16.2.23

Saber relacionar Eça de Queirós com Cesário Verde

O primeiro é mais velho, vive mais tempo, integra a geração de 70, com passagem obrigatória por Coimbra, mas com a foz no coração de Lisboa e, finalmente, figura, com distinção nos Vencidos da Vida. 
O segundo, nascido em 1855, em Lisboa, vem a falecer 31 anos mais tarde, sem glória pública... De Coimbra nada diz, mas não gosta nem de monárquicos nem de socialistas (?)... Figura nos manuais escolares depois do primeiro, apesar deste, por exemplo, só ter publicado Os Maias em 1888, um ano após a morte do poeta...
Ambos leram Baudelaire, Flaubert, Taine, Proudhon e Zola, isto sem falar dos ultrarromânticos. Num determinado momento, ambos confluíram numa escrita de tipo impressionista, ainda marcada pelo parnasianismo e chegaram mesmo a envolver-se com o simbolismo...
      Pode dizer-se, que sendo homens do seu tempo, não poderiam fugir a um destino comum de influências...
       Sobra-me, no entanto, uma dúvida. E é dúvida porque, num país de tantos escritores, leitores e críticos, já alguém dever ter apresentado uma tese sobre uma questão muito simples: Terá Eça lido Cesário? De forma ainda mais clara: Terá o autor de OS MAIAS lido O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL, de Cesário?
        Haverá algum testemunho desta ocorrência?
        Pessoalmente, estou convencido que, tendo o poema de Cesário sido publicado em 1880, a propósito da celebração do tricentenário de morte de Camões, Eça terá tido acesso ao poema, o terá guardado, pelo menos na memória, e o aproveitou, em particular, na redação do último capítulo de Os MAIAS:
       Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brasões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Aliança conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas de canastra à cabeça, meneavam os quadris fortes e ágeis na plena luz…
       Carlos da Maia e João da Ega percorrem o mesmo espaço urbano do Sentimento..., exprimem, também, eles um sentimento ainda mais desolador e decadente do que Cesário. Sintomaticamente, os pensamentos destas personagens incidem nos mesmos alvos:
      "Duas igrejas, num saudoso largo... / E os sinos dum tanger monástico e devoto / Um épico doutrora ascende, num pilar/ E num cardume negro, hercúleas (...) / correndo com firmeza, assomam as varinas /  (...) Seus troncos varonis recordam-me pilastras; / E algumas, à cabeça, embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam nas tormentas."
        Muito eu gostaria de saber se entre os papéis de Eça não haverá um recorte de O Sentimento dum Ocidental! Talvez o professor doutor Carlos Reis me possa esclarecer...

   MCG /autor

12.2.23

Sem pergunta nem resposta

Deixo a Palavra a quem a sofreu

Sou pedra ou movimento? Que serei?

Alguém responderá. Mas quem? Ou quando?

Estou assim entretanto. O meu modo de ser

é todo este não ser possível perguntar e responder

Sou uma enorme dúvida estendida da cabeça aos pés

Nem sei já se nasci ou quando ou se morri

Não sou todo este ser que finalmente de si mesmo se cansou

E abro muitas bocas. Quem à minha volta?

Nunca estive mais perto de ninguém

                                                                    Ruy Belo (1932-1978)

8.2.23

As lembranças


«As lembranças são outras distâncias.» João Guimarães Rosa, Fatalidade.

Tempos houve que quis compreender o 'tempo'. Aos poucos fui percebendo que o escopo era insensato. Por mais que esticasse o fio, ia-lhe perdendo o curso como se a memória me abandonasse...
Afinal, o fio começou cedo a quebrar-se, a toldar-se... Talvez seja por isso que as estórias ainda persistem...
Infelizmente, já não as consigo armar, mas quero assegurar que de tal não retiro qualquer proveito... e também não iludo ninguém.

4.2.23

Crescem em qualquer lugar

 

Crescem em qualquer lugar, indiferentes às ameaças. 
Um destes dias serão arrancadas pela raiz para dar lugar a uma nova urbanização...
A sorte delas depende da preguiça autárquica, embora as mãos já comecem a mover-se na direção dos fundos imobiliários... e estes, sem tempo para deixar crescer as plantas, já começaram a fazer promessas irrecusáveis...
No lugar delas, o parque verde está assegurado com bancos corridos para que os pombos se possam empoleirar... 
E no centro, um palco com púlpito para que todos possamos reclamar.

Nas próximas eleições, os fundos não irão faltar.

