9.6.07

Impunemente...

Há por aqui (ou será por aí?) muita gente que deveria ver atentamente os filmes de Ernst Lubitsch (Berlim, 1892-Hollywood, 1947), designadamente o filme The Shop Around The Corner / 1940. Na cópia portuguesa, A Loja da Esquina. Um filme sobre a verdade e a simulação. Nas palavras de João Bénard da Costa, apesar de sabermos «que Lubitsch era um fingidor, nunca o vimos fingir tão sinceramente. E por isso também chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. The Shop Around The Corner inventaria o poema de Pessoa se ele não tivesse já sido inventado. Mas é diferente em palavras ou em imagens. Porque estas fingem ainda mais e doem ainda mais.»
Como é que as imagens fingem ainda mais e doem ainda mais do que as palavras?
A não ser que, propositamente, as palavras se tornem inócuas, deixando órfãos os corpos... e dos seus donos fiquem apenas imagens de incómodo, de fuga, prontas a impor uma nova verdade..., como se antes nada tivesse acontecido.
A tabula rasa não é, afinal, mais do que uma estratégia de rejeição da História, em que simulação e verdade são as faces da mesma moeda.
E todos os dias o cilindro da tabula rasa avança, triturando direitos, identidades, vidas... Em nome do quê?
Impunemente...

7.6.07

Desafio falhado, desafio orquestrado...

Por isso escrevo em meio /Do que não está ao pé,/Livre do meu enleio/ Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!Fernando PessoaO menino guerrilheiro (?)
de
DIANE ARBUS

É mais fácil copiar, dizer mal, rir... do que procurar!


Como é que as granadas caíram nas mãos deste audacioso menino?
Para onde é que ele está a olhar? Para nós?
Ou vítima do fotógrafo, limita-se a posar para a objectiva manipuladora do real?
De que modo é que a mediação nos controla os sentidos e nos sabota a razão?
Quem é que está no meio? O menino? O fotógrafo? E nós, onde é que nos encontramos?

2.6.07

Os nós estão cada vez mais soltos...

A verdade é cada vez mais impressiva. Já não se alicerça numa crença ou numa certeza. Já não necessita de fundamentação. Na melhor das hipóteses, exige debate público. Espectáculo. Encenação. Diversão.
Outrora, não havia verdade sem autoridade. Hoje, relativiza-se a autoridade. Os pilares da igreja, da ciência, da educação são arrasados na praça pública.
Todos os dias assistimos à implosão da autoridade. Por enquanto ainda vamos tomando partido, mas por pouco tempo. Os nós estão cada vez mais soltos.
Desistimos de explicar os princípios, eliminámos os objectivos. Passámos a avaliar referenciais de competências pontuais, transversais... à beira da reciclagem.
A inteligência está a ser substituída pela competência. A competência das castas! O cerco intensifica-se a cada dia que passa, e os párias amontoam-se, de portátil debaixo do braço, em transe...

25.5.07

Prosápia ou jactância?

Hoje, sinto-me incapaz de classificar a relação semântica entre prosápia e jactância. No entanto, o país está a ser invadido pelo amor-próprio: via sms, uma editora diz-nos «esperamos que goste dos novos projectos da Texto Editores que enviamos especialmente para si. Com a nossa estima...»; cartazes, na 1ª pessoa, ferem-nos a retina em todas as esquinas da capital; políticos e comentadores deixaram de ter dúvidas sobre o que quer que seja, desde a OTA ao POCEIRÃO; há mesmo quem assegure que, no próximo ano, o Benfica vai ser campeão; a força ilocutória da 1ª pessoa de certos verbos tem vindo a crescer: eu garanto, eu suspendo, eu homologo, eu demito, eu delato, eu nego, eu afirmo, eu juro, eu advirto, eu asseguro... uma perigosa litania verbal que também poderá ser expressa de outro modo:
Eu represento a divindade, por isso o que eu digo é indiscutível...
Eu sou a própria divindade e, portanto, eu só posso dizer a verdade...
Eu sei de fonte segura...
Eu nem preciso de fonte!
Eu sou a própria fonte! E por isso eu decido
quando devo falar
quando devo ficar calado
Eu giro na palavra e no silêncio a meu belo prazer
Só eu sei quando digo
sei
não sei
e por princípio nego que alguma vez tenha sabido
Quanto ao outro, só eu sei!

21.5.07

A Notícia escondida...

