10.11.06

Matilha de mentirosos...

  1. Em cenário de greve da função pública, Governo e sindicatos apressam-se em manipular funcionários e opinião pública. De uma assentada, o primeiro procura desmobilizar o movimento de protesto e desvalorizar o impacto da greve, enquanto que os segundos procuram precisamente o contrário. Ambos mentem.
  2. Os telejornais manipulam tão descaradamente a informação que o telespectador só pode continuar a pensar que, na Assembleia da República, estamos representados por um bando de energúmenos mentirosos.
  3. Os telepectadores são tão manipuláveis que já não conseguem ver que cada imagem é um argumento mentiroso e, por isso, um simples rosto ou palavra passaram a ser pretexto para uma discussão infindável sobre os preconceitos de cada um. Tudo em nome do direito à liberdade de expressão, hoje, sinónima de indignação. O direito à indignação vulgarizou-se de tal modo que virou mentira.
  4. O cidadão, justicialista, não podendo controlar os mecanismos colectivos de usurpação do poder, vinga-se em quem estiver mais à mão. A mentira pública torna-se privada.
  5. Se o telespectador voltar a ligar a televisão, rapidamente descobrirá que a sua pequena mentira se tornou pública, passando a fazer parte da matilha de mentirosos...

7.11.06

No país do fado e da morna...

(Descobri recentemente que a norma se relativizou de tal modo que ninguém sabe onde procurá-la. Desolado, dei comigo a pensar que o Instituto da Língua fora demolido deixando para trás uma suave nostalgia. Cheguei mesmo a perguntar aos meus actuais alunos se sentiam alguma nostalgia da norma. Indiferentes, nada responderam.)
Há cerca de 20 anos, uma planificação da disciplina de Português, para além dos conteúdos linguísticos e discursivos, incluia obrigatoriamente conteúdos literários e culturais. O advérbio, nesse tempo, ainda não tinha sido promovido nem a adjunto nem a disjunto!
Creio que obrigatoriamente, já nessa época, seria um advérbio disjunto, pois ele exprimia uma forte convicção do formador com efeito perturbador no formando.
Muitos dos formandos, ao contrário de uma inexplicável minoria que tudo compreendia, silenciavam expressões de rejeição, pois, por mais que explicasse a tipologia, jamais conseguiam produzir uma planificação a médio prazo que integrasse os conteúdos culturais.
Pensava, nessa época, que a aposta nos conteúdos linguísticos, discursivos e literários pressupunha a existência de uma ou mais culturas. E por isso insistia em dar-lhe(s) visibilidade, porque nunca compreendi como é que se processa o diálogo entre culturas invisíveis. Tal como não compreendo como é que se pode aprender, por exemplo, o léxico, desprendendo-o do contexto cultural.
Confesso, também, que uma outra das minhas dificuldades consistia em explicar aos formandos a diferença entre um conteúdo linguístico e um conteúdo discursivo. Por exemplo entre um nome e uma notícia - entre classificar o nome e escrever uma notícia. E não me refiro aos nomes não contáveis não massivos!
Espero, no entanto, que esses professores... quase titulares... estejam, hoje, radiantes com a possibilidade de explicaram aos seus alunos quanto o seu antigo professor estava errado. Para quê a cultura? Para quê a literatura? Para quê a genologia ?
Afinal, uns tantos protótipos e, sobretudo, uma boa terminologia linguística decalcada da terminologia anglo-saxónica é quanto basta! A matriz latina que se dane! Por algum motivo, o Latim fora excluído do curriculo dos Cursos de Letras!
Os mercenários nunca olharam a meios para encher os bolsos... e a cultura sempre foi um empecilho. Nem se percebe por que motivo ainda existe um Ministério da Cultura!
Na próxima remodelação desaparecerá!

