20.6.20

No jardim da verdade

Posso tentar descrever o jardim: a uma zona relvada sucede uma canal de água mais límpida do que a de outro registo; e depois, nova zona relvada, mais rara de início, onde pousam alguns pombos, próximos de uma ninhada de patos já crescidinhos que, a espaços. mergulham no pequeno lago, sombreado por uma meia dúzia de árvores… Nas zonas de sombra e de luz, perdem-se folhas secas por entre pequenas flores de estação… E finalmente há todo o tipo de vermes que apenas pressinto…
Esta descrição fracassada não dá conta da verdadeira vida que habita o jardim. É apenas um exercício para dizer que a verdade dos nossos governantes, para além de ser menos modesta, é mais mentirosa do que a minha.
Eu pressinto os vermes, mas eles fingem que neste nosso jardim não há minhocas quando nos querem convencer (e aos outros países amigos do negócio) que a causa do número de infetados é do grande número de testes realizados… Como se o vírus deixasse de circular se o não incomodássemos…

18.6.20

Consciência oca

E acabe enfim esta consciência oca
Que de existir me resta.
(F.P., Fausto na taberna)

Findar ou aperfeiçoar?
Em consciência, quem é que deseja que a consciência se extinga? O suicida, certamente. Mas para quê? Fugir da vida que nos foi entregue para que a preservemos é um ato egoísta, individualista.

Apetecia-me zancar na sociedade individualista, mas o indivíduo não sabe nem quer viver em grupo e muito menos em sociedade. Não há nenhuma sociedade individualista, apenas predadores que, quando não se apoderam do poder, se imolam para não terem de ouvir a consciência.
Em suma, melhor seria apostar no aperfeiçoamento do que nos foi dado em vez de chorar o leite derramado.

17.6.20

Já não há barqueiro!

Mas não é inda o fim. Inda é preciso
Que a morte me desmembre em outro, e eu fique
Ou o nada do nada ou o de tudo
E acabe enfim esta consciência oca
Que de existir me resta.
(F.P., Fausto na taberna)

Pense o Fausto o que quiser sobre o modo de ficar, pouco interessa. Nesta vida, só a consciência atrapalha, porque desaprendemos de viver o tempo - essa inexistência que pesa fora das tabernas, das adegas e dos bares deste mundo...
O tempo é o produto da suspeita de finitude, onde o barqueiro deixou de ser necessário.

16.6.20

São de neve...

Não sei se são ideias… talvez,  enunciados; no limite, frases ou onomatopeias mal aparadas.. Vivo de incertezas que caem quais pedras de granizo. São de neve, mas destroem…
Podia pensar em mentiras, só que no verso não encontro qualquer verdade… 
Sem verdade nem mentira, não há certeza que me sossegue...
Sucedem-se os ministros, os deputados, os cardeais… e já não percebo se são reais. Nem nos livros, me encontro - pardais saltitantes à procura do arroz integral que lhes vou servindo diariamente... e, no entanto, eles não duvidam... só suspeitam.

14.6.20

Para quê derrubar ídolos de outros tempos?

Figueira dos pagodes
Hoje cruzei-me com esta figueira ornamental (ficus religiosus oriental). Nesta primavera oferece-nos uma cor sedutora… Só que, entretanto, lembrei-me de uma ideia que matinalmente se apossara de mim: para quê derrubar ídolos de outros tempos se os jardins nos oferecem tantas plantas e árvores exóticas? Pensei, por exemplo, que por estes dias nos deixamos seduzir pelos jacarandás, apesar da goma que nos pode atirar ao chão.
E uma ideia arrasta outra. Portugal deveria venerar as suas árvores de fruto, a começar pela figueira torrejana ou algarvia... Deveria venerar a oliveira, a amendoeira, a laranjeira, a avelaneira, o castanheiro... e se ainda nos apetecesse vingarmo-nos do passado, então deveríamos começar por abater tudo o que, em nós,  é supérfluo, exótico...

12.6.20

Do Covid não há notícia nos santos populares

Popular: A rua está triste! Em Alfama, não há Covid, como se vê! Só polícias! 

Outro popular: Nem a neve cai na Serra da Estrela. Só nevoeiro! Do Covid não há notícia... nem do Sol!

Bernardino Soares: O Covid está aqui, em Loures, entre os desempregados e os precários, nos bairros pobres, nos autocarros

Graça Freitas: Uma esplanada ao longo da avenida, um grelhador...  Uma rica sardinha pode bem animar a noite dos santinhos, sem incomodar o Covid, desde que seja servida por mãos higienizadas e bocas amordaçadas...

(... até porque, em junho, o Covid prefere as estátuas dos colonizadores e dos colonialistas, indiferente à diferença...)