25.4.20

As joaninhas de abril

Sem cravos, mas com joaninhas, excelentes predadores…
Cansado de tanta comemoração, celebro o que a Natureza me oferece, embora continue a ouvir os apelos do passado, como se já não fosse necessário dar novas cores ao presente.
Há quem não entenda que o modelo, mais do que abrir, encerrou um ciclo - o ciclo imperial.
E este comportamento, como diria o Poeta, já tem o som de repetido. 

23.4.20

Flores de abril

Apesar do confinamento e da liturgia anacrónica que se aproxima, a Natureza segue o seu caminho…
Perguntaram-me, hoje, se recomendava algum conteúdo certificado para que os jovens possam evitar o lixo que circula na Internet…
Fiquei sem resposta. 
E agora que volto a pensar nisso,  creio que não há volta a dar. 
Se eles quiserem, encontrarão forma de separar o trigo do joio, porque a ideia de lhes dar só trigo acabará por atirá-los para um canteiro onde qualquer erva daninha os sufocará…
Talvez a leitura de Saramago possa ajudar na floração: «Portugal é um oásis, aqui a política não é coisa do vulgo, por isso há tanta harmonia entre nós, o sossego que veem nas ruas é o que está nos espíritos.» O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 204, Porto editora

22.4.20

O respeito e o respeitinho

O respeitinho é coisa antiga. O simples sufixo 'inho' já indica que o  respeito se foi tornando numa prática social discutível.
Para uns era sinal de reconhecimento da autoridade divina, estatal, familiar, profissional… Para outros, uma forma de ridicularizar os 'submissos'...
Em terra de submissos, o atrevimento libertava e, em alguns casos, tudo permitia...
É esse abuso que, por estes dias, grassa. Numas situações, por falta de educação; noutras por falta deliberada, abusiva, de respeito.
Por exemplo, hoje, numa fila de atendimento nos CTT, vi-me obrigado a colocar uma máscara, porque uns não respeitavam a distância e outros, simplesmente, tinham decidido concentrar-se  em grupo naquele lugar, tratando de por a conversa em dia sobre os comportamentos do respetivo rebanho…

19.4.20

Cava-se a distancia

A distância social é regra, mas o seu cumprimento é discutível, sobretudo entre os mais velhos que parecem ter dificuldade em respeitar as marcas que lhes surgem no caminho. Provavelmente não as veem!
O confinamento como antídoto para o contágio tem uma dupla face. Ao mesmo tempo que nos tira das ruas, dos espaços de trabalho e de lazer, enclausura-nos em casa ou em recantos esquecidos e miseráveis.
A distância social gera a cada dia que passa esquecimento, solidão.
Em certos casos, a rutura é de tal monta que a vida começa a não fazer sentido. Trocados os dias, a sucessão desfaz-se...

17.4.20

Agora que Abril se encima


Escola Secundária de Camões
Dias houve em que Abril empolgava, depois a liturgia partidarizou-se ou, ainda pior, oficializou-se… num estado não muito diferente do novo.
Agora que a morte campeia, talvez valha a pena reler… até porque são necessárias outras vias…

Coimbra, 14 de julho de 1970

É escusado. Ninguém aqui conte receber, em circunstância alguma, qualquer estímulo tonificante. A todas as horas e de todos os lados, só nos chegam motivos de desânimo e náusea. Mais roubalheiras, mais traficâncias, mais covardias, mais degradações, na administração pública, nas profissões liberais, no comércio, na indústria, nas ciências, nas artes e na religião. De tal maneira, que, mesmo contra vontade, é-se levado a concluir tristemente, de que em vez de uma comunidade de esforços nobilitantes, somos uma lamentável associação de indignidades. E aí começa a tortura mental de quem, apesar de tudo, gosta de ser português, e não se conforma com a ideia de um anátema a que estejamos condenados. Que razões deste mundo nos teriam levado a semelhante decadência?
Miguel Torga, Diário XI

 25 de Abril

            Esta é a madrugada que eu esperava
            O dia inicial inteiro e limpo
            Onde emergimos da noite e do silêncio
            E livres habitamos a substância do tempo
            Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas, 1977

Nesta hora20 de Maio de 1974

            Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
            Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo é preciso expor 
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- sob o ausente olhar silente de atenção –

Para construir
Na nudez de alegria que nos veste
Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas, 1977


   Casa na Chuva

            A chuva, outra vez a chuva sobre as oliveiras.
            Não sei porque voltou esta tarde
            se minha mãe já se foi embora
            já não vem à varanda para a ver cair
            já não levanta os olhos da costura
            para perguntar: ouves?
            Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
            a chuva sobre o teu rosto.
            Eugénio de Andrade, Escrita da Terra, 1977

  Cavalos

            Eu oiço-os cavalgar nas nuvens negras
do crepúsculo da noite da solidão
            os meus cavalos perdidos nas batalhas.
            Galopam no horizonte sem fronteiras
            suas crinas de estrelas e desastres
            suas garupas com restos de bandeiras,
            Trazem no vento sul as cítaras e a chuva
            e trazem tambores do vento norte.
            Eu oiço-os cavalgar nas nuvens negras
            os meus cavalos sobre a noite e a morte.
               Manuel Alegre, Senhora das Tempestades, 1998

   Em longo se transforma

             Em longo se transforma o breve engano,
             e o discurso em vento, 
       e o desejo em medo.
       E a esperança
             em memória, e o pensamento
             em bússola cega
             para o mundo.
             E em vidro o espelho apaga,
             gasto de mágoas e mudanças,
             o claro rosto do futuro.
        Pedro Mexia, in “O futuro em anos-luz” 100 anos. (2001)



16.4.20

O discurso do pico e do planalto

O discurso do pico e do planalto é redondo. Por vezes, desce-se ao sopé a pensar na planície, como se a montanha fosse literal. 
As novas metáforas são expressão retórica de quem quer criar uma imagem de saber, mas que, na realidade, esconde um código politico estéril.
Desde o princípio que sabemos que o pico epidémico é inconveniente, porque o país não tem meios financeiros, logísticos e técnicos para o suster. 
Assim, passámos a viver num planalto dentro de uma nuvem, esperando que o tempo a dissolva…num estado de emergência que trata do mesmo modo a montanha e a planície.
Por vezes, tenho a sensação que o pensamento silogístico está de volta - o tempo da inação.

15.4.20

Se as escutássemos!

Palavras de tanta cor!
se as escutássemos todas…
se lhes déssemos tempo,
a distância teria outro sabor.