15.2.19

Devo evitar a crónica

Se eu quiser escrever sobre o estado congestionado em que me encontro, devo evitar a 'crónica' porque, por estes dias, este registo procura anular a duração, e o que eu tenho para confessar é que há horas em que não se está bem em lado nenhum.
Não fossem os ossos doridos, os espirros e o corrimento nasal descontrolado, talvez pudesse evitar a expressão corriqueira da fragilidade pessoal - a crónica exige que a fragilidade seja humana!
Por mim, o género nasceu da «ordenação de estórias» com o objetivo de legitimar uma escolha política ao gosto do baixo clero, da nobreza calaceira, de uma burguesia ávida de futuros  pardaus e de uma arraia-miúda destrambelhada…
Nunca a crónica poderia dar conta do momento em que me informam "A consulta foi-se. A médica fartou-se. Abandonou o consultório, sem explicação razoável…"
A verdade é que não fiquei surpreendido, pois já me apercebera que os endocrinologistas andam quase sempre zangados e, no caso, o que eu precisava era de um médico de clínica geral… Talvez por isso tenha dito à rececionista: Olhe, quando a doutora tiver acertado o doseamento, ela que diga em que dia é que me recebe…

14.2.19

Procuro remendar

Procuro remendar, mas desconsigo. Voltar?
(O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita…)
O retorno é tão cansativo como assustadora é a reencarnação...
Não encontro Valentim que queira apadrinhar esta língua adulterada…
Escondo-me aqui à espera que o Imperador adormeça…
Talvez pudesse soltar-me destas grilhetas e regressar às galhetas. Para quê?
Vou regressar ao desalinho da criada empoeirada e desgrenhada.

13.2.19

Eu sei lá quem é o António!

'Eu sei lá quem é o António, mas deve ser um homem interessante, já que concorda comigo... 
Eu sou culto, eu leio, eu sou livre! Já nasci assim e não tenciono mudar. O António deve morar no andar debaixo, pois nunca o vi… E parece-me um pouco antiquado - ainda fala de ditadores e de escravos. Eu cá não me assusto com a cultura. A ultima vez que a vi, ela caminhava sozinha e olhava fixamente para o mostrador de um smartphone roubado numa loja do bairro… '

11.2.19

O papel da escola republicana

Nunca fui fã das teses sociológicas em matéria de educação.
À escola compete instruir e educar… com ou sem ajuda dos pais e encarregados de educação.
Se não erro, era esse o objetivo da escola republicana. A sobrevivência da República, no seu início, foi colocada nas mãos dos professores. Competia-lhes elevar o nível educativo, cultural e instrutivo da nova sociedade…
Entretanto, a República amadureceu…muita parra e pouca uva.

Tantas são as incongruências!

… Nesta avenida asiática, o trânsito é constante nos dois sentidos… Na minha cabeça, há mais sentidos… só que não fluem, paralisados pelas crianças-brinquedo, por velhos infantilizados, por decalques inesperados… 
Os ouvidos cansados do atropelo de vozes e do matraquear dos hits perdem-se nos olhos descarrilados, tantas são as incongruências das linhas com que me ocupo…

10.2.19

Os novos exorcistas

Em tempos, aprendia-se que havia uma função mágica da linguagem própria de certos cerimoniais… Os exemplos eram conhecidos de todos - uns angélicos outros satânicos… No caso, a magia era o que menos importava, apesar da iniciação ser publicitada para os devidos efeitos - religiosos, civis, profissionais…
A magia da palavra sobrepunha-se a qualquer descrença, desacordo ou até inabilidade. Podia até limpar o pecado original, mas não o fazia esquecer… A magia da palavra vivia nas formas simples, da adivinha ao conto, sem esquecer o provérbio.
Estas formas simples representavam o modo de estar e de pensar de quem as criou sob a capa do anonimato involuntário e, em geral, eram transmitidas, para o bem e para o mal, de geração em geração.
Entretanto, os novos exorcistas abriram uma nova frente. Querem eliminar os provérbios e, sobretudo, querem ser eles a liquidá-los… (Estudá-los nem pensar!)
Já estou a ver uma quantidade de obras artísticas a serem queimadas em nome do bem comum do momento.

9.2.19

O fio condutor

Falta aqui um fio condutor? Talvez! 
Só que a linha é tão fina que se enreda e se quebra… 
Por vezes, parece que a linha muda de cor, engrossa ou que já não é a mesma.
E como é que o fio condutor pode ser mantido se outras linhas nos cercam, altaneiras?
Uma delas acaba de me desafiar: - Ler autores do século XX ou de séculos anteriores para quê?
(Cheira a defunto!)