17.4.15

Sem ressentimento...

«A nossa personalidade social é criada pelos pensamentos dos outros.» Marcel Proust

Um conhecido disse-me que eu estaria a "postar" demasiado no Facebook. Este remoque pareceu-me excessivo, até porque eu só reencaminho para o "face" os "posts" que vou rabiscando no meu blogue.
No entanto, este meu conhecido e "amigo" tem razão. Afinal, os outros pouco ou nada dizem das observações que vou fazendo e, provavelmente, nada têm a acrescentar, a não ser que a minha personalidade é pouco social e parece viver de costas voltadas para a espuma dos dias...
Ao procurar uma explicação para o reencaminhamento destas notas acabo por concluir que estou a ceder a uma necessidade de eco que, para mim, deveria ser secundaríssima.
A personalidade social vive do eco e quando ele não se faz ouvir pode levar à desilusão, ao ressentimento. E até a um certo desejo de vingança.

Na verdade, Caruma surgiu, não para alimentar a minha personalidade social, mas para que, à medida que a memória falha, reste um fio condutor sobre o qual ainda possa caminhar. Neste caso, caminhar sobre a Caruma!
Logo que a Caruma desapareça, o mais que poderá sobrar é um levíssimo traço que o tempo se encarregará de esfumar. E sem qualquer ressentimento!

16.4.15

Homens ressentidos

Os sinais e as provas da violência acumulam-se a cada dia que passa. A comunicação social e as redes sociais ampliam-na e parasitam-na, e nós que fazemos?  Passado o estremecimento, analisamos a violência como um instituto autónomo assente num grupo de assassinos e terroristas possuídos por uma mente doentia e destruidora. Isolamos a violência, e recusamos ver as causas  por mais evidentes que elas sejam...
Ora os indivíduos, que, a cada passo, sacrificam os mais fragilizados, são seres ressentidos porque, afinal, apesar de todas as promessas de igualdade e de liberdade, se veem condenados a viver num mundo que os atira para a miséria ou que os marginaliza pelas mais variadas razões...
Em Portugal, o ressentimento cresce e a violência só pode aumentar. Não há qualquer panaceia para este problema. Por mais que se pense que uma melhor educação pode minorar a questão, a sabedoria popular diz precisamente o contrário: Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.
E de nada serve fazer promessas, traçar futuros de esperança, se não formos capazes de lidar com o desfasamento entre o virtual e o real.

A este propósito, hoje vou citar a nota de rodapé nº 39 da obra de James Wood, A Mecânica da Ficção:
«A análise do ressentimento feita por Dostoiévski tem uma enorme relevância para os nossos problemas actuais. O terrorismo é, claramente, o triunfo do ressentimento (por vezes justificado); os homens na clandestinidade e os revolucionários russos de Dostoiévski são essencialmente terroristas. Sonham vingar-se de sociedades que lhes parecem demasiado brandas para merecer clemência. Tal como o narrador de Notas do Submundo «admira» o oficial de cavalaria que odeia, talvez haja um certo tipo de fundamentalista islâmico que odeia e «admira» o Ocidente secular, e odeia-o precisamente por o admirar ( odeia-o segundo o sistema psicológico de Dostoiévski, porque no passado foi beneficiado por ele - com as vantagens da medicina, ou a tecnologia necessária para pilotar aviões contra edifícios, por exemplo).»

De facto, o ressentimento não é apenas uma característica do fundamentalista islâmico, é uma característica de qualquer tipo de fundamentalismo, público ou doméstico. Sempre que o homem ama, ou mesmo possui, e se vê despojado do objeto de desejo, abre-se o pórtico do ressentimento para a avenida da violência... O ciúme, a raiva, o grito são os sinais. 
Mas quem quer saber? É mais fácil acusar e condenar.