4.11.06

O pressuposto

Figura em que deduzimos existir um enunciado implícito anterior ao enunciado explícito. Este processo, geralmente, esconde uma forma de manipulação mais ou menos subtil. De modo a celebrar os seus cinquenta anos, a Fundação Calouste Gulbenkian (1956-2006) está a promover o ciclo Como o cinema era belo. A ideia é meritória, os bilhetes são baratos (2,50 €), mas o público, pelo menos pela amostra, já passa maioritariamente dos 50…, respirando, só por si, alguma nostalgia. A amostra a que me refiro (re)visitou hoje o filme de Jacques Tourneur Stars in my Crown ( Estrelas da Minha Coroa), produzido nos Estados Unidos, em 1949. Trata-se de um filme em que um implacável ex-combatente se torna pastor pacifista capaz de converter o mais empedernido ateu; um filme em que o médico e o pastor, após terem exacerbado o conflito entre o corpo e a alma, acabam por se aliar; um filme em que o ambicioso e racista americano branco, capaz de enforcar o negro por um pedaço de minério, acaba por se deixar convencer pela argúcia do pastor. Em 1949/50, nos Estados Unidos, apesar de nem tudo ser belo, o bem acaba sempre por vencer o mal. E o cinema cumpria, assim, a missão de nos convencer que nem a doença, nem o ateísmo, nem o racismo poderiam jamais sair vencedores… Como o cinema era belo! No entanto, não deixa de ser estranho que, em 2006, se possa reiterar a ideia dessa beleza imaculada do cinema de meados do séc. XX. Como justificar a luta de um homem como Martin Luther King, assassinado em 1968? Bem sei que há quem defenda a estética como uma categoria independente da ética ou da ideologia! De qualquer modo, sobra o pressuposto que poderemos enunciar do seguinte modo: O cinema deixou de ser belo ou Hoje, o cinema é grotesco. O que me leva a pensar que o ciclo Como o cinema era belo manipula, de facto, o espectador, levando-o a acreditar que o presente é grotesco, ao contrário do passado que seria inevitavelmente sublime… ( Os espectadores de 4 de Novembro de 2006 bateram palmas, algumas tímidas.) A nostalgia das origens emerge das entranhas da Fundação…, que se arrisca a tornar-se numa categoria estética desfasada da grotesca realidade, em que a palavra ou o ícone não bastam para resolver os conflitos.

2.11.06

Docere et lectare...

/ O menino experimental ateia fogo ao santuário para testar a competência dos bombeiros. /O menino experimental, declarando superado o manual de 1962, corrige o professor de fenomenologia. /Murilo Mendes
O menino experimental cresceu e, depois de, ao longo de 30 anos, ter assassinado os mestres, prepara-se para declarar superada a etimologia.
Os verbos docere ( ensinar ) e lectare (ler muito ou muitas vezes), falsos sinónimos, já que o segundo pressupõe um método redutor da inteligência, apelando à repetição, enquanto que o primeiro orienta para a descoberta da sabedoria, acabam de evoluir semanticamente por obra dos meninos(as) experimentais que nos governam.
Os docentes, os lentes (vulgo os professores, de futuro simples ou titulares), no caos terminológico em que habitam, divididos entre actividades lectivas e não lectivas acabam de ser informados que, afinal, devem, também, aprender a distinguir a actividade lectiva da actividade docente.
Em conclusão, o professor metódico vai gerir a sua vida pública em actividade docente (substituição do pessoal administrativo e de limpeza), lectiva (implementação do plano nacional de leitura, escrita e cálculo) e não lectiva (explicações gratuitas, substituições gratuitas e acréscimo da conflitualiadade).
PS: Os síndicos experimentais estão a ficar vesgos: estão sem perceber o que o futuro lhes reserva.

26.10.06

De pouco serve ser voluntarista!

De pouco serve ser voluntarista!
Mesmo que durante algum tempo nos iludamos com o rumo traçado, rapidamente nos apercebemos que os grandes desígnios deixaram de nos motivar. No essencial, nas sociedades laicas não há finalidade que não seja abordada em termos relativos. Apesar do custo, o fundamentalismo acaba por ser uma tentativa de impor um desígnio à sociedade, capaz de a mobilizar contra qualquer tipo de relativismo nihilista.
Em termos práticos, nas escolas portuguesas deixou de haver um projecto capaz de mover na mesma direcção todos aqueles que nelas actuam. Ou se existiu, remontará ao Estado Novo! A ideia de comunidade educativa não passa de uma miragem, em que cada um, desejoso de saciar a sua sede de absoluto, acaba por se desinteressar de tudo o resto.
Este desnorte ( esta falta de direcção, de rumo) acaba por ser aproveitado para, de forma inapelável, destruir o pouco que, de forma voluntarista, fora construído nos últimos anos. Nada é lido, nada é interpretado em termos globais; tudo é decidido em função da vaidade do momento. E nem mesmo esta última é consistente.
Em conclusão, nas sociedades laicas, incapazes de definir desígnios colectivos, deixou de haver lugar para o voluntarismo e, consequentemente, a responsabilização, também, deixa de fazer sentido. "Culpabilizar", "perdoar"; "condenar", "absolver"; "pedir justiça, fazer justiça" - de conceitos passaram a noções ocas...

23.10.06

Uma miragem inquietante...

