21.3.17

Os novos cafres

Segundo a edição online do Semanário Económico, a presidência da República portuguesa considera que “é inacreditável e inaceitável” que Vítor Constâncio, atual vice-presidente do BCE, aceite a aplicação de sanções ao país, questionando “o que é que Vítor Constâncio está lá a fazer” .

Há (ou deveria haver) um verbo que dá conta do que acontece a um português quando se muda para os trópicos ou, em alternativa, para instituições de alto gabarito - o português cafrealiza-se.
Outrora, portugueses houve que se deixaram voluntariamente assimilar pelos cafres... o que, em certos casos, me pareceu de bom gosto tal era a selvajaria que florescia no reino...
Hoje, apesar de continuarmos a viver acima das nossas possibilidades - há quem diga que o excesso sempre foi do Estado e das empresas! -, não faltam portugueses que, colocados estrategicamente em altos cargos internacionais, não desprezam a oportunidade de passar a viver de acordo com a bitola dos tempos modernos, esquecendo, de vez, a proveniência.

20.3.17

Aliteração interrompida

A temperatura baixou. As nuvens avolumam-se. A chuva parece que chega amanhã.

Sobe a tensão e a irritação. Turva-se o olhar, até parece que um madeiro se atravessa... Primeiro, avança pela esquerda e, depois, pela direita... O rosto enrubesce e, cambaleante, avança rua acima ou será rua abaixo?
A própria voz emudece e a mão tem instantes em que desobedece... e quando tal acontece já a Primavera é sem regresso...

A gata subiu o teclado, indiferente às flores que vão começar a murchar, e seguiu o seu caminho...

19.3.17

O texto

O texto. Diz. O quê?
Afinal, o texto não diz. 
Para que dissesse, era preciso que os olhos pousassem sobre ele. Descortinassem os parágrafos. 
Cada parágrafo, constituído por frases simples ou complexas. Enunciados...
 ...e que as palavras tivessem um significado preciso e, por vezes, ambíguo, mas não aleatório...
Era preciso que os olhos descortinassem a ordem das palavras e vislumbrassem a disciplina a que são submetidas...
Era preciso que as palavras dissessem o mundo, não o nosso, mas o de quem as ordenou...era preciso que as respeitássemos como representação, literal ou simbólica, ou, apenas, prenúncio...Era necessário que não as flexibilizássemos em demasia, que não as denigrissemos nem as branqueássemos
... nem as ignorássemos
Talvez, o texto pudesse dizer. O quê?
- Logo se veria!

18.3.17

A rendição portuguesa

«Cerca de sete meses antes do fim da guerra, em 30 de Setembro de 1973, os efectivos militares em Angola contavam com 65 992 homens (...) Em 1961, eram 6500 militares...» Rui de Azevedo Teixeira, A Guerra de Angola 1961/1974, Quidnovi.

No século XVI, os padrões já não garantiam a presença portuguesa no mundo. E porquê? Por causa do deficit demográfico... Entretanto, foi-se gerando a ilusão do Império na metrópole, alimentada pelos novos métodos de colonização, assentes na ideia da superioridade moral do cristianismo europeu - uma colonização, no caso português, mitigada, porque, devido ao deficit demográfico, se viu forçada à miscigenação...
            e depois vieram as guerras de prova de ocupação, decorrentes da Conferência de Berlim, e, sobretudo, 'a guerra colonial' como prova de vida do Estado Novo...
Se no terreno, a guerra parecia poder continuar enquanto a Guerra Fria se mantivesse ativa, a verdade é que o esforço de guerra se tornara insuportável... de tal modo que a rendição portuguesa se precipitou.
Nos últimos anos, dilacerados por dentro, insistimos na nossa superioridade moral, por exemplo, em relação a Angola, incapazes de julgar a peste que tudo vem dizimando.

17.3.17

Do que é que têm medo? Será de Platão?

Acusem o homem!
Se tantas foram as vantagens financeiras dos negócios apadrinhados pelo homem, acusem-no de vez!
O Ministério Público sabe certamente onde é que param os milhões de euros ou como é que foram gastos. E também conhece as rotas, pelo que se diz na comunicação social. Será que os milhares de ficheiros produzidos não são suficientes para fundamentar a acusação?
O processo já vai tão carregado que, quando chegar a julgamento, irá ficar parado até que os senhores juízes o leiam. Provavelmente, serão os netos dos atuais magistrados a deliberar, já Sócrates terá optado pela cicuta...
Do que é que têm medo? Será de Platão? 

16.3.17

De regresso ao Paraíso

«Em meados do século XX, presumia-se frequentemente que o secularismo seria a ideologia dominante e que a religião não mais voltaria a desempenhar um papel preponderante na política mundial.» Karen Armstrong, Conseguimos Nós Viver sem o Outro?

Na escola pública, o silêncio sobre as religiões é tão profundo que já não sei o que fazer aos meus jovens interlocutores. Se lhes ensinasse Matemática, provavelmente, a minha angústia não teria razão de ser, mas como, por ora, o meu magistério continua centrado na língua, na cultura, na arte, na literatura, nas vertentes diacrónica e sincrónica, vivo num monólogo interminável, pois o Outro, absolutamente secularizado, nada sabe da referência religiosa, vista de forma identitária ou hostil... e tudo isto num tempo de proximidade e conflitualidade inevitáveis...
E apesar de tal estranheza, os estereótipos continuam a poluir a língua e a reproduzir-se insensatamente nas políticas, nos programas e nos manuais das Ciências, ditas, Humanas, incapazes de abolir a simples ideia de que a superioridade moral de uma qualquer cultura possa continuar a imperar, mesmo se alicerçada na santidade de valores, como tolerância, liberdade de expressão, democracia, separação da Igreja do Estado...
              porque «a modernidade não foi baseada num conjunto de ideias, mas sim numa alteração fundamental que se deu na base económica da sociedade.»  Karen ArmstrongConseguimos Nós Viver sem o Outro?

             Bem pode o Papa Francisco  declarar  que comete "um pecado gravíssimo", quem «retira o emprego" às pessoas para realizar "manobras económicas ou negócios pouco claros", a verdade é que, neste século XXI, a base económica da sociedade está a mudar, precarizando cada vez mais o trabalho humano...
Eu, por mim, já tenho dificuldade em explicar o que possa ser o ´pecado', ainda por cima gravíssimo, embora saiba que a culpa é de Deus... e data do dia em que expulsou os anjos do Paraíso, obrigando-os a sofrer, a trabalhar e a multiplicarem-se, isto é, a serem homens... Afinal, no Paraíso não havia homens!
Pela via secular, estaremos de regresso ao Paraíso e os meus jovens interlocutores estão bem mais perto dele do que podem imaginar.

No essencial, o que eu queria registar é que, em 2009, foi posto à venda um livrinho que talvez nos possa FAZER PENSAR: Podemos Viver Sem o Outro? As possibilidades e os limites da Interculturalidade, Lisboa, Tinta-da-China.

15.3.17

Costa trava flexibilização curricular

Primeiro-ministro deu orientações a Tiago Brandão Rodrigues para não avançar com flexibilização curricular e evitar riscos no arranque do ano letivo, a um mês de eleições. Em setembro, a medida só vai avançar em 50 escolas para o ministro da Educação não perder a face.  

Como todos sabemos, a educação é a prioridade do coração socialista, mas que, de tão entranhada, bem pode ser atirada para longe  do calendário eleitoral... Quanto ao jovem Tiago,  este não irá "perder a face", pois vai poder flexibilizar nas 50 escolas que se manifestarem dispostas a servir 'suas excelências'...