15.10.12

Dia XVII

I - a) A leitura e a aquisição de conhecimento. A obra organiza-se em torno de temas que, depois de identificados, devem ser arrumados em categorias que possam ajudar a responder a perguntas prévias ou despertadas pelo ato de ler.
     b) Noção de auto-referência aplicada ao texto biográfico e autobiográfico. O sujeito expõe-se, torna-se objeto textual. E esse ato pode ser revolucionário se questionar a ordem estabelecida ou apenas narcísico.
     c) Bocage no soneto " magro, de olhos azuis, carão moreno" rompe com o retrato do «antigo regime», hagiogáfico do rei, do nobre, do papa, do santo... para se colocar no olho do texto, reivindicando o privilégio de ser visto não como ídolo mas como cidadão disforme, contraditório, humano, capaz de criar, subvertendo os modelos e impondo uma diferente visão do mundo... Para atingir tal desiderato, Bocage não teme recorrer à ironia e à caricatura... e ao fazê-lo mistura magistralmente o registo lexical e sintático alatinado com o registo familiar e corrente, ocupando, deste modo, esse espaço novo que anunciava Herculano e Garrett...
 
II - Ato III de Um Auto de Gil Vicente. Agora no galeão de Santa Catarina, o que se passa entre pai e filha, entre rei e infanta / duquesa continua escondido, mas resolve o problema do rei. Ao contrário de Afonso IV (tragédia Castro, de António Ferreira), o rei D. Manuel I não necessita de mandar executar Bernardim: bastam-lhe a obediência da filha e a distância cavada pela viagem entre Lisboa e a Sabóia! O palco acaba ocupado não pelo dilema, mas pela controvérsia causada por Garcia de Resende que teima em desvalorizar o papel de D. Manuel se comparado com D. João II. Este planificou e aquele colheu os frutos que aplicou na construção de monumentos que acolhessem os seus restos e eternizassem a sua glória. O povo fica esquecido e mais pobre. Dele não se fala mais, embora não saia do pensamento do autor...   
(Em rodapé, ficou a bailar uma dúvida sobre o grau de absolutismo de D.João II.)

14.10.12

Cardeal dá a mão...

Pensando melhor: os cardeais não ficam senis! Quando falam é porque querem lançar a semente à terra.
No caso do cardeal Policarpo, ao condenar a governação a partir da rua (as manifestações organizadas e inorgânicas), ele estava a dar a mão aos discípulos que determinam a política do governo.
Bastaria analisar o currículo de governantes e respetivos assessores para perceber a ordem em que foram educados. A maioria saiu da Universidade Católica e muitos lá esperam voltar.
Esta universidade é um porto seguro! Tem uma doutrina sólida, forjada, entre outros, pelo cardeal Policarpo.
No essencial, apesar de frequentemente debater a decisão democrática, a doutrina desta universividade assenta na formação de um escol que conduza o povo ao redil, mesmo que seja necessário sacrificar a turba.
A turba é o inimigo natural e assim se explica que, à semelhança do que aconteceu quase há 100 anos, o cardeal tenha sentido necessidade de condenar as manifestações e, simultaneamente, incentivar os discípulos a muscular a decisão política. 
 

13.10.12

O cardeal

(Exiit seminare.)
Indiferentes às pouco evangélicas palavras do cardeal Policarpo, procissões sindicais,  tampas, panelas e garrafões, empresários de farmácia (graúdos e minguados), compositores, músicos, bailarinos, actores com e cem c, poetas e declamadores, imitadores e palhaços (...) todos saem à rua.
E eu também saio, sem nada querer semear, apenas observo. E o que vejo?
 
Duas largatixas, por entre pedras e espinhos, a lutar. A maior capturara uma minhoca, a mais pequena tentava roubá-la sem êxito. Findo o combate, a primeira estende-se a deglutir a presa; a segunda escondeu-se sob as pedras. 
 
E o cardeal Policarpo também saiu. O que é que terá ido fazer a Fátima?

Garrett e Vieira, os valores

Da Sexagésima (Padre António Vieira) a Um Auto de Gil Vicente ( Almeida Garrett), o que mais me chama a atenção é a denúncia da ausência de valores nobres - os pregadores preferem a comodidade do paço; o paço vive da adulação dos grandes e da opressão dos pequenos. 
O romântico Garrett coloca nas vozes de Bernardim (Ribeiro) e de  Paula Vicente a seguinte questão:
« - Que mais é preciso para ser nobre e grande - maior do que ninguém na tua terra?»
« - Adular os grandes e oprimir os pequenos
Para Almeida Garrett (tal como para o Padre António Vieira), o poder e a glória só podem ser resultado do trabalho, do sacrifício, transformados em mérito. Estes valores não podem ser herdados. (E nem vale a pena aqui registar o pensamento de Camões sobre esta matéria!)
 