Os que ainda trabalham começam demasiado tarde e todos ao mesmo tempo, entupindo as ruas como as folhas de Outono entopem as sarjetas.
Os chefes chegam tarde ou não chegam sequer. Qualquer subalterno pode abrir a porta da empresa, da oficina, da escola, do ministério. E se chegam, fazem-no sempre com um ar atarefado, não lhes sobrando tempo para identificar e analisar os problemas. E por isso já deixou de haver agenda, tudo vai correndo sobre rodas inexoráveis...
Se alguma coisa corre mal, a causa é sempre externa. Tornamo-nos vítimas. Comprazemo-nos na lamúria. O passado, os genes, a doença, o estrangeiro explicam tudo. Procuramos na diferença a explicação para a nossa decadência. Vivemos bem com os nossos estereótipos, convencidos da superioridade da nossa presença. Mas, se olhassemos à nossa volta, poderíamos perceber que a nossa sombra nos deixou sós...
A vontade de mudar, de contribuir para a mudança não passa de uma miragem inquietante... com cheiro a século XIX.

17.10.06

O paradigma tropical português...

A insatisfação parece ter chegado à Escola. Hoje, nos pátios, viam-se mais alunos. Outros talvez tenham ficado em casa. Mas alguns dos que encontrei e que, raramente, são visíveis fora da sala de aula... mantinham-se na escola na expectativa de que o professor surgisse. Aproveitavam para fazer os trabalhos de casa e preparar os próximos testes no CRE e na Biblioteca.
De manhã, os professores que leccionavam passavam furtivamente para as salas. Os dirigentes sindicais tornaram-se invisíveis ao contrário do que costumava suceder. O Conselho executivo parecia recolhido... O Conselho Pedagógico foi adiado a pretexto da greve, tal como acontecerá, amanhã, com o Conselho de Directores de Turma - o mesmo pretexto.
Um ou dois funcionários executavam tarefas de limpeza: varriam as folhas de Outono, despejavam folhas devolutas.
Ultimamente, comecei a perceber que esta Escola, aparentemente, desajustada, corresponde, afinal, ao paradigma tropical português: alguns funcionários, por astúcia dos restantes, vêem-se obrigados a executar todas as tarefas - do apoio (efectivo) no CRE e na Biblioteca à limpeza das casas de banho, dos corredores, das salas de aula e, mesmo, dos pátios... como se não fossem mais do que a típica criadagem do solar nortenho ou do sobrado brasileiro, mais tarde africanizado...
Para que a tropicalização seja completa, os próprios professores (ex-Senhores-de-si-próprios) decidiram que chegou o momento de se sacrificarem, de se cafrealizarem para que o país possa gerar 500 verdadeiros Senhores a quem todos possamos servir zelozamente.
Para quem tenha alguma dúvida, faça o favor de cotejar o investimento na educação e na ciência (Orçamento para 2007). Está lá escrito. Basta um pouco de cálculo: A ciência goza de um investimento senhorial sete vezes superior ao da escrava educação.
Mas está certíssimo! O que é que a educação nos poderia trazer de bom?
Dentro de 5 anos, 500 novos senhores dir-nos-ão o que mais nos convém... tal como aconteceu com os mestres de Chicago (e arredores) que nos vêm governando nos últimos 25 anos.
PS: Bem sei que não me deveria pronunciar sobre estes assuntos no meio desta histórica greve. Mas não resisti, depois de ter ouvido uma ministra falar dos bons serviços de um grupo de funcionários públicos que desinteressadamente estabelecem os "quadros de referência" que de 4 em 4 anos permitirão analisar 1200 unidades de ensino (de conta?); um secretário de estado que remata os destacamentos mais estranhos para o ministério do trabalho porque ele só corta ( e se houver algum destacamento foi porque alguma escola o solicitou!?) e, sobretudo, um dirigente sindical que teve a coragem de afirmar que há imensos candidatos ao lugar de coordenador curricular - estou a imaginar uma luta fratricida pela ocupação deste lugar que talvez dê assente no Conselho Pedagógico - órgão particularmente apreciado pelo ME e pelos Conselhos Executivos.
Afastada a ironia, talvez valesse a pena avaliar o trabalho gracioso levado a cabo, neste país, por milhares de conselhos pedagógicos nestes últimos 30 anos. Só que esse trabalho nunca poderá ser realizado por quem insiste em deitar fora a massa crítica que existe no país em todos os domínios.
Foi uma sensação de nulidade que senti, hoje, ao atravessar os corredores da Escola, embora essa sensação fosse contrariada por uma funcionária incapacitada de um braço e que, apesar de continuar a recolher as folhas de Outono(!?), me abriu a porta da sala 34, para mais tarde regressar e me perguntar se, afinal, o computador e a impressora já se articulavam pois gostava de aprender a resolver os problemas para poder ajudar os professores. E essa descrença na justiça foi novamente contrariada por um grupo de alunos que me pediu o "manual" e o "caderno de exercícios" para poder fazer os trabalhos de casa - contrariando objectivamente a política do ME...