20.8.06

Santuário de Nossa Senhora (Cabo Espichel)

Apesar da igreja ter sido restaurada, os edifícios laterais, à falta de romeiros, estão ao abandono num dos cenários portugueses de céu-e-mar mais fascinantes. A ideia de preservar a beleza, a todo o custo, acaba por inviabilizar a manutenção do património histórico e desertificar um território que poderia ser uma fonte de riqueza.
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17.8.06

A hipoteca

Quando o tempo começa a escassear, insistimos em olhar para trás, procurando ansiosamente uma explicação para as fragilidades do presente.
Um meio inculto, uma família analfabeta, o caciquismo ignóbil, um pai ausente, uma mãe autoritária, uma avó fantasmática... tudo nos serve para justificar os projectos inacabados, as relações fracassadas...
Passamos a preferir às incertezas do presente e aos medos do futuro as certezas (re)construídas do passado. Damos a vida por elas - as certezas -, hipotecando definitivamente o pouco tempo que nos resta...
Estranhamente, abdicamos de viver... e nem sequer o fazemos como forma de preparar uma outra aurora, essa, sim, primaveril e gloriosa!

16.8.06

O interesse dá um passo em frente...

Num local onde começa a sentir-se a pressão para que o plano director municipal reconverta os prédios rústicos em urbanos, o fogo actuou de forma inteligente: devorou grande parte de três pequenos prédios rústicos, sem importunar nem a casa (entretanto, ligada à rede eléctrica) nem o pomar que os ladeiam. E também deixou incólume, do lado contrário, junto a uma estrada municipal, o posto de distribuição eléctrica e a instalação de distribuição de água a uma propriedade onde, ainda, há muito pouco tempo era visível um "pedido" de autorização de construção de uma vivenda.
Por aquilo que qualquer transeunte pode observar, a autorização de construção ainda não foi concedida, mas a "luz" e a "água" já lá estão à espera..., a troco de alguns milhares de euros recebidos por algum funcionário mais zeloso dos serviços municipais e da EDP...
Esta ideia de observar as pequenas alterações da paisagem e dos humores humanos pode ser muito maliciosa, mas, desta vez, a caruma está convencida que o combustível que incendiou o mato, o silvado, aquelas míseras oliveiras, deixou a descoberto o estéril poço e calcinado o tímido ribeiro, foi o interesse que não olha a meios para atingir os seus fins.
Ao desvalorizar a propriedade, o interesse dá um passo em frente para condicionar o plano director municipal e, sobretudo, para abocanhar tudo o que cobiça.
Quando algumas luminárias continuam preocupadas com as fronteiras que separam (ou não) a literatura do jornalismo, seria bom que este último desse mais atenção às pequenas (ou grandes) alterações da paisagem e seguisse, de perto, os passos do interesse.

15.8.06

A política dos interesses

Há alguns dias, interrogava-me, aqui, sobre as causas que vêm determinando que a literatura deixe de ser ensinada nas nossas escolas, secundado na palavra de Kafka para quem o conhecimento da literatura (e da sua história ) está intimamente relacionado com o fortalecimento da consciência nacional. Talvez o conceito «consciência nacional» mereça ser revisto, pois a sua legitimação (dos nacionalismos) teve ao longo do século xx elevados custos para as populações. No entanto, a maioria das conflitos, nos últimos tempos, tem tido como pretexto-máscara a exploração dos antagonismos religiosos e não da «consciência nacional».
Fica, porém, a ideia de que a nossa política externa é a dos interesses, como bem refere Carlos Pacheco (Público, 15/08/2006 - O calcanhar de Aquiles de Portugal em África), quando, citando políticos, banqueiros..., refere que «não há outros valores, foi sempre assim e não é agora que a corrente da história mudará.» E para melhor fundamentar o seu pensamento, Carlos Pacheco recorre às cartas do Padre António Vieira, escritas do Maranhão, em que este denuncia os crimes cometidos contra dois milhões de índios, num período de 40 anos, sem que ninguém tenha sido punido.
Ao cotejar este artigo de Carlos Pacheco com a notícia de que a ministra da cultura, Isabel Pires de Lima, quer mais promoção literária no mundo anglo-saxónico, voltei a aperceber-me que apenas os «interesses» norteiam o pensamento dos nossos dirigentes, pois, afinal, a principal crítica que a ministra faz ao IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas), é que este «tem descurado este mercado» (anglo-saxónico, diga-se)...
Tudo isto, num país, cuja Lei nº23/2006, de 23 de Junho, dá aos alunos do ensino primário, quando constituídos em associação de estudantes, o «direito a emitir pareceres aquando do processo de elaboração de legislação sobre o ensino, designadamente em relação aos seguintes domínios: a) definição, planeamento e financiamento do sistema educativo; b)gestão das escolas; c) acesso ao ensino superior; d) acção social escolar... (artigo 17º). Ver José Dias Urbano, Público, 15/8/2006, Novos disparates educativos, novos caminhos para o insucesso...
Compreende-se, deste modo, que o ensino da literatura (ler o Padre António Vieira das Cartas, por exemplo) já não é apenas uma questão de «consciência nacional», é, sim, uma questão de formação da consciência - o lugar dos valores, do livre arbítrio...
A alternativa já vigora: a política dos interesses. E os governantes sabem que a literatura é inimiga dos interesses... e que ela devia ser lida nas escolas, em todas as escolas...

12.8.06

Os incêndios que nos devoram a alma...

Franz Kafka pensava, em 1911, que «a memória de uma pequena nação não é mais pequena do que a de uma grande nação e pode por isso digerir melhor o material existente Diários
Este calor atrofia o cérebro e devasta a floresta, deixando a caruma reduzida a nada ou, pior ainda, como primeira suspeita da tragédia que, anualmente, empobrece os pobres e fabrica novos ricos. Estes incêndios estivais são uma boa ajuda à política de emparcelamento que tem vindo a recuperar terreno, deixando no esquecimento o tempo em que se lutava contra os latifúndios. É toda uma literatura que voluntariamente se obnubila!
Por vezes, interrogo-me se esta política educativa que rejeita o ensino da literatura é apenas um sinal da ignorância de quem nos governa, mas, quando observo os lugares onde os incêndios deflagram, dou comigo a pensar que todas estas pequenas courelas vão mudar de mãos - de muitas e humanas mãos para a uma mão anónima e desumana... E, nesse momento, sei que Kafka perdeu a razão ao pensar que defender a literatura era defender a consciência nacional, pois esta é, hoje, um escolho na aposta da globalização. De facto, o destino da memória das pequenas nações já está traçado, desde o fim da 2ª Guerra Mundial.
A globalização é uma efectiva inimiga das literaturas regionais, nacionais e mesmo continentais.
Numa sociedade global não haverá definitivamente alma e por isso, enquanto ardem os campos, a guerra alastra no Médio Oriente - a outra face da luta titânica pela hegemonia global.