15.3.12

O aeróstato e o ponto de vista

Na verdade, o padre Bartolomeu Lourenço inventou o aeróstato, apresentando-o com sucesso, e para estupefação da corte de D. João V, no dia 8 de Agosto de 1709. E essa novidade foi decisiva não só para o desenvolvimento da aeronáutica mas, sobretudo, para a deslocação do ponto de vista na narrativa. ( Seria interessante, analisar o modo como a ciência e a tecnologia servem o projeto de escrita de José Saramago.)

Basta ver como Saramago, consciente do contributo daquele invento, nos faz viajar sobre Portugal no Memorial do Convento, capítulo XIX: «Muito melhor veríamos, e muito mais, se olhássemos de alto, por exemplo, pairando na máquina voadora sobre este lugar de Mafra (…) não há melhor miradouro que este onde estamos, não faríamos ideia da grandeza da obra se o padre Bartolomeu Lourenço não tivesse inventado a passarola». ( E toda a panorâmica aérea nos é dada, como se fosse um grande plano, num único período.)

No essencial, Saramago, ao deslocar da terra para o espaço aéreo o ponto de vista, constrói uma representação da excentricidade e megalomania reais a que o homem coevo da edificação do convento não teve acesso, o que sobrepõe de forma magistral o plano do discurso ao plano da história.

A leitura desta obra pressupõe, assim, o desenvolvimento da competência de análise da ideologia do narrador que, a cada passo, parodia a História oficial, seja do século XVIII seja do século XX.

PS: Se aqui registo estas palavras é porque considero que, nas nossas escolas,  a leitura  da obra de Saramago está a ser vítima de uma enorme mistificação que acabará por condenar o autor ao esquecimento. É só uma questão de tempo. Veja-se por onde andam Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Agustina Bessa Luís…

14.3.12

A Torre do Prior do Ameal (de António Nobre)

Literariamente, esta torre é conhecida por Torre d’Anto porque aqui viveu, durante uma semana, no outono de 1890, o «ermitão da Saudade» – António Nobre – que, chegado a Paris, se metamorfoseou no «pobre lusíada, coitado.»

A Torre alberga atualmente a Casa do Artesanato ou Núcleo Museológico da Memória da Escrita de Coimbra.

11.3.12

Alguma cor…


Em tempo de depressão, de seca e de irracionalidade política, este fim de semana, encontrei alguma cor em Coimbra. E também descobri uma scut – a A19 – sem vivalma! ( 2 pórticos: 1,15 €)

10.3.12

Se Pedro e Inês…


Se Pedro e Inês voltassem à Quinta das Lágrimas talvez jogassem golf, deitando por terra o mito inesiano.
Terra de dor não tivesse ela pertencido à Rainha Santa Isabel, assistiu ao fulgor e ao terror de Inês, mas parece ter esquecido o sofrimento do Poeta que a eternizou.
Não  tivesse Ele, ali,  suportado a vingança de um marido e pai ciumento, e dificilmente teria escrito «Estavas linda Inês posta em sossego…»
Por isso mais do que o Lírico, é o Épico que por si chora nas páginas de Os Lusíadas e, deste modo, se vinga dos poderosos deste mundo.
E assim se compreende que lhe tenham saqueado a biografia…
PS: Entrar nos Jardins da Quinta das Lágrimas tem um preço: 2 €.

8.3.12

Algures no infinito…


Entre 1955 e 1973, Jorge Luís Borges foi diretor da Biblioteca Publica de Buenos Aires, situada durante um certo tempo na calle México. E foi lá que ele “perdeu” “El Libro de Arena” cuja posse se revelara um pesadelo, pois «el mejor lugar para ocultar una hoja es un bosque».
A estória  do livro sem princípio nem fim (como se de areia se tratasse) acompanha-me enquanto, finalmente, cumpro o habitual circuito pedestre. Só que  o infinito surge-me como uma ideia doce. O que me pesa é o finito! Nem a possibilidade de estar à deriva me agita. Pensar em Deus tranquiliza, porque estou certo que ele, ao encontrar-se algures no infinito, não está preocupado comigo… Eu não passo de uma folha perdida no bosque!
Tudo o que é finito me assusta. Se tenho que classificar 25 provas, entro em depressão: o número limitado de perguntas sufoca-me; o número previsível de erros assusta-me. Vou ter que acabar a tarefa, sabendo que, amanhã, continuo refém.
De certo modo, estou a aprender que mais valia que a dívida portuguesa fosse infinita. Passos Coelho, ao convencer-nos que as folhas do livro da dívida  são quantificáveis, deixa-nos à míngua e torna-nos cativos de nós próprios…
Afinal, Sócrates sabia do que falava. Provavelmente, algum assessor tinha lido El Libro de Arena de Borges e, em particular, a estória Utopia de un hombre que esta cansado.

6.3.12

Ao Sol!

Prédios de doze andares, em espinha, e, no intervalo, uma nesga de Tejo azul. Para lá do rio, a terra acastanhada sob um céu cerúleo, mas acastelado de falsas promessas de chuva.

Os automóveis e os camiões, alheados, continuam a rolar, longe dos profetas da desgraça… e o rumor da ponte por amortizar ensurdece-me o olhar.

Claro que, talvez, pudesse referir-me ao Álvaro e ao Gaspar – à Economia e às Finanças –, mas ainda estou longe de perceber se prefiro a familiaridade do primeiro se a nobreza do segundo. É que, para mim, quase tudo se esgota nas formas de tratamento!

Por isso vou continuar a fitar o Sol antes que ele se apague, ou, melhor, antes que os meus olhos se despeçam da língua de água que espreita por entre as torres que me cercam.

4.3.12

Quási…

«Um pouco mais de sol – e fora brasa, / um pouco mais de azul – e fora além.», Mário de Sá-Carneiro

Um pouco mais… e não teria gasto o fim de semana a classificar ‘testes intermédios’!

- Afinal, o que é que me faltou? O golpe d’asa?

- Não, o rio, porque esse com mais ou menos azul continua perto, sem, no entanto, me levar ao mar…

(Ainda a ilusão de poder ser útil!)