15.4.15

Em modo de espera

O ecrã branco em modo de espera, de longa espera, dá tempo para que a cabeça descaia sobre a pressão das mãos, como se a chuva intensa a tivesse esvaziado... as avenidas alongam-se em caudais que afogam os rodados, e a pergunta surge do susto da sammy, porque é que em dois ou três minutos lisboa se torna líquida em vez do porto seguro a que outrora ulisses aportou...
Sem resposta, a sammy vê-se obrigada a fazer a dança da chuva antes que a íngreme escada da rua de são bento a liberte do susto, mesmo se, em troca, o veterinário lhe tire os pontos da costura recente... na verdade a sammy prefere o vento dos telhados ribeirinhos à chuva de lisboa...
O ecrã branco em modo de espera é, como dizem os literatos, metáfora das filas intermináveis de veículos de tal modo fascinados pelos arroios desesperados e esquecidos do tempo em que corriam para o tejo, que, também, preferem ficar em modo de espera, enquanto a cabeça descaída não se liberta das tenazes que insistem em sugar-lhe a serenidade...
Do vazio do ecrã branco salta, entretanto, um grupo virtual, reduzido ao voyeurismo ou, em alternativa, ao narcisismo... e a cabeça volta a descair sobre a pressão das mãos.

14.4.15

A morte módica

«como de facto dia a dia sinto que morro muito,
melhor é pôr-me de lado quando alguém puxa dos números,

agora parece que já ninguém nasce,
as pessoas agora querem é morrer,
e como não morrem bem porque no esplendor das obras as compensações são baixas,
procuram a morte módica,
vão todos juntos para as praias onde não há socorristas,
praias do inferno sem nenhuma salvação...»
Herberto Hélder, A Morte Sem Mestre, pág. 31, 2013
    Não é que queira contrariar o Poeta, mas é inevitável que os críticos literários ocupem o tempo a contar o número de vezes que ele de forma explícita, ou não, se refere a esse acidente da vida que é a morte... Por outro lado, a opção pela morte é uma consequência da austeridade imposta pela parte mais esperta da humanidade, não havendo, para a maioria, alternativa: Que a terra os engula ou o mar os leve sem testemunhas, sem custos!

Afinal, somos menos do que o risco sulcado na terra seca que o mar se prepara para abraçar, embora sem data definitiva... 

(Se os versos são do Herberto Helder, a foto é minha. Quanto aos críticos e aos espertos, ficam sem nome...)

13.4.15

Palavras para quê?



O que uns fazem, outros degradam. Ou será que o objetivo é precisamente valorizar o grotesco? A educação dá cada vez menos importância aos detalhes... Olhamos, mas não vemos... Aos nossos olhos, a beleza parece dar-se bem com o lixo.



12.4.15

Breves são as noites

Breves são as noites, quando Job e Raquel me surgem em sonhos. 
Como se estivesse num estado de vigília, surpreendo-me a perguntar porque me visitam tais reminiscências. E não encontro resposta, a não ser que Satanás os terá contratado para me pôr à prova a paciência... para me forçar a odiar quem dispõe das minhas horas...
E mesmo assim, não compreendo como é que Job e Raquel não recusam tal contrato, pois sempre se conformaram com a decisão do Senhor, embora quanto a Raquel não esteja muito seguro. Mais do que Raquel, consta que verdadeiramente paciente terá sido Jacob...
(...)
Ao adormecer, esperava não continuar a servir, pelo menos, durante sete horas... Parece-me, agora, que há em mim qualquer coisa de Labão... 

"O que Cavaco não diz"

Foto_Miradouro dos Capuchos_Costa da Caparica
Nesta foto, há um pouco de tudo: azul do céu e do mar; verde das leiras e dos bosques; torres de apartamentos e barracas...

Mas este não é o país de Cavaco Silva! No DN de hoje, Paulo Baldaia escreve um artigo intitulado "O que Cavaco não diz" e termina-o com uma dupla pergunta:«Estará Cavaco mais confiante numa maioria absoluta do PS do que Costa? Ou acha que é possível repetir a actual maioria?» 
Santa ingenuidade! Cavaco não antecipou as eleições legislativas, pois temia que o PS obtivesse a diabólica maioria absoluta. Cavaco tem mais medo do PS do que o diabo da cruz. Lá terá as suas razões, mas nunca foi capaz de as explicitar e de agir em conformidade. Preferiu agir sempre nos bastidores, apesar de confessar o seu horror à política de salão. No seu caso, a política é mais de cozinha!
Infelizmente, não está sozinho! À direita e à esquerda, muitos outros pensam do mesmo modo. E não se pense que estou a defender a ação política do PS das últimas décadas. O que me preocupa é que se queira matar à nascença o próximo ciclo de governação...