Casa da Lusofonia inaugura espaço aberto a culturas 10-05-07 "A Casa da Lusofonia, um novo espaço de cultura, em três pólos, vai ser inaugurado em Lisboa no próximo dia 12 de Maio. Trata-se de uma iniciativa da organização não-governamental Etnia - Cultura e Desenvolvimento com o apoio da Escola Secundária de Camões, da Junta de Freguesia de S. Jorge de Arroios e conta com o apoio de instituições portuguesas e brasileiras. Haverá uma sessão formal de inauguração com visita às instalações seguida de um jantar com a gastronomia tradicional dos países da CPLP. E, segundo um dos seus promotores, Vladimiro Cruz, da Etnia, o objectivo é que haja uma Casa da Lusofonia em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, Brasil e demais países de língua comum. A participação no espaço será efectuada mediante determinados critérios e condições patentes no Regulamento de Funcionamento da Casa da Lusofonia, que está em preparação e que será publicado brevemente. A Etnia é uma associação que tem parcerias com diversos paises, nomeadamente o Brasil, e tem desenvolvido programas de comunicação, cinematográficos e de difusão da língua portuguesa, em muitos lugares, como Portugal, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau." Reacção ao artigo: Manuel Gomes "Casa da Lusofonia inaugura espaço aberto a culturas" Não deixa de ser perturbador que o corpo docente da Escola Secundária de Camões não tenha sido informado da cedência das "Caves", nem da parceria negociada com a Junta de Freguesia de S. Jorge de Arroios e com a ONG "ETNIA", sob os auspícios da CPLP e das autoridades portuguesas (Quais?).Quem quer explicar o secretismo da iniciativa?
Notas soltas:
1. "De ascendência cabo-verdiana e nascido na Guiné-Bissau, o autarca João Taveira mostrava, entusiasmado, às perto de 200 pessoas que o seguiam na visita às catacumbas do emblemático Liceu Camões, agora escola secundária, o espaço farto, mas ainda nú, onde crescerá a “Casa da Lusofonia” na capital portuguesa. Este projecto inédito da “tal” sociedade civil, de quem muito se reivindica em discursos oficiais, mas quando surgem e se não forem auto-sustentáveis, acabam caindo sozinhos ou, senão mesmo, atrofiados por quem explorou a sua criatividade ou dela usufruiu."
2. "Luis Fonseca, secretário-executivo da CPLP, considerou “consistente” esta iniciativa da sociedade civil, contrariamente a outras que têm aparecido mas que se diluem, naturalmente, sem meios. O ex-secretário de estado brasileiro da cultura, Paulo Miguéis, antigo “braço direito“ de Gilberto Gil, notou ser esta uma “aventura que mudará a vivência dos portugueses”. Defende um conceito novo de cultura: “É preciso levá-la aos locais e deixar que a cultura não seja apenas dos que lêem muito, mas também de iniciativa de gente simples. Através das suas actividades estar-se-á a desenvolver a cultura e língua comum”, disse, exemplificando que preservar o ambiente é um acto de cultura. Observou ser necessário um trabalho árduo de mecenatos e patrocinadores, à semelhança da empresa brasileira Telemix celular que aderiu a este projecto e lançou já um concurso lusófono, do melhor filme por telemóvel, a enviar até Setembro, para www.telemix@celular.br"
3. Mário Alves, responsável pela “Etnia” e companheiro de carteira de João Taveira neste mesmo liceu, instituição-referência onde estudaram destacadas personalidades - o escritor Manuel Lopes foi uma delas - explicou que a Casa da Lusofonia é parte de um projecto cuidadosamente elaborado que já vem desde 2004 e que foi apresentado em Bissau no decurso da Cimeira Cultural da CPLP, e que foi uma consequência das muitas iniciativas, que esta organização não governamental tem feito no Brasil.
4. Fonte das notas soltas: otilia.leitao@gmail.com
PS: A CPLP quer promover um novo conceito de cultura - a cultura do lugar... sem leitura! Por isso os responsáveis pela iniciativa não estabeleceram qualquer contacto com aqueles e aquelas que, sob a égide de Camões, promovem diariamente a leitura da lusofonia. Bem poderiam ter aproveitado a cratera que deixaram aberta, junto ao Palácio dos Alfinetes, em Marvila. Uma cratera em que, há uns anos, uma criança morreu afogada. Que os arroios, revoltos, não nos afoguem a todos!

18.5.07

As cadeiras que desrimam...

Um pouco por todo o lado, vemos cadeirões ser substituídos por cadeiras, num processo de rejuvenescimento prometedor.
Claro que me estou a referir aos assentos de responsabilidade: do Senhor Blair ao Senhor Chirac, para falar apenas dos mais ilustres... Por cá, o Senhor Costa promete libertar a capital do cadeiral, e colocá-la no mapa global (versão recente do mapa- mundo). Mas o Senhor Costa já há uns tempos que não lê o seu mentor republicano - Teófilo Braga - pois, se o fizesse, saberia que antes de olhar para o mundo, convém descer às caves, arejá-las, antes que as ossadas saiam dos armários e nos lancem numa batucada de arromba.
No entanto, duvido que o envernizamento das cadeiras consiga restaurá-las. Não é que eu tenha alguma coisa contra a limpeza das fachadas. Mas, de facto, falta-lhes o miolo. E quando este não falta, deve-se sempre mandar analisá-lo, não vá o verniz disfarçar a ferrugem ou, pior, esconder o bolor.
E a despropósito, vou citar BOLOR de Carlos de Oliveira: «Os versos/que te digam/a pobreza que somos/o bolor/nas paredes/deste quarto deserto/os rostos a apagar-se/num frémito de espelho/e o leito desmanchado/o peito aberto/a que chamaste/amor.
De facto, onde é que as cadeiras se cruzam com o leito?
(- Não há por aqui sombra de contexto!? Ou como perguntava um desencantado professor: Como é possível começar a dissertar sobre cadeirões e acabar em bolor a desrimar com amor?)