20.6.15

Desatenção minha

Jardim da Estrela, Lisboa
É esta mania de ver tudo o que se passa à nossa volta que dá cabo do trabalho!
A desatenção é a principal causa da falta de produtividade, do aumento de acidentes de viação,  do fraco rendimento escolar. 
A situação parece estar a agravar-se! Vi escrito que 75% dos portugueses se preparam para votar no PSD / CDS...
Desatenção minha, que não encontro fundamento para tal intenção. A não ser a velha desatenção, sem esquecer que hoje não há um único órgão de comunicação (outrora, social) que não esteja ao serviço do Governo e da Presidência da República... E claro, a ausência de soluções concretas para os problemas que minam a sociedade portuguesa. Do centro esquerda à extrema esquerda, todos se propõem gerir o "bolo", mas ninguém deita as mãos à massa...

A continuarmos assim, só irão votar os que têm medo da TROIKA e os que se sentam à mesa do poder.

19.6.15

Que mais dizer?

A mão trémula assume o risco e tranca (a VERMELHO) todos os espaços em branco. A batalha dura horas, e lembra os torneios medievais organizados pelos senhores dos castelos para afirmação pessoal e deleite das favoritas... 
Que mais dizer?

*
O erro é uma evidência! Noutro contexto, já teria caído o Carmo e a Trindade. No caso, impera o silêncio da calma do meio-dia no deserto.

** 
A academia não arrisca pronunciar-se, vive em confraria. A academia não se compromete; afinal, as letras são, de há muito, subjetivas...

18.6.15

Uma sala em dia de exame

Rachas habitadas por teias de aranhas nos quatro cantos; bolor nos tetos escurecidos e nas paredes a empalidecer; três janelas voltadas para o excêntrico edifício da Polícia Judiciária; estores avariados e cortinados desprendidos de calhas soltas; duas portas, uma de entrada e de saída ( o que dizer de uma porta?) - a primeira acede à galeria debruçada sobre o pátio sul ( dos plátanos por ora frondosos), a segunda sempre fechada...
Ao fundo, dois armários metálicos. Sobre um, sacos de provas de exames inúteis carregados de pó; sobre o outro, dois artefactos, um de metal e outro de madeira, esquecidos das mãos que os fabricaram, adormecem ali...
Ao lado da porta de entrada e de saída, outro armário, de madeira rústica, fechado a cadeado, como se lá dentro tivesse ficado esquecido algum tesouro de outro tempo, irmão, talvez, do retroprojetor abandonado à sua sorte...Convém referir, também, as duas janelas que, da galeria, permitem provocações anódinas e passageiras...
De menos velho, apenas um datashow suspenso de um braço avançado que se ilumina, a espaços, sobre a parede branca, em tempos coberta por um painel de cortiça, e uma secretária metálica, cedida por uma repartição pública em remodelação socrática. As gavetas da secretária continuam vazias. Sobre o tampo de fórmica, um computador HP, um ecrã HPL1710, duas colunas gémeas, um telecomando, parecem prometer uma outra dimensão. Em frente, 20 mesas, hoje ocupadas por 18 jovens, muito sérios, que vão resolvendo a prova de Física e Química A...
(...)
E eu que estou proibido de ler o que quer que seja, estudo-lhes os olhares, os movimentos na cadeira, a azáfama nas máquinas de calcular - fica-me a sensação de que o segredo dos armários, afinal, está escondido naquelas máquinas, onde me parece ser possível guardar enormes quantidades de dados que eu não sei ler... 

Incapaz de vigiar o que está a acontecer naquelas máquinas, todas autorizadas por quem sabe, regresso às rachas, ao bolor, às persianas, às tábuas de antigos pinheiros longilíneos, procuro-lhes as juntas de união, os nós... e espero que tudo acabe nesta sala ou que um inspetor entre por aquela porta que, até hoje, sempre vi fechada... 

17.6.15

Na prova de exame 639 / 2015, a música do ser...

Na prova de exame 639 / 2015, surge uma pergunta que me parece mal formulada, pois pressupõe que, de algum modo, o ser pode humanizar a música - «Refira dois traços que contribuam para a humanização da música...»
Na minha interpretação, acontece precisamente o contrário: sem a música, as palavras revelam-se incapazes de libertar o homem do deserto em que habita; as palavras só se libertam se o ritmo interior as ligar.
A missão do ser alienado é, assim, arrancar ao silêncio os acordes capazes de o ligarem aos outros seres e ao cosmos, tarefa que pressupõe a ligação a um tempo primordial ainda não profanado pela palavra do ser...
Só quando a palavra brota do ritmo anterior interior é que a libertação do ser acontece:

A música do ser
Povoa este deserto
Com sua guitarra
Ou com harpas de areia

Palavras silabadas
Vêm uma a uma
Na voz da guitarra.

A música do ser
Interior ao silêncio
Cria seu próprio tempo
Que me dá morada

Palavras silabadas
Unidas uma a uma
Às paredes da casa

Por companheira tenho
A voz da guitarra

E no silêncio ouvinte
O canto me reúne
De muito longe venho
Pelo canto chamada.

E agora de mim
Não me separa nada
Quando oiço cantar
A música do ser
Nostalgia ordenada
Num silêncio de areia
Que não foi pisada.   

Sophia de Mello Breyner Andresen, Bach, Segóvia, Guitarra, in Geografia, 1967

O que seria do Poeta se prescindisse da guitarra? O que seria de Orfeu se deitasse fora a lira?
Aqui, neste deserto ibérico, o Poeta, à semelhança de outros poetas ibéricos, apenas trocou a lira pela guitarra...

