4.7.17

O professor e comentador Medina Carreira

Faleceu ontem.
Durante anos, comentou o estado da nação, revelando um país que vivia acima das suas possibilidades e, sobretudo, zurzindo a classe política (e seus apaniguados) que, para além de incompetente, era claramente corrupta.
Fê-lo com recurso a um método, por vezes, anacrónico e enfadonho, mas porfiou sempre, alertando para o peso da dívida e seus efeitos a médio e a longo prazo no tecido social...
Hoje, a hipocrisia assentou arraiais e o homem que, ontem, era objeto de chacota e de desprezo virou santo.

3.7.17

Se nada disser


Se nada disser é porque estou a desfiar as contas de um rosário que não é meu. É lenta a desfiadura, pois é necessário voltar atrás e verificar a sintaxe, que anda pelas ruas da amargura... 
Se não fosse a música, pensaria que as oliveiras não se sentem bem com o cheiro magrebino que se eleva do Tejo... 
Se nada disser é porque não consigo entender como é que um furgão terá entrado no perímetro militar de Tancos e terá esvaziado os paióis...
Se nada disser é porque não quero pronunciar-me sobre os fanicos dos políticos que não compreendem as razões dos incêndios, dos desfalques, dos assaltos, da falta de coordenação...

1.7.17

A imagem que elimina o tempo

Revolvemos gavetas e baús, à procura de brinquedos e de fotografias.
Procuramos, entre milhares de fotos, no álbum ou na pasta digitalizada, a imagem que, repentinamente veio à memória...
           elimina o tempo... e sobretudo, faz do lar um espaço seguro, um espaço singular onde ninguém mais pode penetrar... E este ninguém, se insistir em bater à porta, arrisca-se a ser visto como intruso no interior da própria casa...
Este tipo de fobia pode ser ainda mais incontrolável do que aquela que explode quando as ruas e as praças da cidade se enchem de estranhos de todos os tipos, porque nas ruas e praças todos somos outros, inexplicáveis e ameaçadores...
Descontrolados, corremos para casa e fechamo-nos... nos computadores, nos álbuns.
Corremos as cortinas. Confortáveis, voltamos a revolver as gavetas à procura de imagens, enquanto o outro se dilui... 

30.6.17

Se eu fosse coelho...

Se eu fosse coelho queria lá saber do eucalipto... O mato é o que mais arde em Portugal! Este é que protege o coelho, este é que assegura a reprodução dos láparos...
Um pouco mais de inteligência e perceberíamos que o saber do coelho é naturalmente distinto do saber humano...
Com o coelho não vale a pena entrar em polémica. O único ser que sabe captar-lhe a atenção é a cobra, e esta não necessita de palavras, pois hipnotiza-o com a maior das facilidades...
Em conclusão, o que é necessário é proteger o mato, porque nele tanto habita o coelho como a cobra...

29.6.17

Bem tento compreender...

«O medo do desvio é uma espécie extremamente condensada de ansiedade. (...) A tarefa é menos simples no caso do medo pós-moderno da insuficiência. Em parte, porque o próprio mundo em que opera é - ao contrário do mundo moderno "clássico" - fragmentário, e porque o tempo pós-moderno, em perfeita oposição ao tempo moderno linear e contínuo, é "achatado" e episódico. Num mundo e num tempo assim, as categorias referem-se mais a "ares de família" do que a "núcleos duros" ou sequer a "denominadores comuns".»
                                      Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada

Bem tento compreender, mas como se o tempo em que vivo é muito diferente do tempo em que me formei...
Desse tempo, em que me era exigida coerência, coesão, caráter, autenticidade, verdade, compreensão, pouco sobra, a não ser uma co-existência forçada, episódica...
A narrativa contínua e articulada foi substituída por quadros ou, como muitos dizem, por "cenas" - esta cena, aquela cena, a minha cena, a tua cena, a cena dele, a cena dela... 
Cenas que se esgotam em si - pequenos e grandes dramas efémeros, chatos, mas que se comprometem é só no momento que a memória apaga num instante...
É esta desvalorização do que fui que me move a tentar compreender, pois as ferramentas  do tempo pós-moderno exigem outro tipo de "inteligência", menos racional e mais insuficiente, de tal modo que já não sei avaliar, pois o conteúdo deixou de interessar e o objetivo, de tão imediato, é tão líquido que não o consigo apreender.

28.6.17

'Diferença de opinião' ministerial

Desacordo. A resposta é válida. A resposta não é válida.
Não sei se a pergunta foi bem formulada, custa-me, no entanto, que um ministro possa afirmar que se trata de «diferença de opinião».
Tempos houve em que a "opinião" não bastava para validar uma resposta.
A eterna questão da ambiguidade!

Bem sei que os tempos são outros! E parecem sofrer de flatulência...
(...)
Entretanto, e já decorreu uma semana, o Ministério da Educação decidiu não anular a prova de exame de Português (639)...
Espero que a decisão não resulte de uma mera opinião.

27.6.17

Uma questão de inteligência...

"Vejo o meu pai, no limite da minha infância, dobrar a porta do pátio, com um baú de folha na mão.(...) Minha mãe dizia-me adeus de dentro da charrete e cada vez de mais longe
Vergílio Ferreira - Fotobiografia, organização de Helder Godinho e Serafim Ferreira, Lisboa, Bertrand, 1993, p. 118.

Há quem interprete a partida assinalada no excerto como indicador da morte dos pais do autor. E há quem desvalorize tal interpretação, rotulando a falha como uma imprecisão...
Desta vez, compreendo o desplante, pois se até Passos Coelho se precipitou ao anunciar o suicídio de familiares das vítimas do incêndio do Pedrogão Grande, confiando mais no rumor do que na inteligência...
Os ventos continuam a não soprar de feição!
                (Para que a imprecisão não se agrave, os sublinhados são meus...)