30.1.23

A humilhação dos professores

Esta sistemática desconsideração dos professores em termos profissionais e sociais já vem de longe. Arrisco-me a afirmar que vem dos anos 70 do século passado, quando os jovens dessa época, na ânsia de se libertarem do autoritarismo vigente, desataram a desrespeitar os professores (e muitas vezes os próprios pais), convencidos de que a humilhação era uma forma de luta aceitável.
Ainda hoje recordo os conselhos de turma em que os professores eram obrigados a calar, independentemente das suas ações serem favoráveis ou desfavoráveis ao novo regime. A ponderação foi atirada para debaixo do tapete e o ruído foi fazendo o seu caminho...
A verdade é que, apesar de tudo, os professores eram necessários para avalizar a autossuficiência que ia crescendo e, durante algum tempo deixaram-se inebriar pela transformação do sistema educativo, sem perceber o caminho que estavam a trilhar.
Não perceberam que começavam a ser governados por esses mesmos jovens que os tinham humilhado, que paulatinamente subiam a escadaria do poder, através das juventudes partidárias, com o propósito de partilhar a riqueza resultante do financiamento europeu... e, sobretudo, sem perceber a falta de carácter dos novos protagonistas. 
Incompreensão estranha, porque muita dessa falta de valores estava bem à vista na indisciplina que ia crescendo nas salas de aula e no facilitismo da progressão escolar.
Tudo passou a ter um preço, e os professores passaram a ter um custo, deixando de ter formação remunerada, ficando à mercê de estratégias de bloqueio manhosas - diuturnidades, fases, escalões, cotas... concursos e mais concursos.
Sem falar do espantalho da autonomia supervisionada em que, apesar da constante mudança terminológica e da aparente governança aberta à comunidade dos encarregados de educação, das empresas e das autarquias, tudo se foi degradando no que respeita à fixação dos professores nos quadros das escolas, à sua formação e ajustada remuneração.
No essencial, mais do que o perfil do aluno ou do professor, o que está hoje em causa é o modo como foi gerado o perfil do governante, habituado a viver da juda externa, incapaz de produzir o que quer seja... rodeado por uma multidão de fâmulos, cujo único propósito é servir-se.

26.1.23

Botas-de-elástico!

 

Não sejam botas-de-elástico! Então, queriam receber o Papa Francisco, ali mesmo ao lado, num palco assente nas estacas provenientes dos incêndios de verão... 
O que está em causa não é a celebração do Papa com a Juventude de parte do mundo cristão, o que interessa é o que vem após... Tal como aconteceu com a EXPO 98, a relembrar a chegada à Índia 500 anos antes...
Agora, discute-se tudo, esquecendo, no entanto, o custo das caravelas que partiram em busca das especiarias, o custo das guerras do Império...
Lá no fundo, queremos continuar medíocres, e detestamos quem procura elevar-se aos olhos da FAMA... a inveja continua bem viva!
Até o Botas teve necessidade de celebrar o regime através da Exposição do Mundo Português... e ainda há pouco tempo,  Cavaco Silva não perdeu a oportunidade de referir o seu 'papel' no sucesso do Centro Cultural de Belém...
Sem OBRA, os governantes caem no anonimato. Não é só Deus que quer...

21.1.23

A suspeição

Se duvido é porque suspeito.
Outrora, suspeitava-se que andávamos a ser enganados, por isso se procurava com tanto afinco a verdade… e a ciência ajudava, ao contrário da teologia.
Hoje está na moda duvidar de todos aqueles que, de algum modo, têm de agir. A suspeita bate-lhes à porta, mesmo que não lhes tenha passado pela cabeça deixá-la entrar.
A honra morreu sem que nos tivéssemos apercebido ou, então, anda perdida no areal da suspeição.
O pior é que há quem seja pago (e bem pago!) para lançar o boato, o mujimbo… ao abrigo do direito de supor que, dizem, ser a nova forma de pensar... e de inculcar a desinformação.
Há quem seja pago para criar o caos informativo - os mercadores da mentira; os engenheiros do caos... Lembro, entretanto, que já José Rodrigues Miguéis, noutros tempos menos caóticos, assinava uma coluna no Diário Popular chamada a 'programação do caos'...
Asseguram-me que, nas redes sociais, a narrativa de desinformação tem uma potência de fruição / circulação 70% maior do que uma informação credível.
Por este andar, vou continuar a duvidar de tudo e de todos. Se me virem por aí de lanterna na mão durante o dia (e a noite) é porque decidi seguir o exemplo de Diógenes, o cínico...
Finalmente, começo a acreditar que a suspeição não passa de uma serva da alusão… ainda a procissão não saiu do adro!