24.7.13

O crivo avaliativo

No ministério da educação, à medida que se despreza ou mercantiliza a formação, cresce o crivo avaliativo.
Entregue a departamentos universitários sem recursos e, sobretudo, vivendo longe do terreno, a formação inicial dos mestrandos de Bolonha acaba por enganar os candidatos ao ensino, atirando-os para a precariedade. Apesar disso, em regra, os que conseguem uma colocação como contratados cumprem com zelo e submetem-se, anualmente, à avaliação interna, revelando empenho e profissionalismo. É-lhes, no entanto, proibido candidatarem-se à avaliação externa.
Todas as equipas ministeriais têm recorrido ao crivo avaliativo para atingir objetivos que não prezam a melhoria da qualidade de ensino, nem a redução do insucesso escolar. Apesar dos recursos mobilizados em tecnologia e em formação de formadores de curta duração, a realidade mostra que o crivo avaliativo só serve para nivelar por baixo, para desclassificar profissionalmente, para excluir e, sobretudo, para impedir a progressão dos docentes, humilhando-os com tarefas inúteis, e reduzindo-lhes o vencimento...
Na vida de um docente, milhares e milhares de horas são gastas, por imposição do ministério, em atividades não letivas. Curiosamente, ninguém estranha tanta hora não letiva! Tanto desperdício! Basta ler o LAL 2013-2014 para perceber a ineficácia do sistema educativo...
Agora, chegados a Julho, o ministério ameaça com exames em Janeiro, elaborados pelo GAVE (será IAVE?). E as vítimas serão, de início, os candidatos ao ensino, mesmo se formalmente diplomados e considerados aptos para a profissão, e os contratados. Mais tarde, será a vez de avaliar os empurrados para a mobilidade.
Entretanto, as escolas superiores de educação, os institutos politécnicos, as universidades com ou sem via de ensino vão ficando para trás. Porquê? Será para desmantelar o que resta das orientações do professor Mariano Gago?
Em Portugal, há quem diga que a culpa é do sistema! Mas, em Portugal, não há sistema! Em Portugal, vive-se em permanente ocupação. É o chega para lá!

23.7.13

Saramago enxovalhado

Não sei se o ribatejano José Saramago algum dia se terá postado ante portas do senhor Mário Dias dos Ramos (Maia,1935), mas a leitura da crónica "O potencial ditador" publicada pelo jornal i (23 Julho 2013) deixou-me a pensar que o filho da Azinhaga (Golegã) mais não seria que um desses bárbaros modernos assim enxovalhado por uma serôdia cruzada cultural, em nome da civilidade...
Pois é em nome da civilidade que o senhor Mário Dias dos Ramos se atreve a comparar o realizador Manuel de Oliveira com o escritor José Saramago, embora me pareça que, no essencial, os argumentos favoráveis ou desfavoráveis não se dirigem à obra realizada, mas, sim, ad hominem.
No caso de Manuel de Oliveira, este é retratado como um aristocrata simples e humilde, de renome mundial. Quanto ao «jubilado pelo Nobel», o colorido é bem diferente: trata-se de «um homenzinho insignificante com cara de lobisomem e de poucos amigos, a quem a glória subiu à cabeça».
E não posso deixar de citar um parágrafo bem revelador da natureza de quem se viu excluído do círculo de Saramago: «O contraste entre o homem bom e simples que, no cinema, tem sabido retratar, implacavelmente, esta sociedade agridoce que somos todos nós, e o homem que jamais pôde fugir a si próprio, ao seu destino duro, arrogante, impante de sobranceria, irritabilidade e agressividade, aquele ar persecutório de inquisidor-mor do mundo e dos homens.» 
Se entendi bem o pensamento do cronista, ao citar, de forma descontextualizada, Saramago -« em cada democrata existe um potencial ditador» - o despotismo faz parte da natureza dos bárbaros, dos plebeus... e só preocupa, só suscita medo quando se aproxima demasiado da porta dos aristocratas...
Apesar de tudo, quero acreditar que este enxovalho nada terá a ver com Manuel de Oliveira e, também, quero acreditar que o diretor do i, senhor Eduardo Oliveira e Silva, não terá estado atento à composição da página 13, à relação subliminar entre texto e foto.

22.7.13

Até agora

Podemos olhar de frente e não ver o problema.
Podemos querer uma solução sem ver que o problema tem muitas incógnitas.
Podemos olhar para as incógnitas e não ver a rede que as suporta.
Podemos destruir a rede e não ver a solução.

Até agora, embora conheçamos o problema e a rede que o gera, ainda não encontrámos a solução, porque nós somos uma das incógnitas.
Somos parte da rede!
No discurso do portuguesinho, a fonte do problema é sempre o outro, o maldito!

Fotografar é disparar

Fotografar exige o olhar, mas olhar não é ver. No fotografar, o instantâneo é um disparo. (Fonte: Erich Fromm, The Anatomy of Human Destructiveness, 1974)

Nestes últimos dias, só disparei uma vez! Fixei-me na curva apertada que abre para o horizonte sadino. Quando olhei, procurei a linha de água e o resto da muralha do castelo, e a maior parte dos indicadores desprenderam-se dos olhos, talvez, para que mais tarde eu pudesse analisar cada um deles. E com tempo, porque sem ele não é possível destrinçar os elementos, observar-lhe a posição, a cor, o volume: devolver-lhe o espaço engolido pela pressa.

