20.8.20

Não ter a quem servir

Não é um juízo! Pelo menos, livre. Apesar da rebeldia, que imaginava legítima, tudo o que dizia, mais do que fazia, era sempre uma resposta, embora não fosse confrontado…
Se a morte do estímulo acontecesse, a revolta perdia motivação e, no lugar dela, sobejava somente desorientação ou, em muitos casos, teimosia que, por vezes, era lida como convicção.
Não ter a quem servir aborrece-o!
Falta-lhe um rosto, mesmo se irado, mesmo se oculto. 
Paradoxalmente, hoje, serve um bicho invisível que o obriga a cumprir um dos objetivos da retórica - instituir a distância, estar atento aos movimentos do outro para que haja lugar para o confronto. 
O confronto e não o consenso! Como se a vida da Terra dependesse da eliminação quotidiana da memória…

19.8.20

Tudo sossegado

É assim! Uns correm para o litoral, outros para o interior. Aqui ao lado, poucos se movem. Nem as canas de pesca se agitam; descansam pensativas na corrente... Talvez as aves lhes tenham desviado o cardume! A maré vai cheia - a água do mar sobe, ali, para os lados da Póvoa de Santa Iria, ao contrário da mártir, que do Nabão foi dar nome às areias do Tejo… para, depois, continuar o seu caminho para lá da foz.
 

18.8.20

Mestre da inquietação

Uns afrontam-se alheios à condição. Outros, em nome de uma essência bacoca, descontextualizam tudo, como se fossem os únicos portadores da verdade... 
E depois há os apressados, formados na escola do oportunismo, que pensando agradar a gregos e a troianos, se dedicam a criar mamarrachos e a plantá-los um pouco por toda a parte.

E esta semana, sob pretexto de uma homenagem no dia em que Miguel Torga faria 113 anos, na quinta-feira, a junta de freguesia de São Martinho de Anta, lembrou-se de usar a raiz (do negrilho) como base para uma escultura do rosto do escritor transmontano, uma intervenção feita por Óscar Rodrigues. De acordo com o presidente da junta, José Gonçalves, a raiz estava a entrar em podridão, e houve, assim, uma súbita urgência de fazer alguma coisa. 

. Martinho de Anta, 26 de Abril de 1954

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

16.8.20

Preocupado

 

 
Li algures - no caso, talvez me acompanhem na alusão - que a retórica tem como objetivo assegurar a superioridade à causa mais fraca… No entanto, a formulação deve ser bem antiga, pois, no presente, observo precisamente o contrário… Exemplos todos conhecemos… O melhor é não os mencionar!
O que me intriga, de momento, é que haja gente tão inteligente e, ao mesmo tempo, tão estúpida - os termos deveriam ser antitéticos. Mas não: são compatíveis.
De qualquer modo, aceitamos ser governados por gente tão estúpida e que não tem pingo de inteligência. Entretanto, alguém me explica o que é que está a acontecer ao António Costa. Estou sem notícia dele desde o dia 11 deste mês!

14.8.20

Voa facilmente, a libelinha


Parece saber para onde vai e voa facilmente. Procura a água e as flores. Vive mais anos do que é suposto, mas só se deixa observar meio ano de cada vez...
Estranha forma de vida, colorida, e que obedece certamente a leis que lhe são naturais. Nós, que nos exibimos durante todo ano, não só definimos as leis, como as fazemos desiguais…

12.8.20

O retorno ao 'tempo normal'

O retorno ao 'tempo normal' não faz sentido. Se, no presente, suspeitamos a cada momento das ações, nossas e alheias, isso não é expressão de 'anormalidade'. Pelo contrário, a suspeita exige que olhemos à nossa volta, reconhecendo que no 'tempo normal' nos habituáramos a viver como se a terra fosse toda nossa.

Infelizmente, a procura desenfreada de uma vacina mais não é de que um sintoma de que não estamos preparados para abandonar o estilo de vida capitalista que, desde o final da guerra fria, foi derrubando fronteiras, enriquecendo uns, cegando outros, e condenando  à morte milhões de seres de todas as espécies…

O retorno ao 'tempo normal' é uma ideia insensata.

9.8.20

Só há ida, não há retorno

O enunciado "só há ida...", descobri-o em Manuel M. Carrilho. Não sei se é do próprio, mas serve para questionar as noções de identidade, de saudosismo, de messianismo… O regresso a um outro tempo individual ou coletivo não passa de uma fantasia por muito apegados que vivamos...

O que vamos fazendo é que nos define em cada tempo, sempre descontínuo. O relógio que carregamos é uma prisão inventada por quem nos quer condicionar o caminho. 

O ciclo das horas mortifica.