21.12.19

Que Zeus nos acompanhe por estes dias!

Tem chovido, valha-nos o deus da chuva!
A comunicação social apresenta a chuva como inimigo do homem - tomba as árvores, destrói os jardins, inunda as casas, corta as vias de comunicação… indo ao ponto de desalojar e de retirar vidas. A chuva arruina o natal dos glutões e dos vendilhões. A chuva dá cabo do negócio, à exceção do da comunicação social…
Ninguém questiona o motivo por que a chuva dos ribeiros corre para os afluentes e destes para grandes (?) rios e se precipita no oceano… 
Parece que a montante não há ninguém que perceba que a oportunidade é única. Não há quem trace um plano de desvio dos caudais de modo a criar reservas capazes de suprir a cada vez maior escassez de água… não há quem trace um plano para acabar com o assoreamento … não há quem trace um plano para retirar o edificado dos leitos e das margens dos cursos de água…
Neste abençoado país, só há catastrofistas que sonham em ir a banhos.

19.12.19

Abençoada chuva

Vivendo o tic-tac, hoje, com chuva, ventos fortes e mau humor…
A alternativa de seca, calmaria e festa seria certamente mais atrativa, mas tão depressiva como as depressões que vêm atravessando a Península Ibérica.
Esta chuva tão arisca arrasta consigo a necessária limpeza e a reposição das reservas de água fundamentais ao bem-estar das gentes, da fauna e da flora, sem esquecer os minerais… Por isso a insatisfação deveria dar lugar ao agradecimento, apesar das constipações e similares.
Este tic-tac dos dias martela-me as meninges já cansadas da profissão. No entanto, sempre que chove sinto alívio e vontade de continuar.
A chuva que conforta a alma. Que seria de nós sem ela?

18.12.19

Do lado de cá...

Colocar a hipótese de que algum ser humano possa ser godot é uma presunção saída do inconsciente individual, incapaz de descortinar a fronteira entre a conveniente modéstia e a desmesurada soberba…
Pressinto que a modéstia não deve ser avaliada pela conveniência, mas é da natureza humana graduar tudo como se, habituada a rever-se no espelho, saltasse para lá do caixilho, à espreita de uma dimensão que sempre lhe foi vedada…
Do lá de cá não mora nenhum godot, mesmo que o façamos nascer entre as palhas de um estábulo ou nos alimentemos do corpo e do sangue - rituais de apropriação de quem receia não SER.
E será que há, por detrás dos rituais e dos sonhos, um qualquer godot, relojoeiro do multiverso? Eu simples relógio me confesso, vou vivendo até que o tic-tac se esgote. E basta!

17.12.19

Não sendo Godot

Não sendo Godot nem estando à espera dele, não deixa de ser estranho que, frequentemente, pense nele…
Tempos houve em que poderia esperar sentado à sombra de uma figueira… agora, sentado ou de pé, distante do quase inexistente figueiral, espreito os dias como se eles me fossem exteriores…
Espreito-os a desoras, à espera que se tenham esfumado só para me surpreenderem num regresso a horas ociosas de que nunca tirei proveito… 
E, apesar de o não querer confessar, sei que, mesmo que Godot pudesse desfazer a espera, hei de continuar à espera, o que não faz qualquer sentido…
Antes que se faça tarde, vou apanhar o metro e regressar à escola donde, verdadeiramente, nunca saí… Ultimamente, assalta-me a dúvida se alguma vez lá entrei.

15.12.19

Não queremos

O movimento das sardinhas em Itália
Não queremos, mas votamos na mentira dos políticos… 
Não queremos, mas ignoramos a prescrição das coimas que os partidos deveriam pagar…
Não queremos, mas fazemos vista grossa à sofisticação do mercado ilegal das drogas…
Não queremos, mas consumimos desalmadamente no natal e na passagem de ano…
Não queremos, mas hipotecamos a vida a todo o momento…
… e o pior é que não sabemos que, por vezes, a vontade é o nosso maior inimigo. 

12.12.19

Estetas do absurdo

Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender.

O sentido da frase é por vezes difícil de atingir.
Cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa, mais se analise, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão.
Caímos então naquele estado de inércia em que o mais que queremos é compreender bem o que é exposto — uma atitude estética, pois que queremos compreender sem nos interessar, sem que nos importe que o compreendido seja ou não verdadeiro, sem que vejamos mais no que compreendemos senão a forma exacta como foi exposto, a posição de beleza racional que tem para nós.
Cansamo-nos de pensar, de ter opiniões nossas, de querer pensar para agir. Não nos cansamos, porém, de ter, ainda que transitoriamente, as opiniões alheias, para o único fim de sentir o seu influxo e não seguir o seu impulso.

Bernardo Soares
Gostaria de acompanhar Fernando Pessoa quando defende que não nos cansamos de compreender, e que o fazemos por uma «atitude estética», desinteressada da utilidade e da verdade... 
Parece que abdicamos da nossa vida, apenas para fruir a (as) dos outros..., sem, no entanto, os tomarmos como exemplo... 
Pelo menos, se não caminhamos  por nós, também não o fazemos pelos outros...
Estetas do absurdo, adormecemos sobre o mundo, enquanto que a chuva fustiga a o pátio.
(…)
Voltando atrás, creio que estes estetas são cada vez mais raros, mergulhados que andamos na mentira e no interesse.

11.12.19

Piprô

Árvore. Talvez, eu não consiga atribuir-lhe qualquer relação com o sagrado, ou não queira envolver-me nessa hierofania, que permitiria colocá-la, lá longe, na Índia, como expressão da amizade entre irmãos de ambos os sexos.
Se me deixasse de hesitações, diria que esta árvore foi classificada como 'ficus religiosa' ou, noutra versão, como figueira do pagode, sem dança, apenas como celebração própria de um templo hindu.
Custa-me aceitar o sagrado, quando ele não é capaz de modificar sociedades, em que a defesa da honra autoriza a lapidação e deixa a violação impune.