9.7.06

Tudo isto cheira a naftalina...

Felizmente, chegou ao fim um daqueles torneios em que os artistas estavam proibidos de actuar.
Mais importante do que atacar era defender, já que a sorte parece favorecer, não os audazes, mas os medíocres. Os treinadores e os árbitros, condicionados pelos jogos de bastidores, tudo fizeram corresponder aos superiores interesses do marketing: num ápice valorizaram e desvalorizaram jogadores, selecções, países... Valeria a pena saber quantos jogadores ficaram com a carreira amordaçada!? Não o iremos saber, a não ser que, um dia, um Zidane, um Figo, um Raúl decidam contar tudo o que sabem.
Quanto a Portugal, seria interessante que aqueles técnicos que melhor conhecem os jovens jogadores portugueses, pudessem formar uma nova selecção, liberta do espírito patrioteiro, corporativo e beato que ultimamente nos invadiu. Um país que se diz membro da União Europeia não pode comportar-se como se ainda vivesse em pleno Estado Novo, com colónias e tudo... O tempo dos sargentos, sem desprimor para os verdadeiros, chegou ao fim. Caso contrário, ainda voltaremos ao tempo dos famigerados condottieri ou, numa versão mais provinciana, ao tempo dos «padrinhos».
(Tristes vão os dias, de Timor ao Jamor!)
Tudo isto cheira a naftalina, desde o D. Afonso Henriques retido no túmulo às praias da Caparica cerceadas por paredões inúteis, passando pelo estádio do Jamor - panteão de vaidades oficiais, oficiosas e gratuitas.
E já agora, quem é que acredita que a ministra da cultura não soubesse que estava a ser preparada a abertura do túmulo do rei-fundador? Desculpa esfarrapada, que, caso fosse verdade, merecia, pelo menos, o despedimento de meia dúzia de assessores.
( Tanto riqueza esbanjada, num país tão pobre, dói... Quantos portugueses ficaram mais pobres neste último mês? Quantas famílias ficaram sem poder honrar os seus compromissos? E ainda vamos de férias!?)

7.7.06

Entre a pura actividade e a passividade pura...

«Esse est percipere et percipi.» Tese de Berkeley - Ser é perceber e ser percebido.
Separado de um pequeno grupo de caminheiros, entrara nos acessos às arribas da Praia Grande (Sintra), quando dei de caras com dois automóveis parados no meio de uma vereda. Ao de leve, coloquei a mão na bagageira do velho Renault 5 vermelho que, de imediato, galopou vertiginosamente sobre as fragas até se despenhar, na vertical, sobre o areal, junto à orla marítima. Surpreso e petrificado no ponto de partida daquele galope esfuziante e horrível, fixei a vista naquele ponte bem distante da praia e, num ápice, um corpo, semi-nu, masculino, elevou-se à altura do penhasco que separa as águas da terra, para voltar a cair, redondo, sobre o areal. Outros corpos, semi-nús, cercam-no e eu desperto, aturdido.
Agora, que pareço acordado, continuo sem saber o que fazia naquela hora indistinta na Praia Grande, quem eram aqueles andarilhos que me acompanhavam e de que perdi o rasto, qual era a marca e a cor do veículo que continuou imobilizado, que força accionou o velho Renault 5 vermelho e, sobretudo, se houve uma vítima e quem ela era, de facto.

4.7.06

Os predadores...

« Quando se fizer a lei da responsabilidade ministerial, para as calendas gregas...» Almeida Garrett, Viagens na minha Terra, 1843
Depois dos ministros Ferreira do Amaral e João Cravinho terem coberto o país de auto-estradas, passou a ser tão fácil percorrer o país de lés a lés que alguém, inefável, concluiu que não era mais necessário fazer a lei da responsabilidade ministerial.
E não fosse algum pateta das luminárias levar as cépticas palavras de Garrett a rigor, determinou-se que jamais se enfadasse a nossa juventude com algum capítulo daquele folhetim que dá por nome Viagens na minha Terra.
(Apesar de tudo, estou convencido que mais dia menos dia, a TVI acabará por instalar os estúdios lá para os lados da Ribeira de Santarém, bem pertinho da esquecida Santa Iria, presenteando-nos como uma bucólica Joaninha da Real Companhia das Lezírias! É apenas uma questão de tempo: o tempo necessário a que a Joaninha Moura Guedes aprenda a montar.)
Quando o Estado é laxista, a questão da responsabilidade ministerial é fulcral. Como é que se pode alterar este estado de coisas, se os ministros não são solidários com os ministros anteriores? Qualquer novo ministro alija a sua responsabilidade para cima do ministro anterior, revogando-lhe as leis que, na maioria dos casos, não chegaram a ser regulamentadas; e mais recentemente, criou-se o hábito de montar nos mass media um circo, onde os trabalhadores, em geral, e os funcionários do estado, em particular, não passam duns velhacos doentes e preguiçosos que só aspiram a opíparas reformas, exaurindo a burra do estado.
Já que a solidariedade ministerial não existe, poderia, pelo menos, fazer-se justiça: Por exemplo, julgar e prender todos aqueles ministros, secretários de estado, chefes de gabinete, assessores... que deixaram os sindicatos impor-lhes um estatuto (de igualdade remuneratória) da carreira docente, que deixaram os directores dos centros de formação distribuir verbas incalculáveis por formadores gananciosos que foram acreditando milhares de professores sem, de facto, os avaliar, que aceitaram (e defenderam hipocritamente) o modelo de gestão democrática. Este laxismo ministerial é que gerou os predadores que continuam à solta...
E é para não incomodar os predadores, que já começaram a recolocar-se à mesa do orçamento, que todos os dias o circo ministerial faz cair em descrédito os palhaços de 2006...