Ver exige paciência, concentração, interesse, abertura interior. Ora, antes de disparar, gastei umas tantas horas a classificar provas de exame, para concluir que poucos são os alunos que veem. Basta relembrar que encontrei cavaleiros medievais, sentados em esplanadas de café, a contemplar ociosas donzelas que passavam sem lhes dar atenção, ou que no conto “A Importância da Risca do Cabelo”, de José Rodrigues Miguéis ninguém identificou um pingo de IRONIA ao retratar o Mansinho. Repito: o Mansinho!

Na verdade, o mais fácil é disparar! 

/MCG

21.7.13

O planalto pariu um coelho

De nada serviu Cavaco ter subido ao planalto da Selvagem! Moisés subira à montanha e trouxera as tábuas da lei que durante séculos orientaram o povo hebraico. Cavaco não só não trouxe nova lei como não conseguiu sequer caçar novo coelho!
Hoje, ao 9º minuto da sua preleção, voltou a servir-nos coelho requentado.
Consta, entretanto, que a crise custou 6 milhões de euros. Gosto da precisão, mas não entendo como é que, sendo tão rigorosos, não conseguimos identificar os fautores e responsabilizá-los.
(...)
Neste fim de semana, no que me diz respeito, ocupei o tempo de crise, como muitos outros professores, a classificar provas de exame, sem esperar qualquer gratificação. Já lá vai o tempo!
E claro, estive atento ao comentário do diretor do GAVE que, sem pudor, atacou a Associação de Professores de Geografia, acusando-a de esgrimir argumentos sem o «mínimo de rigor», porque esta pusera em causa a formulação de vários itens da prova da 1ª fase. O douto diretor, em vez de mandar analisar os ditos itens, disparou contra os alunos, pois, nos últimos anos, de acordo com a análise estatística (a safada!), estes continuam a mostrar dificuldades «na leitura inferencial, na capacidade de escrita, em particular na capacidade para a produção de discursos estruturados, coerentes...» 
Onde é que já vimos este argumento? O senhor diretor já deveria ter compreendido que o problema não é de natureza geográfica. Apesar de transversal, a escrita, nas atuais condições, acaba por ser diminuída nas aulas de Português, nos testes de Português, nos exames de Português...
Chegados aqui, o problema já não pode ser resolvido pelo diretor do GAVE. Compete ao Ministro da Educação ordenar um inquérito aos exames nacionais e tirar as devidas ilações...
(Fonte: Público, Domingo 21 Julho 2013)   

20.7.13

Um presidente ausente

Escrever um pouco mais, mas para quê? As epístolas só interessam a anacoretas! As cartas não resistem à busca absoluta e volátil de sensações... a poesia nem digestivo consegue ser! E quando a arte morre, o romance espera a sua vez: abre-se o contentor e, sem aviso, lá vai lixo, em bruto!
Claro que ainda sobram uns tantos vagabundos de sensações, mas estes não trocam o esgotamento pelo portátil...
É como se o presente fosse apenas duração: O presidente dirige-se ao país amanhã! E porque não hoje? Ficamos à espera da palavra redentora que já sabemos que não existe... em vez da epístola sagrada, da carta de amor ou de desagravo, do ópio da poesia, da plasticidade romanesca, suspensos, estamos à espera que o presidente puxe a cavilha à granada.
 
Poder-se-ia escrever sobre a causa da crise, mas ninguém quer assumir a responsabilidade, porém ela é de todos!
E se alguém escreve e eu não o confesso, não é porque queira faltar à verdade, nem porque Deus tenha deixado de contar comigo para seu porta-voz, mas porque me afastei para longe das cartas que circulam um pouco por toda a parte a confessar a culpa alheia.
Entretanto, vou esperar pelo próximo prefácio do presidente para saber se, afinal, a culpa da crise é, apenas, minha.

PS. Decidi mudar o título "Um presidente sem presente" porque o presidente tem presente, nós é que não. Na verdade, o presidente subiu ao planalto da Selvagem para se distanciar de nós, para se ausentar de nós. Quando o presidente se nos dirige é da "ilha afortunada" onde passou a viver, apesar do tom plangente, de facto, distante...
  
 
 

19.7.13

A inconveniente incerteza

Já várias vezes, aqui, referi que os tempos são de incerteza e que por isso ela tornou-se um lugar comum. Por outro lado, também, aqui, escrevi, que, desde 2011, o Governo vem espalhando a incerteza sem que tal sementeira o incomode por aí além. Pelo contrário, o medo resultante da incerteza tornou-se numa forma cómoda de domesticar a revolta. 
Entretanto, o inefável Passos vem agora acusar o presidente da república de atiçar a incerteza ao anunciar eleições legislativas a partir de junho de 2014. Num improviso néscio, Passos consegue mesmo afirmar que não há nada mais incerto do que o resultado de umas eleições...
O argumento mostra como o senhor primeiro-ministro não sabe qual é o efeito de não encontrar emprego, de perder o emprego, não sabe qual é o efeito do desmantelamento das poucas certezas que restavam aos aposentados, reformados e pensionistas, aos funcionários públicos e trabalhadores em geral.