6.14

Miguel Rovisco procurava estabelecer analogias...

Agora que as aulas acabaram, os exames se aproximam, o calor abrasa e o futebol escraviza, Caruma vai regressar a velhas páginas de jornais e de revistas com o propósito de (re)parar a ligeireza do tempo vivido. Por outras palavras, com o propósito de volver sobre si própria...
Vamos começar pelo (aprendiz de) dramaturgo,  Miguel Rovisco (1960-1987). Aprendiz porque passou a sua curta existência a interrogar-se, a interrogar o lugar ( Portugal), a ensaiar a escrita de teatro, sem ir ao teatro, mas a ler teatro...
Escrever para o teatro é em Portugal uma arte menor! Ir ao teatro é um pouco como fazer um safari... É caro, mal acomodado e arriscado, por lapso ia escrevendo arricado, neologismo não autorizado...
Em 1988 (Capital, 26 de fevereiro), Tito Lívio, no artigo "Teatro de Rovisco Revisita a História", escreveu:
«Miguel Rovisco era um grande admirador das tragédias de Corneille e de Racine de que o seu teatro acusa claramente a influência ao debruçar-se sobre um tempo passado, ao estabelecer as analogias claras com o presente que vivemos, mostrando o quão pouco se terá evoluído em certos aspectos, nomeadamente  a tíbia industrialização do país e a dependência face ao estrangeiro sob o ponto de vista da importação dos géneros mais fundamentais.»
O crítico, referindo-se à "Trilogia Portuguesa", no D. Maria II, retrata Rovisco como um incipiente carpinteiro teatral, desritmado, atabalhoado e desenhador de personagens alienadas - pobre D. Maria I! Ora essa dificuldade era bem conhecida do aprendiz que, ao contrário de outros, tradutores apressados de tudo quanto era moda anglo-saxónica, batalhava, entre quatro paredes, por escrever em português sobre a questão mental que nos persegue há séculos... Doença coletiva que procurava exorcizar em si e no palco e que acabou por o levar ao suicídio... 
A consciência da imperfeição fê-lo rasgar muitos dos seus textos, porém isso não faz esquecer o caminho: a indagação do presente através do conhecimento do passado, a leitura dos grandes dramaturgos e, sobretudo, a dedicação à escrita até que o texto se autonomize do escrevente...

Para quem goste de papéis antigos, pode procurar Miguel Rovisco no Expresso de 6 de fevereiro de 1988.

Se algum dos meus alunos do 12º ano ler esta prosa, dedico-lhe a citação, pois, afinal, de Camões a Sttau Monteiro, sem esquecer Almeida Garrett, todos os verdadeiros autores vivem para estabelecer analogias... Entendê-las é um objetivo da aprendizagem!


12.6.14

Símbolos existenciais


Qualquer Dicionário de Símbolos reafirmará que o verde é a cor da esperança, da força, da longevidade; a cor da imortalidade, universalmente simbolizada pelos ramos verdes.
A Literatura dá conta desse simbolismo, por exemplo, em Felizmente Há Luar!, quando, no dia da execução,  Matilde exibe a saia verde que o General Gomes Freire d’Andrade lhe oferecera em Paris.
No entanto, a maioria de nós fica verde sempre que o Governo anuncia as medidas de estratégia orçamental!
O que significa que, em Portugal, os símbolos não são universais…

11.6.14

O dia começou cedo…


Foram mais de 500 quilómetros!

Toda a manhã: a velocidade, a luz, a cor, o rendilhado – o coreto e o silêncio…

À tarde: o ruído, a adivinha, a demora, o ensimesmamento, o ar pesaroso e a histeria – o coreto e a revelação de que eu tenho sido uma espécie de “padrinho”.

Fantástico! Eu que só tenho um afilhado e que, por sinal, é meu irmão…

10.6.14

Um desmaio agitou o conformismo

Às Musas agardeça o nosso Gama
O muito amor da Pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama,
Calíope não tem por tão amiga
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino e que o cantassem.
Camões, Os Lusíadas, Canto V, estância 99
                              *
«Aceito falar, como eu mesmo, da importância e do significado de Camões hoje, e da necessidade de ter presente ao espírito esta ideia tão simples: um país não é só a terra com que se identifica e a gente que vive nela e nasce nela, porque um país é isso mais a irradiação secular da humanidade que exportou.» Jorge de Sena, Discurso da Guarda, 1977.

Hoje, na Guarda, o ar era frio e fúnebre; apenas um desmaio agitou o conformismo. Até Eduardo Lourenço e Mário de Carvalho se perfilaram!