3.7.06

Casos na primeira pessoa...

(Casos na primeira pessoa)
Senhor Provedor da Portugal Telecom A minha filha que se encontra na Hungria, em 22 de Junho deixou de poder aceder à sua caixa de correio. Este impedimento criou-lhe uma situação muito desagradável, pois perdeu vários contactos universitários, importantes para a prossecução dos seus estudos na Europa Central.Tal como reservas de avião e de hotel... Entretanto, apesar da minha reclamação diária por telefone 707 22 72 76 e por e-mail (suporte@acesso.sapo.pt), sou simpaticamente convidado a ter paciência porque «estamos a efectuar todos os esforços para que a situação reportada com a identificação 2006-260468 seja resolvida o mais breve possível.» Por outro lado, na página do cliente, obtenho a seguinte inamovível informação: Nº SGS Tema Estado Data de Registo 2006-260468 Problemas técnicos Caixas de Correio Aberto 2006/06/22 Não sei se devo continuar a ter paciência, pois já em Dezembro de 2005 tive idêntico problema com a Netcabo, que nunca foi capaz ou quis resolvê-lo. Foram meses de respostas evasivas até que mandei desligar a netcabo. E nunca a Netcabo assumiu oficialmente qualquer responsabilidade. Como pode deduzir, troquei a Netcabo pela Sapo e, afinal, tudo parece funcionar do mesmo modo. A estrutura técnica parece não estar à altura de resolver as anomalias e, sobretudo, jamais esclarece o cliente sobre a sua incapacidade, para que este possa seguir o seu caminho... O que mais lastimo é a falta de transparência na relação com o cliente. Caso o entenda, gostaria que avaliasse esta espécie de disfuncionamento, pois, imagino que muitos outros clientes serão vítimas deste tipo de arbitrariedade que, penso, inaceitável numa sociedade que aposta cada vez mais nas novas tecnologias de informação.
Pelo menos é esse o desafio do engenheiro Sócrates, a quem peço, daqui, desculpa por o ter tratado, há uns dias, por "mestre", qualificativo desprezível nos tempos que correm... Embora, nesta questão, me sinta um pouco confuso, pois tenho visto engenheiros que o não são, e outros que, apesar do engenho lhes falta a arte. Porém, para me acalmar, o demónio de Sócrates ( o da cicuta!), murmura-me ao ouvido: - Impossível. Abandona esses teus lampejos.
Senhor Provedor do Instituto de Seguros de Portugal,
Senhor Ministro da Administração Interna,
Senhor Ministro da Justiça,
Se a lei me permite pagar o seguro de um veículo automóvel até 30 de Junho e o faço nessa data, através do multibanco, por que motivo a autoridade policial me pode autuar logo no dia 1 de Julho, pois me falta a correspondente carta verde?
E por que motivo, a Império Bonança (e as restantes companhias...) não envia previamente a carta verde a cada um dos seus clientes? Se não confia em mim, não me deveria aceitar como cliente!
Para que a voracidade da autoridade não desabe sobre mim, desloco-me à sede da Companhia a pedir a desditosa carta verde e por lá fico sessenta gloriosos minutos à espera...felizmente, na companhia de outros clientes mal-humorados. Vá lá saber-se porquê? (Durante todo aquele tempo pude contemplar uma senha branca que apenas registava: C63; o meu vizinho do lado, esse por lá ficou com uma senha verde em riste...)

Como, entretanto, me lembrei que o actual Ministro da Administração Interna e que já foi Ministro da Justiça, em tempos remotos - logo a seguir ao 25 de Abril - terá sido meu aluno ( ou será imaginação minha ou, talvez, do Passos Manuel?) dei comigo a pensar que eu sou o único responsável por esta forma de tratar os constituintes, os eleitores, os utentes, os clientes, os pacientes, os fregueses...

E por isso quero crer que a solução para o déficit está em colocar a CARUMA no quadro dos supranumerários. Um quadro virtual, já se vê, um pouco como o purgatório, essa instituição medieval, criada para que uns tantos virtuosos pudessem acumular capitais sem se verem condenados às penas infernais.

(A estas horas, a culpa judaico-cristã costuma atacar-me de forma violenta e por isso me sinto responsável por toda a impunidade que cresce sob as minhas agulhas nocturnas...)

