4.8.10

O casulo…

Lá dentro, não mora ninguém! A cigarra, com a canícula, libertou-se para nos dar cabo dos ouvidos. Arreliado com o canto, apetece-me exclamar como o Teixeira de Pascoaes: o ruido estridente e monótono da cigarra é literatura. Com as devidas distâncias, pois Pascoaes, no momento em que redigiu o aforismo, pensava num cão: o ladrar é literatura.

3.8.10

Na praia de Alvor… com procurador

Hoje, desci à praia de Alvor. Um areal imenso prenhe de corpos. Lá arranjei um buraco para me esconder de mim mesmo, enquanto lia 4 ou 5 páginas do DN sobre a morte do antigo director, Mário Bettencourt Resendes. Claro está que quando um homem morre só tem qualidades (de facto, eu até gostava da serenidade do comentador!) Percebi que quando o Mário se zangava mudava o registo de língua para Os Açores, o que, a mim, me faz falta – talvez haja por aí um registo ribatejano falho de vogais que simplifica de tal modo a fala que nenhum interlocutor chega a saber o que queremos dizer, os ribatejanos.

Enquanto o calor me obrigava a pensar em atirar-me à água, ia percebendo que, mesmo ao lado, no jornal, morava o meu vizinho, da Portela, procurador da república, que se imagina rainha da Inglaterra. Nunca percebi esta falta de consideração pela (velha) rainha e, consequentemente, pelos seus súbditos que nos cultivam o Algarve! E já é tempo, de 100 anos depois de instaurada a república, deixar de estabelecer analogias com a monarquia, a não ser que o procurador queira ser um monarca…, o que, repentinamente, me faz pensar que o melhor é pôr-me a averiguar por que motivo veio D. João II falecer em Alvor.

De qualquer modo, não consigo compreender porque é que o procurador não bate com a porta, e põe cá fora tudo o que sabe. No meio de tudo isto, parece que a investigação só existe para afastar, de qualquer modo, as acusações feitas a alguém,  ou, pelo contrário, para incriminar, custe o que custar, quem lhe sai ao caminho…

( E o maldito calor sufoca-me e atrofia-me a mente!)   

/MCG

2.8.10

Lição de uma rola…



Nem todas as obras cumprem com a mesma eficácia o objectivo para que foram criadas.  Umas deviam tratar-nos do corpo; outras da alma. As primeiras, rasteiras, passam despercebidas; as segundas, altivas, elevam-se aos céus. Descrente das primeiras, quiseram-me purificar a alma. Resisti por palavras e omissões até ao dia em que fui convidado a repensar a minha vocação. Ainda, hoje, não sei onde é que perdi o apelo do céu (ou seria da terra?); continuo a cumprir algumas tarefas, umas mais nobres outras mais mesquinhas. Nem mesmo, em férias, me liberto de quem esperam que eu seja. Corro o risco de não conseguir ser eu próprio e, principalmente, de não perceber que o único objectivo deve ser, em vez do tronco firme e resistente, procurar o ramo instável e quebradiço…
/MCG     

1.8.10

Os meus hypomnemata…





Ontem, referi-me aos termos askesis e hypomnemata sem lhes explicar o sentido. Hoje, passada a neblina matinal, aproveito para elucidar que a askesis é um velho termo para designar o adestramento de si por si mesmo. Em regra, este procedimento, na convicção de Epicteto, exige que nos submetamos a três tarefas diárias: meditação, escrita e exercício físico.

Quanto aos hypomnemata, estes são uma memória material das coisas, lidas, ouvidas ou pensadas, e podem servir a via da ascese. Sem qualquer tipo de pretensão, quero crer que estes meus “posts” são, afinal, os hypomnemata dos antigos, se eu persistir na askesis de mim mesmo.

Tudo isto pode parecer inútil se a desorientação se tiver apoderado de nós. Todavia, se fixarmos o olhar, o cavalo sabe qual é o caminho…

31.7.10

Com sol, omnes cogitationes…

Com sol tudo é diferente, bem sei que há quem prefira a noite, com ou sem luz artifical. No meu caso, a simples ideia de caminhar no convés de pedra só se coloca sob a intensa luz natural. E o rendilhado da pedra sob os meus pés desperta-me para os tempos em que o oceano assolou as montanhas e a força das ondas as vergou. Há quem pense que eu estou de férias, mas não.
Aqui vejo e ouço o modo como o diverso se submete à lei do mais forte. Aqui, descubro que nem sempre é o pobre quem passa mais fome. Aqui, descubro palavras que verdadeiramente me interessam: “askesis”; “hypomnemata”… Aqui, procuro  ir além do «in memoriam non ingenium»…

30.7.10

Sem sol…

Cheguei sem sol e, assim, continua. A praia fica a 500 metros do parque de campismo. O caminho é bom, apesar de obrigar a algum esforço no regresso (isto para quem anda a pé!) A areia branca e fina abriga-se entre falésias de ardósia. Tudo parece acolhedor, mas, hoje, falta o SOL.

25.7.10

Reapreciar…

Desde sexta-feira que reaprecio provas de exame. A tarefa é melindrosa. Sobretudo, porque, a certa altura, deixam de estar em causa as respostas, passando para primeiro plano a qualidade das perguntas e dos critérios de classificação.

E nem vale a pena falar das alegações, sempre cheias de razão…, ignorando, por inteiro, a diferença entre o texto argumentado e o texto digressivo, desconhecendo o que é um argumento e apostando em exemplos descabidos.

Mas esta ignorância não é apenas dos examinandos, ela está inscrita nas instruções das provas de exame, desrespeitando a tipologia textual consagrada nas orientações programáticas do actual Programa de Português.