27.4.18

Dá vontade de bater com a porta

«Uma personalidade harmoniosa é centrífuga.(...) Nada é tão deprimente como estar fechado em si mesmo, nada é tão consolador como ter a sua atenção e a sua energia dirigidas para o mundo exterior.» Bertrand Russell, A Conquista da Felicidade.

A psicologia racional tem me ajudado a superar múltiplos obstáculos internos e externos. Surgem, no entanto, momentos extremamente deprimentes ao voltarmos a nossa atenção e energia para o mundo exterior.
Refiro-me, na circunstância, à impossibilidade de estabelecer qualquer forma de diálogo com seres que são narcisistas, presunçosos  e autossuficientes.
Dá vontade de bater com a porta... é que está-se mesmo ver que nem o tempo os vencerá...

26.4.18

Adieu Philipinne, de Jacques Rozier

Derrotado pelo cansaço físico e nervoso, desaconselhado pelo trânsito lisboeta, fui à Cinemateca ver o filme Adieu Philipinne / 1963, de Jacques Rozier.
Este realizador, com este filme, propôs a nova gramática do cinema europeu dos anos 60 - Jacques Demy, Truffaut, Godard -, só que foi sendo marginalizado por desrespeitar os ditames dos produtores.
Por cá, o filme passou a 11 de maio de 1979, na Fundação Calouste Gulbenkian, e compreende-se. Em 1963, ano de estreia, o filme alude à guerra da Argélia (1954-1962)...
A cena de despedida em que Michel embarca sem certeza de regresso seria suficiente para que, durante a guerra colonial (1961-1974), a obra de tal realizador não pudesse ser vista nas salas de cinema portuguesas...
À distância, percebe-se que a Europa do pós-guerra estava a mudar, todavia, em Portugal, só os exilados e os estrangeirados estavam em condições de compreender tal mudança. 
No que me concerne, os anos 60 foram de clausura... Talvez por isso a banda sonora me tenha agravado o cansaço... 

25.4.18

No intervalo

«O hábito de pensar em termos de comparação é um hábito fatal.» Bertrand Russell, A Conquista da Felicidade.

Já não há nada que não comparemos, em termos pessoais, profissionais e políticos. E porquê? Porque vivemos minados pela inveja...
O recurso à comparação é um traço comportamental tão arreigado que, mesmo se eliminássemos os espelhos, continuaríamos a reger a nossa vida pelas silhuetas que nos assombram desde que nascemos...
No caso do 25 de Abril, continuamos a olhar para trás e, felizes, sentimo-nos superiores aos espetros do Estado Novo...
No intervalo, contentamo-nos com a devassa, sempre invejosos dos sucessos e das malfeitorias dos nossos semelhantes...

24.4.18

Já só rosa!

Parece que foi ontem. Primeiro, a surpresa. Depois, o receio...
Tinham sido tantos anos de resignação! 
A opção foi sair à rua, ver o que estava a acontecer, sempre à distância não fosse o diabo tecê-las... até que o enxame humano assaltou o blindado à espera que suas excelências se rendessem e elas à espera que o povo se lhes mostrasse reconhecido...
Mas o povo só queria paz, saúde, habitação e que a poesia escorresse pelas ruas e pelas gargantas... a poesia estava na rua, não só da vieira da silva, mas em todas as ruas desabrochavam cravos, querendo pôr fim ao tempo que fora de escravos...
Ainda se fossem rosas, mas essas acabaram chegando, primeiro nas jarras, ainda com cravos na lapela, e depois já só rosa com cada vez mais espinhos...

23.4.18

Lá terei que ser aborrecido

«Uma geração incapaz de suportar o aborrecimento será uma geração de homens medíocres, de homens que se divorciaram indevidamente do lento progresso da natureza, de homens nos quais murcham lentamente todos os impulsos vitais, como se fossem flores cortadas num vaso.» Bertrand Russell, A Conquista da Felicidade.

Lá terei que ser aborrecido, mas de que serve continuar a celebrar uma revolução que produziu uma enxurrada de compadres promíscuos e corruptos?
Até a liberdade de expressão se tornou libertina...
Lá terei que ser aborrecido, mas não me apetece desfraldar a bandeira daqueles que traíram as aspirações dos que acreditaram que era possível criar uma sociedade mais justa e sã...
Lá terei que ser aborrecido, pois a mediocridade nauseia-me.
Aborrecido me confesso.

21.4.18

O não iniciado

1494 da era cristã: «De hoje em diante serás meu aprendiz. Eu te ajudarei a transformar espinhos em rosas e juro proteger-te dos perigos que espreitam o caminho. As páginas, que são outras tantas portas, hão de abrir-se ao nosso toque

Acabei de ler O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimbler, Quetzal editores, 1997. O exemplar disponibilizado pelas Bibliotecas Municipais de Lisboa (Galveias)  apresenta falhas de impressão (pág. 57-58)... (espero que a minha incompreensão não seja justificada pela minha não iniciação...)

Um duplo crime: a matança dos cristãos-novos e o assassinato do mestre da Cabala.
A Cabala: ciência oculta judaica que procura desvendar os mistérios da criação do mundo através da interpretação da Torá, isto é, dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento, onde de forma codificada Deus terá revelado os segredos do Universo...

Se a matança dos judeus - 4000 - é foi um crime levado a cabo por fundamentalistas dominicanos que souberam mobilizar a irracionalidade de um povo ignorante e faminto desprezado pelo seu próprio rei D. Manuel I, a morte do cabalista já resulta da cobiça, da inveja e do farisaísmo judaico...

A resolução do crime alonga-se desnecessariamente numa corrida desenfreada pelas ruas de Lisboa. A morte do mestre tio Abraão, apesar de ter decorrido durante o massacre de judeus na Páscoa de 1506, à conta da seca, fome e peste que assolaram o país, serve ao sobrinho, Berequias Zarco - futuro mestre - para tudo questionar - dominicanos; cristãos-velhos; cristãos novos; estrangeiros... e finalmente para anunciar que salvação do povo judaico só seria possível se este abandonasse a Europa...
Afinal, a Inquisição estava a chegar a Portugal (1536)...

Li o romance, mas não consigo desvendar o motivo que levou o Ministério da Educação a recomendar a leitura desta obra a alunos de 15 /16 anos... nem tal passaria pela cabeça de Richard Zimler, creio...