Dúvida em dia de exame

I - A frase "O cão ficava a olhar o mar como um pescador" pode ser considerada uma frase complexa? O livro que tenho diz que é uma oração subordinada adverbial comparativa, mas apesar do "como" não compreendo o porquê de assim ser visto que "como um pescador" não tem nenhum verbo. (A.D.T.)

As orações subordinadas comparativas podem ser construções elípticas, com a elisão da forma verbal ou do grupo verbal. 

Ex: Esta casa é mais interessante do que a outra. (= do que a outra é interessante).Gramática de Português, pág. 196, Porto editora.


No exemplo apresentado, a frase é complexa, porque: a) O cão ficava a olhar o mar b) como um pescador (olha o mar). Elipse do predicado. Oração subordinante + oração subordinada comparativa.

16.6.15

Dâmaso, o histrião (prova 639)

«E desabafou, num prodigioso fluxo de loquacidade, atirando palmas ao peito, com os olhos marejados de lágrimas. Fora Carlos, Carlos, que o desfeiteara a ele, mortalmente! Durante todo o Inverno tinha-o perseguido para que ele o apresentasse a uma senhora brasileira muito chic, que vivia em Paris, e que lhe fazia olho... E ele, bondoso como era, prometia, dizia: «Deixa estar, eu te apresento!» Pois senhores, que faz Carlos? Aproveita uma ocasião sagrada, um momento de luto, quando ele Dâmaso fora ao Norte por causa da morte do tio, e mete-se dentro da casa da brasileira... E tanto intriga, que leva a pobre senhora a fechar-lhe a sua porta, a ele, Dâmaso, que era íntimo do marido, íntimo de "tu"! Caramba, ele é que devia mandar desafiar Carlos! Mas não! fora prudente, evitara escândalo por causa do Sr. Afonso da Maia... Queixara-se de Carlos, é verdade... Mas no Grémio, na Casa Havaneza, entre rapaziada amiga... E no fim Carlos prega-lhe uma destas!»
Eça de Queirós, Os Maias, cap. XV.

 Dâmaso Salcede, o histrião:

1. Comediante ou jogral, na antiguidade romana.
2. Actor cómico.
3. Actor com desempenho exagerado.
4. Pessoa que diverte ou que não é levada a sério. = BOBO, PALHAÇO
5. Homem vil.

Esta é uma daquelas personagens (tipo) que melhor representa o novo-riquismo do século XIX. Pelo gesto excessivo, pelo registo de língua inadequado e pretensioso, pelo parco saber e, sobretudo, pela mania da imitação. 

Mais do que saber de cor as particularidades da personagem, importa ser capaz de desenvolver, de forma sumária, cada um dos tópicos apresentados, tendo o texto como suporte.

Relembro, no entanto:

I - No Grupo I, avaliam-se conhecimentos e capacidades de Leitura e de Expressão Escrita através de itens de construção. Este grupo inclui duas partes: A e B. A parte A, com uma cotação de 60 pontos, integra um texto, selecionado a partir do corpus literário do 12.º ano, que constitui o suporte de itens de resposta restrita. A parte B, com uma cotação de 40 pontos, é constituída por itens de resposta restrita sobre conteúdos declarativos do 10.º ou do 11.º anos relativos ao domínio da Leitura, podendo apresentar um suporte textual. No Grupo I, além da interpretação de textos/excertos em presença, a resposta aos itens pode implicar a mobilização de conhecimentos sobre as obras estudadas.

15.6.15

A ataraxia na poesia de Ricardo Reis é uma questão mal fundamentada

Definição:
«Constituindo (a ataraxia ) um estado anímico, exprime um ideal de sabedoria, um fim ou telos a atingir pelo filósofo (...) É concebida como uma ultrapassagem racional da demasiada humana vulnerabilidade e sujeição à fortuna e aos acidentes, sejam estes de origem interna, as paixões, sejam provenientes do exterior, como as doenças, a pobreza, as desgraças, o mal físico, ou o desaparecimento de entes queridos.» Rui Bertrand Romão, in Dicionário de Filosofia Moral e Política.

O conceito de ataraxia é fundamental para a compreensão da filosofia de vida de Fernando Pessoa / Ricardo Reis:

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Ricardo Reis, 1/6/1916

(...)

Apesar do que é habitual afirmar-se sobre a indiferença de Ricardo Reis em relação aos acontecimentos exteriores, creio que este heterónimo é mais a expressão do desconforto de Pessoa perante o sacrifício da vida humana (8642 homens) em guerras que nada acrescentam à vida do que uma posição de alheamento da realidade envolvente.
Este poema foi escrito precisamente quando terminou a Batalha da Jutlândia:

Segundo os historiadores, trata-se da mais importante batalha naval da I Guerra Mundial. Ocorreu no dia 31 de maio de 1916, nas águas da península da Jutlândia (Dinamarca), e opôs a frota britânica comandada por Sir John Jellicoe e a frota de Alto Mar alemã do almirante Reinhard Scheer. Tal como outros combates desta guerra, a batalha teve pelo menos duas fases e viria a terminar com a fuga da frota germânica. A dureza do combate fez-se sentir nas baixas de cada lado. Nesse combate os ingleses perderam 3 cruzadores, 8 contratorpedeiros e 6097 homens contra 1 couraçado, 1 cruzador pesado, 4 cruzadores, 5 contratorpedeiros e 2545 homens por parte dos alemães. Contudo, apesar de, aparentemente, as perdas britânicas terem sido superiores às germânicas, depois deste confronto os ingleses tornaram-se senhores dos mares controlando toda a navegação. A tal ponto que, até ao final da guerra, a frota alemã de superfície teve de permanecer imobilizada nas suas bases. (Infopédia)