20.5.16

O triângulo virtuoso pode ter nascido defeituoso...

Gaiola garrafão
Por uma qualquer razão genética, nunca fui capaz de desenhar o que quer que fosse que merecesse a minha aprovação, o que, sempre que necessário, disfarcei com o recurso a uma régua, um esquadro e, em certos casos, um compasso... embora este último sempre exigisse de mim um rigor que não estava ao meu alcance e, principalmente, de quem sonhasse pertencer à confraria dos pedreiros-livres. 
Portanto, condenado à imperfeição, lá vou recorrendo às figuras geométricas. Mas não sou o único!

Acabo de ler um artigo de Carlos Moedas, "O desafio dos desafios na UE: recuperar o otimismo", publicado no DN de 15 de maio de 2016, em  que o Comissário europeu para a investigação, ciência e inovação revela uma nova visão da geometria / geografia europeia:

«Ora, a estratégia da Comissão para promover o crescimento económico baseia-se num triângulo virtuoso: investimento, reformas estruturais e responsabilidade orçamental

Tenho estado a dar voltas ao triângulo, porém não consigo perceber como é que esta estratégia pode ser aplicada em Portugal. Parece-me que este triângulo deve ter nascido com defeito...

19.5.16

As vacas portuguesas estão prontas a voar

Ainda a propósito do esmagamento da soberania portuguesa, expus a um grupo de jovens a minha preocupação sobre a indiferença de que davam mostras.
Procurei convencê-los de que o teatro de forma épica visa questionar o leitor /espectador sobre o seu próprio tempo e não sobre o tempo da fábula. Por exemplo, a peça Felizmente Há Luar estabelece um nítido paralelismo entre 1817 e 1961, no que concerne à ação do antigo regime e à ocupação estrangeira. Expliquei que compreendo que não queiram aprofundar a História desta apagada pátria; no entanto, disse-lhes que não entendo que ignorem que as nossas decisões políticas de pouco servem, pois quem nos governa é a União Europeia e os seus tentáculos no terreno... apesar de, hoje, o primeiro ministro ter prometido que as vacas portuguesas, proibidas de nos darem mais leite e derivados, estão prontas a voar.
Quem diria?

18.5.16

A juventude portuguesa ignora a questão da soberania

«Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Pra a efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indif'rentes
Fernando Pessoa / Ricardo Reis 


Batem-se pela independência pessoal desde cedo mas, paradoxalmente, não dão qualquer importância à soberania coletiva.
O cânone literário - de Fernão Lopes a Camões, passando por Vieira, Garrett, Eça, Cesário, Pessoa, Sttau Monteiro,  Saramago - retoma reiteradamente a questão da soberania nacional.
O resultado prático é uma farsa gigantesca, pois há muito que a competência de leitura se degradou e, sobretudo, o desinteresse pelo futuro coletivo se instalou.

Quando a Comissão Europeia trata Portugal como uma colónia, estou sem compreender qual é causa do comportamento da juventude portuguesa.
Por vezes, chego a pensar que Portugal mais não é do que uma invenção de meia dúzia de iluminados que nunca olharam à sua volta...

17.5.16

A triste Penélope e o pobre Orpheu

Uma poupa na Portela
Não posso afirmar que chegaram as poupas, porque, de facto, até agora só consegui avistar uma.
Não sei se ela terá vindo adiante para verificar se o terreno e o clima lhes serão favoráveis no verão e no outono de 2016...
A verdade é que esta poupa, este ano, procurou um terreno mais próximo da igreja, apesar de muito mais poluído, ao contrário do que acontecera com as poupas do ano anterior que se tinham refugiado num jardim afastado do bulício...
Vou ficar à espera para ver se compreendo alguma coisa do que se passa no universo das poupas, pois no meu nada acontece de significativo. Ou será que estou cada vez mais desfasado da realidade?
É que agora vivemos a vertigem de desfazer o que de mal foi feito. Mas tal será possível? Os governos portugueses lembram-me a triste Penélope...
Creio que a continuarmos assim, acabaremos como o pobre Orfheu...

16.5.16

Bem ao nosso gosto

«Hoje, com o alastramento planetário do kitsch como género universal do gosto, era inevitável que a grosseria se acentuasse no nosso país arcaico, tão próximo do pós-modernismo.»  José Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, 2004, pág. 196.

Segundo os entendidos, ao colocar a vulgaridade na ordem do dia,o Kitsch caracteriza-se por agradar a uns e desagradar a outros.
Em Portugal, os artistas são, por ora, ícones ambivalentes, cujas obras são enterradas com eles e, em muitos casos, são mesmo cremadas.
Entretanto, já me esquecia que hoje é o dia internacional de histórias de vida. E como tal, não posso deixar de interrogar o conceito. Histórias de vida! Porquê? Não nos basta uma história?Provavelmente não. Porque mais importante do que a vida vivida é, afinal, a narrativa da vida... e, aqui, chegados, com maior ou menor grosseria, cada um inventa as histórias de vida mais convenientes...

15.5.16

Andam a encornar as línguas

«O Bloco (...) encorna o PS à esquerda (encorna é uma tradução possível de to corner, encostar a um canto)...» João Taborda da Gama, DN de 15 de maio de 2016.

Ontem, o festival da Eurovisão quase que eliminava as línguas nacionais. Não fosse a Áustria ter decorado um refrão em francês e uma ou outra mistura linguística, pensar-se-ia que as nações europeias teriam sido extintas... Bem, os italianos ainda vão fazendo jus à tradição!

Hoje, JTdaGama sai-se com esta de que o Bloco de Esquerda anda a encornar o PS. Eu ainda pensei que o verbo estaria a ser utilizado no seu sentido genuíno, mas não, tinha que meter futebol e ainda por cima inglês...

Com ou sem escola pública, há que respeitar as línguas nacionais, a começar pela comunicação social. Bem sei que o JTdaGama gosta de trocadilhos, porém... 

Já basta a quantidade de linguistas e de gramáticos que nos querem convencer que a origem do Português é anglo-saxónica e não latina!    

14.5.16

Das coisas e dos animais sensíveis

Das coisas sem respiração não sei o que dizer, porque já não as sei contar.
Houve tempo em que reparava numa pedra e dizia 'ali está uma coisa inerte'. Depois, comecei a pensar que talvez a pedra tivesse uma vida secreta...
Só que a teoria do conhecimento acabou-me com a indecisão no dia em que me convenceu que esta vida se resume à relação do sujeito com o objeto. Nesse momento, descobri-me como Sujeito, senhor de múltiplas coisas - tanto dava que elas respirassem ou não...
Lembro-me até de um certo Bexiguinha convencido de que podia dispor da vida de todas as coisas, embora não soubesse distinguir as coisas vegetais das coisas animais, umas racionais outras inapelavelmente irracionais, porque alguém se esquecera de as ensinar a falar.
Este Bexiguinha acabou por se transformar numa coisa, porque, no sentido recentemente aprovado pelo Parlamento português, terá deixado de ser um animal sensível... É uma decisão acertada que, na minha opinião, deveria começar por ser aplicada na AR - há por lá tantas coisas inertes!
De qualquer modo, vou passar a ter mais cuidado. 
Doravante, vou dar mais atenção ao tronco da árvore, à relva e à ave acabada de chegar. Até o cimento me parece que tem uma vida secreta - uma alma!