«Eu sou Bernardim Ribeiro, o trovador, o poeta, que tenho maior coroa que a sua. O ceptro com que reino aqui, ganhei-o, não o herdei como eles - Beatriz é minha.»
 
O romantismo é afirmação de homens que rejeitam a herança ( a linhagem ) como caminho. Homens que querem construir o próprio caminho.
 
E o mesmo se deve passar na escola... na sala de aula! É preciso dizer basta às linhagens!

12.10.12

Desagregação

É extraordinário como a governação (ou será governança?) se faz hoje na rua: nos diretos televisivos, nas redes sociais, nas edições online, nas primeiras páginas dos jornais, nas manifestações sindicais e inorgânicas... tudo no imediato! Avança-se e recua-se conforme os ventos estão ou não de feição.
Esta nova arte de governar decompõe, desagrega, deprime, furta, arruína até à morte. À morte de cada cidadão e da coletividade.  Há quem pense que esconde um programa, mas não.
É a arte da preguiça, da falta de conhecimento, da soberba e da indiferença. Nenhum valor nobre determina a decisão.
E os maus exemplos surgem de toda a parte...
 

11.10.12

Dia XVI

I - (Bem poderia começar com um exercício respiratório!)
Explicar o uso e a especificidade do código oral e do código escrito traz de volta  o enunciado e a enunciação em todo o seu esplendor:
- O céu está azul.
- O céu está azul!
- O céu está azul?
- O céu está azul? - Não, está negro!
Olho ( não oiço!) e vejo sinais que marcam não apenas o que é dito, mas a presença do locutor, a distância do interlocutor e a recriação do momento de enunciação.  E os sinais gráficos surgem para apontar os caminhos da interpretação (diferida, agendada, refletida).
Mas quando falo tudo é diferente, os sinais gráficos ainda não chegaram. Falo sem rede! Agora é a entoação, são as pausas, as interrupções que do ouvinte (interlocutor) exigem atenção permanente. O locutor não pode apagar o que é dito, pode reformular, lateralizar, mas não pode recuar, pois não tem qualquer poder sobre o tempo. O discurso oral, porque feito de enunciados e não de frases, necessita de ser um acontecimento. Se tal não acontecer, tudo definha...
Pelos exemplos, se vê que se pode informar, exprimir uma emoção, solicitar uma confirmação ou agitar as consciências. Na enunciação não há tréguas!
De regresso à sebenta, torna-se necessário voltar ao erro e ao desvio, para  logo explicar que estes conceitos só fazem sentido se estiverem indexados à norma-padrão escrita, tornando a oralidade serva da escrita. E esta subordinação é nefasta, porque mata a autenticidade e a dinâmica comunicacionais.
Essa dinâmica que nos permite elidir, suprimir, omitir, ocultar, furtar, roubar, sempre com o olho no desvio sintático que alguém designou como elipse.
 
II- E como o discurso oral necessita de ser acontecimento, volto agora (há umas horas!) ao Sermão da Sexagésima. E só por instantes houve epifania! Ir ouvir um sermão para de lá sair com um peso na consciência não deixa de ser um indicador de masoquismo. Mas era esse o objetivo do Pregador evangélico: levar os pregadores do paço a meter as mãos na consciência, procurando as razões que impediam que a palavra de deus frutificasse. A crítica de Vieira revela-se herdeira de Gil Vicente ( Frei Paço) e não irá escapar nem a Garrett nem a Eça...
O pregador dos passos quer agitar as consciências dos pregadores da corte. No fim, o número de inimigos terá certamente aumentado!
 

10.10.12

Dia XV

De Paula Vicente a Mariana, um passo apenas!  Ambas parecem desempenhar um papel secundário em relação a Beatriz e a Teresa ( as heroínas românticas). No entanto, é nelas que os autores apostam, ao torná-las mais humanas, mais próximas do leitor, embora o leitor urbano de hoje revele dificuldade em compreender os universos a que cada uma pertence - o teatro (estatuto do dramaturgo e do ator) e os ofícios (ferreiro). Na leitura, essa dificuldade revela-se na incompreensão do vocabulário específico de cada domínio...
Como já foi referido (Dia XIV), Mariana ganha relevo pela sua presença nos momentos de maior dificuldade de Simão, sujeitando-se voluntariamente a papéis de mensageira, de enfermeira, de confidente e de acompanhante, para ser vista por Simão como simples irmã. Irmã no presente e no eventual pós-degredo.
Em síntese, o desenho das personagens é mais ou menos rmântico / realista de acordo com o grau de idealização.