EE E por isso, quero crer que se a CARUMA fosse colocada no quadro dos supranumerários o problema do déficit ficaria resolvido

1.7.06

Quem não embandeira não petisca...

Ultimamente, as aparas vêm-se avolumando: as boas classificações seja dos exames de Português seja da selecção nacional de futebol escondem os habilidosos que manipulam o sucesso e o nacionalismo serôdio. Bebe-se e grita-se numa linguagem reles contra adversários que deveriam merecer o nosso respeito.
Num tempo em que os habilidosos da política ameaçam correr à pedrada quem lhes contrarie os interesses, e em que outros mecenas autárquicos compram o silêncio dos subsidiados, a encenação da saída do ministro dos negócios estrangeiros, precisamente no momento em que o chauvinismo dos portugueses vive do futebol, é aplaudida como uma jogada de mestre Sócrates.
Cada vez mais a esperteza dos ardilosos, também chamada dos guerreiros, se afirma impunemente como um traço fundamental da cultura portuguesa.
Na escola, no futebol, na política, o truque compensa.
E o que mais arrepia é ver como a juventude tumultuosa está a ser educada no ardil e na baixeza.
( Este comentário agreste não visa retirar mérito a todos aqueles que na respectiva actividade dão sempre o seu melhor sem necessitar de embandeirar. Hoje, mais do nunca, quem não embandeira não petisca!)

27.6.06

Uma oportunidade perdida

«Nos mitos (Ícaro) e nos sonhos, o voo exprime um desejo de sublimação, de procura de harmonia interior, de superação dos conflitos; (...) as grandes nações voam por cima da terra, traindo a psicologia colectiva, pois a vontade de afirmar o poder no céu não é mais do que uma forma de compensar a impotência na terra.»
Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, O Dicionário dos Símbolos, Voo
Num tempo em que a inteligência era perseguida, a Bartolomeu Lourenço (alter ego de Saramago) só restava o sonho de voar para tentar saber como é o sol por dentro, para poder mostrar como é a terra de Mafra (o estaleiro do sonho real!) por dentro... Só voando por cima - e não para longe! - lhe era possível ter uma perspectiva global da paranóia dos poderosos... No interior da caverna jamais se acede ao círculo exterior!
O voo temerário liberta, rasga o horizonte, desloca-nos (pequenos ícaros!) para círculos exteriores cada vez mais amplos que nos mostram o pavor interior da terra, mas, ao aproximarmo-nos do sol, talvez possamos ver a fonte da vida... se observarmos a lição de Dédalo.

24.6.06

Nestes dias de silêncio...

Nestes dias de silêncio, fazem-se ouvir os pássaros que chilreiam ininterruptamente. De repente, um aluno pergunta as horas. Substituíra o relógio pelo silenciado telemóvel!
Talvez, seja útil quantificar o rombo financeiro provocado pelos exames nacionais: 50% dos alunos faltam à 1ª fase, o que significa que metade das provas tornam-se desperdício; o mesmo se repete na 2ª fase, pois os alunos inscrevem-se novamente para exame - a floresta sofre!; os telemóveis silenciados durante horas-e-horas deixam de engordar as empresas de telecomunicações e o fisco...
Não vejo ninguém que beneficie com os exames, a não ser, talvez, os médicos: sempre passam mais uns atestados e receitam mais umas pílulas para fortalecer os cérebros dos incompreendidos adolescentes.
(...)
Uma vigilante arruma meticulosamente a secretária: ao centro, as folhas de prova; do lado direito, as folhas de rascunho; do lado esquerdo, a pasta azul que guarda a tesoura, o saco dos enunciados sobrantes e a pauta, onde 15 minutos depois do toque, ficaram assinalados todos os que faltaram na expectativa de que a 2ª fase seja mais simples.
O outro vigilante franze o sobrolho. A prova de Filosofia não difere das anteriores, pelo menos, desde 1998 : a mesma estrutura, os mesmos autores, as mesmas obras, as mesmas perguntas - gostei, particularmente, do argumento socrático de que «a missão do político é fazer de nós os melhores cidadãos possíveis.»
(...)
Creio, no entanto, que, apesar dos alunos poderem memorizar previamente 50% das respostas, os autores da prova se esforçaram por testar uma boa parte do programa de Filosofia. O mesmo não poderei dizer dos autores da prova de Português: qualquer 'corrector' sabe que a maioria dos alunos pode obter 60 pontos (em 200) sem escrever uma palavra; e também sabe que, ao contrário do que acontece na disciplina de Filosofia, o aluno não necessitou de ter lido qualquer obra...
Os exames actuais mais não são que um desaproveitamento de recursos... Que impacto podem ter, por exemplo, os exames de Português e de Filosofia na avaliação final do 12º ano dos alunos internos? Haverá alguém que consiga reprovar? Será que estes exames «fazem de nós melhores cidadãos»?
(Tristes vão os dias / de Lisboa a Timor / à mercê de homens sem valor... // Alegres vão os dias / de Lisboa a Berlim / num vai-e-vem sem fim/